Fim
"Aliás, são sempre os outros que morrem." - Marcel Duchamp
A responsabilidade por um crime pertence inteiramente aos seus autores. Mas os erros sucessivos que levaram a este clima de instabilidade no Iraque e aos massacres diários têm outros responsáveis. São as mesmas pessoas que não só mentiram para justificar uma guerra, como nem sequer souberam planear decentemente a sua intervenção, de forma a impedir o florescimento da violência que se previa com facilidade. O sangue não lhes suja as mãos, demasiado ocupadas a assinar contratos.
Publicado por Miguel Silva às 11:47 |
Que nome se dá a uma sociedade que vive num receio constante de ser vítima de atentados terroristas? A esta pergunta já alguém respondeu, em tempos, Israel. Hoje, cada vez mais, a resposta a essa pergunta é, evidentemente, Iraque.
Publicado por Miguel Silva às 11:28 |
Felizmente, os problemas do Benfica são facilmente identificáveis e resumem-se a três: o seu presidente, o seu treinador e a sua equipa.
A minha preferência para a ordem de prioridades passa por transformar, o mais cedo possível, o Santos num mártir. O resto virá a seu tempo.
Publicado por Miguel Silva às 11:45 |
Pela amostra de ontem, esta época o futebol do Benfica vai ter a mobilidade e a imaginação de um menir.
Publicado por Miguel Silva às 11:43 |
Pois, há quem goste de chegar cedo, reservar, correr, rezar. Eu gosto de atravessar a rua e sentar-me. É a diferença entre gostar do bulício da cidade e gostar da cidade. Até porque as cidades estão muito longe de se esgotar no seu bulício.
Publicado por Miguel Silva às 10:14 |
Um grupo de investigadores desenvolveu uma pilha que funciona com sangue e suor humano. Curiosamente, estava convencido que algo semelhante já existia pelo menos desde a revolução industrial e que se chamava assalariado.
Publicado por Miguel Silva às 09:34 |
Caricaturalmente, costuma dizer-se que existem três tipos de mentiras: mentiras, malditas mentiras e estatísticas. A estatística, que tem vindo a ganhar popularidade como ferramenta essencial das ciências sociais, pertence, de facto, ao ramo de conhecimento das matemáticas. Como não existe a tradição de apelidar de mentirosa a disciplina da matemática, deve entender-se que a desconfiança perante a estatística advém sobretudo da má fama das ciências sociais e que estas duas decorrem do desconhecimento geral sobre os fundamentos quer da primeira quer das segundas.
O governo divulgou recentemente os tempos de espera na Saúde. No Zero de Conduta, o Pedro Sales notou não só que existe uma diferença entre falar de tempo médio de espera e tempo mediano de espera, mas também que o cálculo do segundo tem sido claramente favorável ao Ministério da Saúde.
A média é talvez o conceito estatístico mais divulgado. Contudo, a média é um indicador muito sensível a valores aberrantes. Por esse motivo, sempre que se detectem esses casos, é aconselhável trabalhar com a média aparada a 5%, da qual se excluem os valores superiores e inferiores, trabalhando-se exclusivamente os restantes. É importante perceber que a média, tal como a mediana, é uma medida de tendência central, sendo essa a razão pela qual se reduz a distorção introduzida pelos valores extremos no cálculo da média recorrendo à média aparada.
Por seu lado, a mediana é o valor da sucessão que tem tantas observações à sua esquerda como à sua direita. A mediana ignora, de facto, o peso dos valores aberrantes e pode servir como uma medida de tendência central mais rigorosa do que a média.
Mas, se em termos estatísticos isto é verdade, em termos políticos, técnicos e humanos existe uma outra vertente a ser considerada. Não nos podemos esquecer que estamos a falar de tempos de espera no acesso a um cuidado de saúde. Os valores aberrantes, que podem ser tempos de espera muito longos ou muito curtos, são, nesta óptica, muito relevantes. Neste caso, o tempo de espera muito curto deveria ser o objectivo do sistema, pelo que são os tempos de espera muito longos que assumem maior importância, pois correspondem a casos clínicos concretos, a utentes do SNS, pessoas com um nome, uma família e um problema de saúde por resolver.
A estatística não devia ser uma arma de arremesso em guerras políticas, nem um meio de tornar mais opaca a realidade – ao arrepio da sua primordial função que é dá-la a conhecer da forma mais transparente possível. Num mundo ideal, existiria uma ética na divulgação deste tipo de dados, fornecendo a maior informação possível e deixando que a discussão pública decorra a partir de bases firmes. E o governo sempre se poupava às acusações de andar a escolher os indicadores que lhe são mais convenientes.
Publicado por Miguel Silva às 13:47 |
...ou Grandes momentos da imprensa nacional
Na edição de hoje do DN:
Pág 4 e 5 – PJ aperta o cerco à Praia da Luz e reforça buscas
Pág. 12 – “El Solitario” queixa-se de abusos sexuais na cadeia; Rapazes eram assediados sexualmente pela Net e SMS; Minstério Púlico de Lisboa está a receber menos crimes
Pág. 13 – Acidente mata família de emigrantes em França
Pág 18 – Assaltadas duas agências bancárias em Cerveira e Vizela; Bombeiro morreu em estrada de alto risco; Carro incendeia-se na A4; Homem colhido por comboio; Incêndio destrói armazém; Trio armado assalta loja; Assaltou bomba de gasolina
Pág. 19 – PJ atenta aos assaltos a McDonald’s do Norte; Centenas de amigos na despedida de Joel
Pág. 20 – GNR desconfia de organização nos assaltos a autarquias locais; Tinha plantação de droga num anexo da casa da mãe; Detido homem que “fabricava” armas ilegais; Discussão leva polícia a disparar sobre condutor
Pág. 21 – Atiram carro contra porta do Almada Forum; Cinco encapuzados assaltam posto dos CTT; Detido por violar prisão domiciliária; Homem preso com quase 200 munições; Bombeiro ferido em combate a fogo
Publicado por Miguel Silva às 19:54 |
O presidente é o antigo primeiro-ministro. O primeiro-ministro é o antigo presidente - com o pormenor de não ter ganho as eleições. A estabilidade é muito bonita. O respeito pela vontade dos eleitores pode ficar para mais tarde.
Publicado por Miguel Silva às 11:09 |
Na sequência dos posts que o Lutz Bruckelmann dedicou ao Museu de Berlim, ao lado dos comentadores mais habituais no Quase em Português surgiram uma série de outros comentários que se afastam radicalmente do nível habitual para aqueles lados. Esses comentários oscilavam entre o proselitismo e o ressentimento, tendo em comum a recusa dos números geralmente avançados na sinistra contabilidade dos mortos no Holocausto.
A questão dos números, embora não seja, de todo, a mais importante, não pode ser simplesmente ignorada. Costuma dizer-se que um morto é uma tragédia, cem mil mortos são uma estatística. A substância contida nesta sentença é a de que uma vida pode ser sempre reconduzida à sua história, aos que lhe são próximos, ao que deixa para trás. Mas um exercício desta natureza é virtualmente impossível quando o número de vítimas aumenta exponencialmente. Existe, de facto, uma dupla impossibilidade. Em primeiro lugar, porque é absolutamente impossível reter na memória a história de vida de cem mil pessoas. Em segundo lugar, porque, se o fosse, o sofrimento associado à memória das vítimas, das suas vidas destruídas, das suas famílias desfeitas, da sua obliterada dignidade, seria humanamente insuportável.
A mecanização das fábricas de morte que caracteriza os campos de extermínio surge não tanto pelo apego nazi à ordem – apego, já de si, bastante sobrevalorizado – mas antes pela ameaça que os fuzilamentos dos esquadrões de morte representavam para o moral dos homens neles envolvidos. Ao encarar de frente os olhos das vítimas sobressai a vida, a individualidade, eclipsando-se o número e a abstracção.
Focar a atenção, quando se fala nas mortes associadas ao nazismo, nos números e na confiança que eles merecem é falhar o que é mais importante nesse período negro da história mundial. Apurar os números correctos é tarefa para historiadores sérios e empenhados. Mas existe uma visão mais abrangente do que os números, que ultrapassa a disciplina da história e pertence, acima de tudo, aos domínios da filosofia e da moral. Os números assumem uma importância secundária quando comparados com o aspecto que constitui a essência do terror nazi: o processo.
O processo de actuação nazi, fundamentado na sua fantasiosa ideologia racial, caracterizou-se sempre pela exclusão. Foram excluídos os judeus, os ciganos, os eslavos, os comunistas, os homossexuais, os deficientes e os doentes mentais. Se o resultado da guerra tivesse sido favorável aos nazis, a seguir preparavam-se para excluir todas as pessoas com insuficiências cardíacas e pulmonares. A essência do totalitarismo é o perpétuo movimento. É necessário que o processo de exclusão nunca esteja concluído, que exista sempre um novo alvo, definido ao sabor das necessidades do momento.
Em conclusão, saber se morreram exactamente seis milhões de judeus nos campos de concentração nazis não é tão importante quanto é a noção de que todos estamos incluídos no rol de potenciais vítimas de um regime desta natureza. É o processo que é fundamental – a necessidade de matar, de excluir social e biologicamente, para continuar a afirmação do regime.
Publicado por Miguel Silva às 11:15 |
Às 8:30 da manhã, a TSF abriu o seu noticiário com uma reportagem sobre a previsão do tempo para hoje.
Publicado por Miguel Silva às 18:38 |
Um líder com medo de perder e uma oposição interna com medo de ganhar.
Publicado por Miguel Silva às 18:37 |
No Brasil, cuja população ascende a quase 200 milhões de habitantes, 130 mil pessoas representam mais de metade do PIB do país. Às vezes convém relembrar estas realidades quando se fala de desempenho económico.
Publicado por Miguel Silva às 11:09 |
O PSD e o PP perdem em toda a linha. O PSD perde por ter apoiado um candidato que mais tarde se viu não merecer confiança. Perde por ter tardado em retirar-lhe a confiança política. Perde por ter registado o pior resultado eleitoral de sempre em Lisboa. Perde por ter passado a terceira força política. E perde por ter à sua frente, em segundo lugar, precisamente a lista que de Carmona Rodrigues. Não há milagre que salve Marques Mendes. Mais do que a derrota de Fernando Negrão, esta foi a derrota da liderança social-democrata em Lisboa.
Por seu lado, o PP paga o preço da estratégia de poder partidário de Paulo Portas e dos seus acólitos, assim como o afastamento de Maria José Nogueira Pinto, que, concorde-se ou não com o seu posicionamento político, é tida por pessoa séria e responsável. O PP encontra-se, assim, numa posição muito ingrata. Se os resultados de Lisboa levarem a um novo congresso, é impossível não ver nisso uma derrota claríssima de Portas e um desfasamento muito grande entre o seu estilo e a sensibilidade do eleitorado. Se a direcção optar por se manter em funções, arrisca-se a continuar a registar derrotas inéditas e a depauperar a sua base eleitoral, tanto ao nível local, como ao nível nacional.
Mas se a história política recente nos ensina alguma coisa em relação ao PP de Portas é que não existe cenário que o populismo e a sede de protagonismo desta liderança não consigam distorcer à sua medida. Se nada em Marques Mendes pode mantê-lo na liderança do PSD por muito mais tempo, Portas já mostrou que a sua criatividade e desrespeito pelo bom senso e inteligência do eleitorado conhecem outros limites.
Publicado por Miguel Silva às 10:39 |
“A culpa não é minha”, disse a senhora da caixa registadora quanto pediu 9,30€ por duas meias de leite e duas sandes mistas.
Publicado por Miguel Silva às 11:14 |
Eu sabia que comprar aquela guitarra eléctrica havia de mudar a minha vida.
Publicado por Miguel Silva às 17:37 |
Intolerantes são os outros. Nós somos muito abertos a brincadeiras com os nossos símbolos religiosos.
Publicado por Miguel Silva às 13:49 |
"António Costa foi ontem forçado, pela primeira vez na campanha eleitoral para a Câmara de Lisboa, a "descer" ao terreno do combate político puro e duro, dedicando o essencial de um discurso, feito perante idosos no Mercado da Ribeira, a responder a ataques dos adversários a personalidades da sua candidatura."
O combate político puro e duro não é, nem nunca foi, responder a ataques pessoais, tal como não passa por ser responsável por esses mesmos ataques. Isso, quanto muito, é a politiquice. A política pura e dura são os assuntos do Estado, antigamente a cidade-estado, hoje mais o Estado-Nação. As raízes da política encontram-se no poder e no seu exercício, na governação afinal de contas, assim como no discurso, nos argumentos usados com vista a alcançar o exercício do poder ou a justificar as opções defendidas.
O ataque pessoal, baseado em suposições ao invés de se apoiar em factos, não tem como finalidade convencer mas criar dúvidas. Que num jornal de referência se julgue que a política pura e dura é a dos ataques pessoais e respectivas respostas revela muito sobre a nossa imprensa e sobre o que podemos esperar dela.
Publicado por Miguel Silva às 13:23 |
No Estado Civil, um testemunho de Maria Emília Correia sobre a difícil relação entre o envelhecimento e as dificuldades acrescidas no mercado de trabalho. Maria Emília Correia fala da profissão de actor, mas as suas palavras não se esgotam neste meio. Depois dos 40, arranjar emprego em qualquer área é uma tarefa dura e ingrata.
O problema da nossa sociedade não é um problema de obsessão com os novos, e sim um problema de obsessão com o novo. Vivemos um tempo que está sempre disposto a glorificar a next big thing, mas que tende a prestar infinitamente menos atenção às actuais big things. Isto acontece nas artes, no desporto, no mundo empresarial e até na política. A expectativa e a promessa futura têm um peso social muito maior do que o valor seguro e confirmado.
Eventualmente, nos campos com pretensões de retratar a realidade, como é o caso (embora, claro, nem sempre) do teatro e do cinema, existe a tendência de reproduzir os vícios da sociedade. Assim, se a sociedade é machista e hipervaloriza o novo, uma representação fiel há-de reproduzir estas estruturas sociais. Se os actores e actrizes encontram dificuldades acrescidas de empregabilidade em função da idade, isso não reflecte uma particularidade do seu meio profissional, mas uma característica generalizada das sociedades actuais.
A questão ambiental e a pobreza representam dois dos problemas mais importantes nesta transição de milénio. Mas a par delas, o outro grande desafio dos nossos dias é o lugar que reservamos aos mais velhos. Uma questão que, se não for por outra razão, por motivos demográficos, não pode ser ignorada muito mais tempo.
Publicado por Miguel Silva às 11:28 |
Não sei se compreendo o dever que temos de não contribuir para desfechos nos quais somos vítimas de homicídio.
Publicado por Miguel Silva às 11:48 |
Não vi o debate. Mas o principal aspecto a reter, pelo que se vai lendo, parece ter sido a prestação de Fátima Campos Ferreira. Não tendo visto o debate e não tendo posto os olhos nas moderações de Fátima Campos Ferreira há uns bons tempos, consigo, ainda assim, imaginar perfeitamente o nível da prestação. E isto, pessoalmente, diz-me bastante sobre a marca indelével dos maus desempenhos da moderadora da moda. Na RTP ninguém nota, o que, a médio prazo, é irrelevante. As modas custam enquanto duram, mas todas passam.
Publicado por Miguel Silva às 10:49 |
Afirmar que as pessoas estão fartas de política é um recurso demagógico muito frequente. O ruído da vida política nacional é algo diferente e é razoável acreditar que as pessoas estejam realmente fartas dele. O ruído da vida política é tudo o que não é política, mas que consegue bastante tempo em jornais e televisões, presume-se, porque ajuda a vender.
O ruído é da responsabilidade dos seus autores, nomeadamente dos políticos que vêem no circo que gira em torno da política, mas que não é política, um meio legítimo de divulgação. Acaba por ser um expediente muito eficaz quando se precisa de notoriedade, mas as ideias e as propostas para o futuro, ou o registo do passado, não são definitivamente o melhor caminho para o conseguir.
Contudo, a divulgação do ruído e o destaque que lhe é reservado, em detrimento de outros assuntos bastante mais importantes para o país e para os eleitores, é da responsabilidade dos agentes da comunicação social. Como sempre, no final, os balanços serão críticos e não faltarão vozes com autoridade para mudar o rumo das coberturas a reconhecer os exageros. Como alguns políticos, que esperam que a memória dos eleitores seja suficientemente curta para obliterar os desvios, também essas vozes esperam que o consumidor esqueça o que não foi feito quando era necessário.
Publicado por Miguel Silva às 16:42 |
O vento não cessa. Parece não ter descanso enquanto não conseguir tudo aquilo a que se propôs.
Publicado por Miguel Silva às 14:24 |
Entre o que a Secretária de Estado da Saúde disse e o que andam a dizer que ela disse parecem existir algumas diferenças que não são despiciendas.
Publicado por Miguel Silva às 19:06 |
Como é bonita a democracia em funcionamento. Como é agradável e pedagógica a reunião de interesses para impedir que governe o partido mais votado nas eleições.
Se dúvidas houvesse, isto explica muitas das opções do ex-presidente de Timor-Leste na estranhíssima recente crise governamental.
Publicado por Miguel Silva às 18:20 |
Um destes dias, inadvertidamente, furei o congelador com uma faca, enquanto tentava retirar o gelo acumulado. De imediato, libertou-se um gás, que, ao que me explicaram, terá um papel importante no sistema de refrigeração, o qual, involuntariamente, inalei durante alguns segundos, antes de reagir desviando-me e abrindo a janela. Aguardo impacientemente que os super-poderes, dos quais a visão raio-x e o sopro gelado são os mais desejados, se comecem a manifestar a qualquer momento.
Publicado por Miguel Silva às 12:26 |
Os regimes apodrecem por dentro. São minados e atacados a partir do seu interior. Minados pelas más práticas e atacados pelos sempre atentos populismos, em busca da sua oportunidade mediática. Contudo, é preciso não confundir o regime com os seus actores. Da mesma forma, é preciso não tomar o todo pelas partes. Não se pode esperar, excepto se se partilhar um conjunto de valores que não são os de um Estado de Direito, que se erradique definitivamente o erro – involuntário ou deliberado. As anomalias são uma característica intrínseca do funcionamento social e a economia, a política e o direito são instituições sociais. As sociedades devem preparar-se para minimizar essas anomalias e para responsabilizar os seus agentes, mas não podem querer tornar real uma utopia que encerra o princípio perigosíssimo de serem os seus membros tão iguais entre si ou tão receosos do Estado que ninguém arrisque quebrar regras.
O JPT, num comentário a um post no Quase em Português, faz uma análise à situação do regime. Para ele, o regime e as suas instituições não existem para além das suas condições de exercício. Mais ainda, os desvios existentes são regra e não excepção, produto de “condições sociológicas”, de “condições práticas do exercício do poder e da reprodução de grupos particulares e particularísticos nas redes do estado e do estado-economia”.
A visão que o JPT lança sobre este tema merece reflexão. Mas só pode ser aceite se se concordar com os termos em que é colocada. Se é certo que há exemplos claros de apropriação do aparelho do Estado por interesses particulares, a coberto, ou não, de capas partidárias, é preciso dar atenção a outros aspectos, tão ou mais relevantes. Desde logo, perceber que essas condições sociológicas são condições disseminadas na sociedade de uma forma geral, no tipo de laços sociais que se geram e nas hierarquias de valores que imperam. Nessa medida, se o problema está na sociedade, nos indivíduos (em rigor: em alguns indivíduos), não se pode esperar que uma simples mudança de regime produza efeitos diferentes com os mesmos actores sociais. Depois, tal como já referi, é preciso não tomar o todo pelas partes. Existem desvios, porém estes não derivam da lei, mas da sua aplicabilidade. O erro é mediático, mas não constitui a regra. Se assim não fosse, esta seria uma sociedade inviável. Apesar dos seus defeitos, ainda se vai aguentando e progredindo. A passos mais lentos do que por vezes gostaríamos, mas progredindo.
O regime e as suas condições de exercício estão intimamente ligados, mas não são uma e a mesma coisa. A diferença pode aferir-se nos produtos de regimes tão opostos como a democracia e o totalitarismo. Apenas o primeiro reúne as condições necessárias para que as populações conheçam e participem activamente, de uma forma responsável e informada, no projecto de gestão do presente e construção do futuro da sua sociedade. Apenas a democracia permite canais de troca de informação e a sua validação. Apenas a democracia permite a responsabilização e a substituição dos dirigentes políticos. Não que isso seja uma realidade factual sem mácula. Não é. Mas a acontecer, num destes regimes, não será com certeza no totalitarismo.
A democracia não é perfeita, não é o fim da História e pode ser pervertida por interesses menos claros. Mas está mais longe de ser o sistema fraco e debilitado que por vezes a fazem parecer. Encerra em si um potencial enorme que não pode ser menosprezado de ânimo leve. Neste campo, um pouco de conservadorismo não é desajustado, antes de se embarcar num aventureirismo a troco de revoluções e de se tomarem pequenos déspotas iluminados por líderes salvadores.
Os regimes são corroídos por dentro e o mal que lhes pode ser infligido não deve ser negligenciado. Mas são tão nefastas as más práticas como a confusão entre o infractor e a instituição de que ele abusou. Os autoritarismos podem pouco enquanto não lhes abrirem as portas da frente. Nisso, o tom acusatório contra o regime cumpre a função bastante bem e é por isso que se aconselha um pouco mais de responsabilidade.
Publicado por Miguel Silva às 11:24 |
O meu outro blogue chamar-se-ia Tempo dos Assassinos - sobre o amor, a marcha lenta dos dias, o tédio e tudo o que nos mata devagar.
Publicado por Miguel Silva às 13:34 |
Graças a Deus, alguém veio desmascarar Harry Potter pela impostura que representa. O facto de se tratar de uma fantasia romanceada para crianças já devia ser um bom sinal, mas as pessoas são muito distraídas. Valham-nos os espíritos atentos e críticos.
Por uma questão de honestidade intelectual, qualidade ausente com demasiada frequência dos escritos de César das Neves quando se trata de religiosidade, o professor poderia esclarecer os seus leitores que não existiu um gnosticismo, mas vários gnosticismos, com diferenças muito significativas entre si. Se é certo que alguns seriam “misóginos, machistas e diabolizavam o sexo”, outros responderam com doutrinas alternativas que reconheceram, dentro do culto, um papel para a mulher muito mais importante do que o catolicismo alguma vez foi capaz de conceder.
Da mesma forma, César das Neves poderia esclarecer os seus leitores sobre a forma como o gnosticismo foi erradicado pelo proto-ortodoxismo cristão, o qual constituiu a base para a origem da Igreja Católica como a conhecemos. Nomeadamente, através da quantidade de escritos gnósticos que foram deliberadamente destruídos durante os primeiros anos do cristianismo e nos séculos vindouros, tal como a quantidade de escritos proto-ortodoxos, hoje incluídos no cânone, cujos especialistas não hesitam em apontar como obras claramente falsificadas com o intuito de melhor se adaptarem ao combate ideológico em curso. Aliás, se hoje é tão difícil conhecer os gnosticismos do início do cristianismo é devido ao sucesso desses esforços para aniquilar não só os cultos alternativos, mas também os vestígios históricos desses cultos.
Assim, não surpreende que César das Neves omita o anti-semitismo presente em quase toda a história da ICAR, desde os textos doutrinários dos primeiros séculos da era cristã ao silêncio cúmplice durante o Holocausto, passando pelas fogueiras da Inquisição. Mas como o fundamentalismo religioso não conhece limites para os seus artifícios de manipulação, o leitor é ainda presenteado com uma comparação entre a propaganda nazi contra os judeus e as críticas actuais à ICAR. Se era para falar de propaganda anti-semita, César das Neves podia ter-se mantido num domínio que lhe é conhecido. Os Evangelhos estão cheios de bons exemplos que o professor poderia ter citado.
Publicado por Miguel Silva às 11:16 |
Vou ali a um sítio, fazer uma coisa com umas pessoas.
Publicado por Miguel Silva às 14:47 |
Existe, nalguns meios, uma presunção, artificial e enganadora, de se estar acima dos partidos e do Estado, ou, como alguns preferem, acima do regime. Trata-se de uma linha de pensamento que também esteve muito em voga no seio de certos movimentos há sensivelmente cem anos. É pura demagogia, populismo construído para desacreditar as instituições e lançar o clima adequado para a instauração de uma “nova era” messiânica. Na realidade, ao invés do programa regenerador anunciado, tem como principal efeito atrair o que de pior existe na sociedade e potenciá-lo a níveis desumanos. As grandes tragédias do século XX encontraram aqui um fiel gatilho para iniciarem o seu trajecto.
Publicado por Miguel Silva às 16:04 |
A Fundação Calouste Gulbenkian, presente na 77ª Feira do Livro, parece estar a praticar, por sistema, os maiores descontos sobre o preço de capa dos livros que edita, descontos que, em muitos casos, rondam ou excedem a barreira dos 50%. Talvez a realidade financeira e económica das edições da FCG possa representar uma diferença significativa quando comparada com as outras editoras. Mas, a título de exemplo, há editoras cujos livros do dia recebem apenas um incremento de 10% no desconto a efectuar ao preço de Feira. Num livro de 30 euros, e não são poucos, a diferença entre comprá-lo como livro do dia ou em qualquer outro dia de Feira são três euros. Estes três euros que se poupam no preço de livro do dia não chegam para pagar os bilhetes de comboio e metro para quem não queira levar o carro para o meio de Lisboa, e mal chegam para cobrir dois módulos da Carris, caso não se tenha passe. Uma deslocação de propósito ao Parque Eduardo VII torna-se difícil de justificar nestas condições.
No sábado, Pacheco Pereira escrevia que a afluência aos alfarrabistas na Feira do Livro traduzia o lixo que se publica actualmente e enche os escaparates. Não se duvide que seja um aspecto relevante, mas mais importante parece algo que o autor do Abrupto refere apenas de passagem e que é a diferença de preços praticados. Os alfarrabistas na Feira anunciam preços muito baixos quando comparados com as editoras que os ladeiam. Certamente, os títulos e os autores são diferentes e traduzem, em grande parte, outros interesses. Mas que não sobrem dúvidas de que as escolhas se fazem equacionando o peso que as compras vão representar nos orçamentos domésticos de um país de baixo salários.
Pôr os portugueses a ler, seja lixo ou sejam clássicos, passa muito pelos preços que se praticam. O mercado é pequeno e será com certeza complicado assegurar a rentabilidade financeira das edições. Mas as leis da oferta e da procura postulam claramente que a segunda aumenta quando os preços baixam. Talvez esteja na altura de encontrar um novo ponto de equilíbrio, conveniente a todas as partes interessadas.
Publicado por Miguel Silva às 11:24 |
Portugal é o nono país mais seguro do mundo. São muito más notícias para Paulo Portas e para o CDS/PP, que vêem assim esvaziar-se sem apelo um dos balões de demagogia a que mais costumam recorrer.
Mas há esperança. Os idosos e os feirantes não devem ser propriamente o leitor tipo do The Economist e muitos não têm internet e computador para aceder a este tipo de informação. Alguns não terão sequer saneamento básico e competências de leitura, mas isso é secundário. A chama do populismo vive.
Publicado por Miguel Silva às 09:55 |
Está na moda, embora já não seja de agora, clamar a podridão do regime. A política e a justiça, algumas vezes merecidamente, são os principais alvos de reprovação. Mas, nesta óptica de decadência e de mau desempenho, podia começar-se a discutir seriamente o papel da comunicação social. A má qualidade da comunicação social é extremamente prejudicial para o funcionamento de uma sociedade e de uma democracia. O nivelamento por baixo, o recurso continuado ao lixo, a demissão do rigor, da objectividade e do profissionalismo, tudo em nome do facilitismo e das vendas, inquina o contexto social que a rodeia. A ideia de que a comunicação se limita a retratar a realidade é apenas uma ilusão. Ela pertence-lhe, para o bem e para o mal.
Publicado por Miguel Silva às 12:17 |
O caso do momento é o acórdão do STJ que reduz a pena a um homem condenado por abuso sexual de menores. A micro-notícia do Público é parca em explicações e pelo menos tão farta em opiniões como o que é imputado ao colectivo de juízes responsáveis pela apreciação. Nestas coisas, havendo paciência para isso, nada como ir à fonte. O que se retira do texto do acórdão não são necessariamente as conclusões que se podem retirar ao ler o texto do Público. O Público, embora refira o enquadramento social do acusado, opta por conferir maior atenção à questão da medida da pena em função da idade dos menores e a uma suposta “crítica à primeira instância por valorizar em demasia os crimes sexuais”. Contudo, não só não parece existir tal crítica, mas um reparo às distorções introduzidas pelo tratamento mediático, como o acórdão reconhece a relevância do impacto social deste tipo de crimes. Mais, argumenta com a entretanto consumada desacreditação da identidade social do acusado e com o desajustamento da pena à luz da experiência e dos condicionalismos específicos do caso. E refere aquilo que parece ser algo que o senso-comum suporta sem dificuldades: que o abuso de crianças com menor idade será potencialmente mais chocante e mais atentatório para o seu saudável desenvolvimento.
O acórdão é extenso, mas, aos olhos de um leigo, esta parece ser a parte relevante para confrontar com o que foi noticiado:
“Neste condicionalismo, considerando que o dolo, sendo directo, não apresenta especificidades em relação ao dolo requerido pelo tipo, e que a ilicitude é mediana, para usar a expressão usada na decisão da 1.ª instância, corroborada pelo acórdão da Relação, considerando ainda as circunstâncias relativas à personalidade do arguido e que foram destacadas na decisão recorrida a partir do relatório social, reproduzido na sua essência na factualidade provada, a sua primariedade, a sua integração familiar e, de acordo com a própria decisão condenatória, a sua estigmatização no meio em face deste processo, apesar de anteriormente se poder considerar que o arguido estava plenamente integrado socialmente , a pena aplicada mostra-se claramente excessiva e desproporcionada, justificando, assim, a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.
Na verdade, o STJ tem poderes para rever a medida da pena, não relativamente ao quantum exacto, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado (...), mas já quando tiverem sido violadas as regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada ( FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 197).
No caso, como dissemos, o quantum fixado é de todo desproporcionado, atendendo não só às regras da experiência, como a todo o condicionalismo acima exposto com relevância legal para a determinação concreta da pena.
O tribunal da 1.ª instância, com o aval da Relação, sobrevalorizou a componente da prevenção geral positiva, filtrada através da sua relevância mediática, com as distorções que uma tal abordagem do problema ocasiona, sabido que a culpa se impõe como limite intransponível das exigências de prevenção geral. Essa sobrevalorização está bem patente em certos passos da decisão da 1.ª instância, que a Relação acolheu, ao menos confirmando essa decisão. A título de exemplo, mencione-se esta passagem: "Por outro lado, no que concerne às necessidades de prevenção geral positiva, há que ponderar o facto de que a natureza deste tipo de crime é susceptível de causar alarme social, sobretudo numa época em que os processos de pedofilia têm relevância mediática e a sociedade está mais desperta para esse flagelo. Por conseguinte, as necessidades de prevenção geral positiva são relevantes, pois que (...) a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas e a efectiva tutela dos bens jurídicos cuja protecção se visa assegurar pela incriminação deste tipo de condutas assim o impõe".
Ora, concedendo embora em que as necessidades de prevenção geral positiva são relevantes, não se pode concordar, todavia, com a relevância que acabaram por adquirir.
Deste modo, estando a pena abstractamente aplicável balizada pelo mínimo de 3 anos de prisão e pelo máximo de 10 anos, entende-se que a pena mais adequada ao caso, conciliando as referidas exigências de prevenção geral com a culpa e tendo em atenção o estigma social já provocado no arguido, é de 4 anos de prisão.
8.4. Há, pois, que refazer o cúmulo jurídico à luz da pena agora aplicada, por sinal constituindo a parcela mais alta.
E, nesta sede, considerando o critério específico estatuído pelo art. 77.º, n.º 1 do CP, ou seja encarando os factos em globo em conjugação com a personalidade unitária do recorrente, somos levados a concluir que o recorrente revela tendência para a prática deste tipo de crimes, o que, de resto, ressalta da própria factualidade provada. Todavia, há que ver que os crimes considerados, exceptuado o relativo ao menor FF aqui analisado, não passaram de tentativa ou, então, como no caso do crime de abuso cometido através de conversa obscena, não têm uma relevância muito significativa. Assim, a actuação mais marcante no conjunto dos factos é mesmo a que se refere ao menor FF.
Nesta perspectiva, entre o mínimo aplicável de 4 anos de prisão e o máximo de 7 anos e 3 meses (art. 77.º, n.º 2 do CP), não se justifica uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão.”
(versão integral do acórdão - via GLQL)
Publicado por Miguel Silva às 11:46 |
Escrever disparates compensa. Basta atirar umas achas para a fogueira. Por exemplo, sobre o voto secreto, ou sobre a sexualidade. A garantia de se captar mais facilmente a atenção, de polarizar as opiniões, de impor um raciocínio, independentemente da sua validade, é muito alta.
Sobretudo, é fácil. O trabalho, mais duro e incomparavelmente moroso, de desmontar o falso argumento fica para os outros. Sim, escrever disparates compensa. Não devia ser motivo para colaborar regularmente com os jornais, mas até nesse campo parece dar créditos.
Publicado por Miguel Silva às 14:59 |
Numa crónica sobre populismos, na edição de ontem do Público, Vasco Pulido Valente apelidou o voto secreto de “invenção deplorável”. Sem qualquer assombro, VPV condena a base de suporte de todo um sistema político. Não existe uma frase que explique o juízo emitido, uma linha que contextualize o que quer que seja. Duas palavras chegam para lançar o anátema.
O voto aberto tem evidentes vantagens. Em 1992, quando a presidência de Collor de Mello enfrentava a perda de mandato, foi reconhecidamente a pressão colocado nos deputados, através do voto aberto, que originou o resultado desfavorável ao presidente. O voto aberto, no exercício de cargos políticos, tem o benefício de garantir um sistema de rastreio, de controlo e de responsabilização dos processos de decisão dos eleitos. Neste caso, assistiu-se a uma pressão exercida por amplos sectores da sociedade, suportada não no mero fenómeno de massas, mas em conclusões de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Tratou-se de uma pressão legítima exercida no sentido correcto: do eleitor para o eleito.
Contudo, se o contexto for o do voto dos eleitores para escolher os seus representantes, as condições mudam drasticamente e o voto aberto perde as suas vantagens. É inadmissível que o voto possa ser condicionado pela pressão exercida pelos detentores do poder ou pelos seus aspirantes. Toda a lógica democrática encontra-se pervertida nesse caso. O voto secreto não só é prático em processos eleitorais de grande escala, como se apresenta mesmo como a solução que melhores garantias oferece para garantir a seriedade da votação.
Na realidade, o voto secreto tornou-se necessário, indispensável até, após os abusos deploráveis que se cometeram ao abrigo de alguns regimes. Omitir este facto roça uma falta de objectividade demasiado comprometedora. Deve ser fantástico conseguir escrever sem a mais pequena preocupação com a sensatez e com uma remota aproximação à verdade dos factos.
Publicado por Miguel Silva às 12:23 |
Se a desertificação é um impedimento ao desenvolvimento sócio-económico das regiões afectadas e um fenómeno a combater, e se a construção do novo aeroporto na margem Sul de Lisboa obrigaria a “levar para lá milhões de pessoas”, não será que esta opção, nestes termos, parece ser a mais óbvia?
Publicado por Miguel Silva às 11:16 |
Ando a deparar-me com esta mensagem ao tentar aceder a algumas das leituras do dia. Como dizia o outro: fico chateado, pá, com certeza que fico chateado.
Publicado por Miguel Silva às 10:36 |
Um dos momentos de humor desta época futebolística foi a indicação dos metros percorridos pelos jogadores. O jogador era substituído a meio da segunda parte e lá aparecia em rodapé que tinha percorrido dez ou onze mil metros em campo. A ideia terá partido de alguém que, certamente por ignorância, pensou estar a fornecer informação valiosa.
O que é muito importante que se retenha é que há jovens de catorze, quinze e dezasseis anos que percorrem distâncias superiores dia sim, dia sim. Com uma diferença significativa: cobrem essa distância nadando, o que, convenhamos, acrescenta um grau de dificuldade que põe a ridículo o desempenho atlético dos jogadores de futebol. Podia dizer-se que o futebol, a esta luz, parece um desporto para meninas. Mas o treino de natação para raparigas também é mais puxado do que o dia-a-dia do jogador profissional.
O futebol é uma brincadeira tornada espectáculo. É daí, e não do mérito desportivo, não o esqueçamos, que lhe vem toda a fama e dinheiro. A avaliação objectiva do desempenho é perfeitamente secnudária.
Publicado por Miguel Silva às 11:12 |
É difícil dizer mais e melhor do que o que tem sido escrito pela Fernanda Câncio e pela Susana Bês a propósito do casamento e da sua dissolução. Mas, ainda assim, um ponto merece alguma atenção suplementar. Fica bastante claro nos posts que o João Miranda tem elaborado sobre este tema que, segundo ele, ao dificultar-se o rompimento do contrato, contribui-se para a sua estabilidade e perenidade. Nada mais longe da verdade. Num contrato desta natureza, que tem na sua génese as relações de afectividade entre duas pessoas, quanto mais por garantido se tem a sua continuidade, tanto mais fácil se torna para os envolvidos deixarem de se empenhar activamente no seu relacionamento.
O amor tem fim, as paixões têm fim, as amizades têm fim – e são tantas as pequenas e grandes razões que lhes põem termo que é impossível enumerá-las. Esquecer ou ignorar estas realidades é arriscar caminhar no sentido de não agir a tempo de manter viva uma relação. Um relacionamento dá trabalho e pode acabar mais facilmente do que pretendem as elaborações românticas. Nenhum pedaço de papel escrito pode dar segurança do contrário, embora, na mente de alguns, possa alimentar uma ilusão mais prejudicial que outra coisa qualquer.
Publicado por Miguel Silva às 17:49 |
Terminou o campeonato. Lá ganharam os do costume e chega a hora de elaborar saldos da temporada. Desses, desconcertam-me mais as elegias do insucesso. Essa capacidade de encarar um objectivo não atingido, ou alcançado à custa de injustificadas dificuldades por demérito próprio, e retirar daí uma razão de festa não pode causar outra coisa que não perplexidade.
Ficar em segundo, ou em terceiro, ou escapar por uma nesga à despromoção, sabe ao que sabe: a ficar em segundo, ou em terceiro, ou a escapar por uma nesga à despromoção. O resto é pura racionalização para enganar o desencanto. Muito portuguesa, aliás.
Publicado por Miguel Silva às 11:42 |
A economia cresce e o desemprego aumenta. Muita gente desconfiada dos números e algumas vozes mais calmas tentado explicar as relações e os desfasamentos entre uma coisa e outra. Na minha modestíssima visão, quando se olha para números convém sempre ver um pouco além e perceber o que lhes está na origem. Neste caso, mais exactamente, ver quais os sectores da economia que crescem e quem são os novos desempregados. E não esquecer que a taxa de desemprego depende do número de desempregados, mas também do número de activos, embora pareça não ser essa a justificação neste caso.
Outro exercício interessante de se fazer é detectar as tendências das estatísticas. Por exemplo, consultando a documentação on-line do portal do IEFP, perceber que os números do desemprego, pelo menos na última meia dúzia de anos, vão decrescendo de Janeiro a Julho/Agosto, para registarem uma nova subida entre Agosto/Setembro e Novembro. Isto não quer dizer que a taxa de desemprego do 1º trimestre não possa ser superior à taxa do último trimestre do ano transacto. Mas deixa em aberto que o final do Verão possa trazer mais notícias desagradáveis para os trabalhadores e, por força maior, para o governo.
Publicado por Miguel Silva às 19:19 |
"besugo, o melhor blogger menos falado de Portugal. E daí não sei não sei, se fosse muito falado não sei se não seria o melhor blogger mais falado de Portugal. E o melhor blogger falado assim assim de Portugal. Etc."
Estas três frases estão, por enquanto, no A Causa Foi Modificada. Mas como o autor tem uma tendência conhecida para apagar o que publica, era necessário que alguém que não a tivesse as transcrevesse. Porque são muito merecidas.
Publicado por Miguel Silva às 16:39 |
Não sou daquelas pessoas que distingam entre amigos e bons amigos. Os meus amigos são todos bons. Talvez por isso, sempre tive poucos amigos. Apesar da relativa constância das minhas amizades, já perdi várias delas. As razões não são particularmente interessantes. Na maior parte dos casos porque cada pessoa acabou por seguir a sua vidinha. Apenas duas vezes, que me lembre, por manifesto ressentimento mútuo – e uma delas reatada passados alguns anos.
Foi só mais recentemente que me aconteceu sentir que perdia uma amizade sem ser capaz de identificar uma justificação plausível. Hoje, sem que seja capaz de explicar o porquê, percebi que esta não é uma amizade perdida, mas sim uma amizade da qual se desistiu. Não se tratou de uma circunstância, mas de uma opção e, finalmente, tomei consciência disso. Seria de esperar que de algo assim sobreviesse uma certa tristeza, mas tal não aconteceu e já nem isso me surpreende. A indiferença é o melhor sintoma dos encerramentos consumados.
Daqui a umas semanas lá estaremos na cerimónia de casamento entretanto anunciada. Mais por deferência – o que, em si mesmo, não é mau –, mas com a plena noção da falta de envolvimento afectivo. A ocupar-nos o pensamento estarão as roupas adequadas, as viagens e as reservas do hotel. Exactamente o tipo de merdices que sobram para ocupar os vazios.
Publicado por Miguel Silva às 19:33 |
Descobrir a sequência perfeita para as 15 estações que o auto-rádio memoriza.
Publicado por Miguel Silva às 16:37 |
Gerou-se aí algures, suportada pelas declarações do psicólogo Luís Villas-Boas, uma corrente de criticismo à actuação dos pais da menina inglesa desaparecida no Algarve. Escolher um momento destes para tecer juízos sobre o comportamento dos pais – juízos já de si de duvidosa validade empírica – revela sobretudo sede de notoriedade, uma tendência para a moralzinha e um certo prazer na repreensão de terceiros.
Não tenho muitas histórias destas, ou destas, para contar. Mas, a tê-las, publicá-las-ia sem hesitação. Neste momento de mistificação do que é a actuação parental torna-se importante oferecer exemplos concretos que desmontam essas perigosas imagens de pais-exemplo e de super-pais, que alguns pretendem fazer passar como verdadeiras e únicas merecedoras de sanção positiva.
Ainda assim, e por razões óbvias, não é o processo de mistificação em curso que mais choca. É, antes, a frieza desumana das declarações e a quase total desconsideração perante o sofrimento alheio.
Publicado por Miguel Silva às 11:05 |
Um pequeno, mas interessantíssimo, artigo sobre a relevância da linguagem para as categorias de pensamento.
(via Blogo Existo)
Publicado por Miguel Silva às 12:19 |
A violência voltou às ruas de França após as eleições presidenciais e era apenas uma questão de tempo até que alguém viesse colar as "explicações sociológicas" às posições da esquerda, como quase sempre acontece em casos semelhantes [Helena Matos no Público, sem link disponível]. Ora, a sociologia não justifica nada; analisa e explica, mas as justificações, essas, não se podem imputar à ciência social inaugurada por Auguste Comte. Quanto à esquerda, não se lhe pode propriamente apontar o dedo por tender a embrenhar-se um pouco mais na raiz dos problemas antes de partir para a adjectivação fácil. Compreender e justificar têm significados diferentes na linguagem científica, na linguagem política e na linguagem quotidiana, mas confundir as duas coisas é um recurso muito em voga na direita desde o 11 de Setembro.
Parece haver algumas pessoas que não simpatizam com a disciplina da sociologia e que não se coíbem de a desprezar com o fito de atacar os seus adversários políticos - como se uma ciência, com um objecto, um método e um corpo teórico definidos e autónomos, tivesse menos valor pelo tipo de problemas que elege estudar. Mas, enfim, a sociologia também explica estas formas de discussão política.
Publicado por Miguel Silva às 18:41 |
As imagens das aglomerações espontâneas(?) de apoiantes de Carmona Rodrigues trazem à memória episódios semelhantes com outros autarcas como protagonistas. Se Carmona ainda tiver bons amigos, alguém tem o dever de lhe explicar que esta não é a melhor opção. Acreditar que as tácticas que resultam num ou noutro concelho do distrito do Porto se podem aplicar igualmente na maior cidade do país é um erro de palmatória.
Publicado por Miguel Silva às 22:31 |
A Madeira é demasiado longe e já não é como se fosse realmente Portugal.
Publicado por Miguel Silva às 21:56 |
Carmona Rodrigues, nunca será demais relembrá-lo, foi o político que negociou nomeações para empresas municipais a troco de apoios eleitorais e que disse não perceber as críticas que lhe foram feitas à altura. Agora pretende assumir uma posição de força e não renunciar a um mandato após ter sido constituído arguido num processo directamente relacionado com a sua actuação como edil. Existe, pelo menos, uma certa coerência entre os dois casos.
Confesso que hesito entre pensar que ao ainda presidente da CML falta a capacidade de interiorizar os mecanismos mais básicos de ética democrática ou, por outro lado, presumir algo mais sinistro. Até prova em contrário, merece, como toda a gente, que nos fiquemos pela hipótese da mera falta de cultura democrática.
Carmona tem, contudo, razão numa coisa. O sistema político-partidário não convive bem com independentes. O seu problema é que não é isso que está aqui em causa. Trata-se de confiança, transparência e ética política e já não existem artifícios de retórica que possam convencer o eleitorado do contrário.
Publicado por Miguel Silva às 16:20 |
Qual é a (abundante) integridade moral da censura, das fraudes eleitorais, do Tarrafal, da PIDE/DGS e da guerra colonial?
Se o Alonso fosse capaz de explicar isto, o seu texto padeceria bastante menos do defeito de querer fazer de Salazar algo que ele não era. Defeito esse, de resto, que o Alonso, porventura correctamente, parece encontrar amiúde noutras pessoas.
Publicado por Miguel Silva às 11:39 |
Não existe nenhum call center para onde se ligue e que não insista em tratar-nos pelo nosso nome. Diz nuns manuais que isso melhora a relação com o utente. Nem todos, mas adiante. Quando me perguntam com quem estão a falar eu respondo com os meus primeiro e último nomes: Miguel Silva. Com uma frequência assustadora, do outro lado a conversa costuma continuar: “Muito bem, senhor Miguel Sousa…”.
A quantidade de vezes que me trocam o Silva pelo Sousa é tão grande que já não me dou ao trabalho de tentar corrigir o engano. Para efeitos práticos, ao telefone chamo-me Sousa mais vezes do que Silva. Digamos que já se transformou no meu alter-ego telefónico.
Publicado por Miguel Silva às 12:02 |
Podeis rir, mas com respeito. Porque, se um dia deixais de ser cuidadosos com o respeito, podeis perdê-lo a quem não o merece, do que resultariam enormes catástrofes sociais de que já vos falei amiúde nas minhas crónicas.
Publicado por Miguel Silva às 13:47 |
Retiro da caixa de correio um aviso de entrega de uma encomenda que, explicam-me depois no balcão dos CTT, ainda não chegou.
Publicado por Miguel Silva às 16:21 |
Conheço pessoalmente muita boa gente a ganhar pequenas fortunas sem nunca ter concluído o ensino superior. Alguns sem nunca o terem frequentado sequer. Tal como conheço muito boa gente com cursos superiores ou com frequência dos mesmos que ganha magros salários em funções para as quais não são necessárias quaisquer qualificações relevantes.
Isto não contraria o que se encontra na base da campanha das Novas Oportunidades. Apenas confirma que a estrutura do tecido produtivo nacional não valoriza convenientemente as qualificações como prova de competências adquiridas nem como instrumento de incorporação de mais-valia na actividade desenvolvida. Se pretendemos uma economia que algum dia queira ser competitiva à escala global, esta mentalidade que tem de ser alterada. Há vários passos a dar nesse caminho, mas algum terá de ser o primeiro.
Publicado por Miguel Silva às 12:04 |
Os cartazes alusivos à iniciativa governamental Novas Oportunidades têm suscitado alguma polémica. Serão simplistas, mas dificilmente a publicidade escapa a esse condicionalismo. Não são mais redutores, na forma como apresentam o seu tema, do que a esmagadora maioria do que se produz neste meio. Mais ainda, a publicidade não tem como função principal educar ou explicar, mas antes suscitar interesse, marcar presença, fazer-se notar.
Um quadro mais abrangente do tema, com dados concretos, como os que o Rui Pena Pires se deu ao trabalho de coligir, ajudaria a compreender melhor a questão. Mas, certamente, não funcionaria tão bem em outdoors publicitários.
Publicado por Miguel Silva às 11:53 |
O Sol, o azul do céu, as temperaturas amenas, o voo rasante das andorinhas, a folhagem renascida das árvores, o desabrochar das flores, as lagartixas vivas que a gata trás para dentro de casa…
Publicado por Miguel Silva às 14:12 |
Os EUA conheceram, segunda-feira, o maior massacre de sempre num estabelecimento de ensino, do qual resultaram mais de 30 vítimas mortais, exactamente na mesma semana da publicação de um estudo sobre o controle da venda de jogos, DVD e música a menores. As restrições das autoridades nem sempre são cumpridas, mas, segundo o mesmo estudo, tem-se assistido a uma melhoria nesse sentido. Os jovens norte-americanos devem esperar cada vez mais dificuldades para aceder a conteúdos violentos. A outro nível, um controle cada vez maior é exercido sobre o tabaco e sobre os locais onde o fumo é permitido. As imagens de fumadores acantonados à porta dos edifícios onde trabalham, ou os exercícios de limpeza moralista, que vão desde as películas de Hollywood às bandas desenhadas, são disso um bom exemplo.
Há uns anos fui apresentado a um norte-americano, o qual, a meio da nossa amena conversa, decidiu mostrar-me as suas três cartas de condução. Uma era verdadeira e as outras duas, obviamente, eram falsificações que tinham como principal objectivo, através da alteração da data de nascimento, habilitá-lo a consumir álcool. Destas, segundo ele, uma delas estava superiormente conseguida, suscitando um inegável sorriso de orgulho.
Por mais que se queira, as pessoas encontram sempre uma forma de contornar as proibições. É impossível erradicar o crime das sociedades. Aliás, uma sociedade sem crime é uma utopia que talvez encerre mais perigos do que benefícios. Mas não deve ser por isso que se deve abdicar dessa luta. O próprio equilíbrio e coesão de um grupo social dependem do nível do seu sentimento de segurança e de aplicação da justiça.
Este tópico devolve-nos ao problema das armas num país como os EUA. Um dos fenómenos que os EUA parecem não conseguir controlar – e não querer consegui-lo – é o comércio de armas. Certamente, existem razões económicas e ideológicas por trás desta impossibilidade. Mas também não deve haver melhor definição do que é a influência de um grupo de pressão. A mesma sociedade que encara com tanto moralismo o conteúdo de filmes, músicas e jogos sanciona positivamente a posse de armas. Consegue mesmo a proeza de se alimentar da insegurança criada pela criminalidade violenta, associada às facilidades na aquisição de armas, para fomentar a compra por parte de indivíduos que, contra todas as probabilidades, pensam encontrar aí a melhor forma de se defenderem.
Sem dúvida, devemos questionar a génese e as consequências dos conteúdos violentos, especialmente junto dos mais novos. Mas ao focar a atenção quase exclusivamente nessa realidade, ignorando os perigos associados à facilidade com que se adquirem armas de fogo, falha-se clamorosamente o objectivo principal de impedir um maior número de crimes violentos. Em última análise, e isto é uma evidência tão grande que custa escrevê-lo, não são os jogos para consolas que matam; são as balas disparadas de revólveres e espingardas, tantas vezes comprados na mais perfeita legalidade.
Publicado por Miguel Silva às 11:40 |
Embora o que esteja mais na moda seja falar do primeiro-ministro, o melhor post dos últimos tempos está aqui.
Publicado por Miguel Silva às 10:37 |
- Tu não percebes.
- Não, eu não percebo.
Publicado por Miguel Silva às 10:35 |
Há sensivelmente dez anos, mais coisa menos coisa, o Palácio Galveias, que acolhe a Biblioteca Municipal Central de Lisboa, teve nas suas salas uma exposição de instrumentos de tortura medievais. Desde esta última quinta-feira, as repetições do golo falhado pelo Nuno Gomes trazem-me muito à memória a variedade criativa com que me deparei naquelas salas e corredores.
Publicado por Miguel Silva às 16:51 |
Hoje precisava de uma informação da Segurança Social. Prevendo as dificuldades deste tipo de interacção com alguns departamentos públicos, pensei imediatamente em escrever um post e dar-lhe por título “O cidadão e a Segurança Social”. Contudo, dez minutos e três telefonemas depois, dispunha de todas as informações que necessitava. A coisa tinha-se resolvido bastante melhor do que eu esperava e o meu antecipado post de lamentação esvaziara-se.
Apesar da minha reduzida participação nos últimos tempos, a verdade é que não há praticamente nada de que não se possa espremer um post. Assim, gorada a lamentação, nasceu um post, exactamente com o mesmo título, sobre más expectativas no contacto com os serviços públicos, ainda que para admitir o erro desse cálculo.
Mas não se pode recriminar-me o pessimismo. Já uma vez passei cinco horas dentro de umas instalações da Segurança Social. É uma experiência que traumatiza para o resto da vida.
Publicado por Miguel Silva às 10:05 |
Não fui eu que recordei o Patchouli (mesmo que tivesse sido, nunca o admitiria em público). Apenas disse que era inesquecível, e isso nem sempre deve ser interpretado como algo necessariamente bom.
Anda uma pessoa a construir cuidadosamente a sua imagem nos blogues, há não sei quanto tempo, para ser difamado assim, sem mais nem menos. Não há direito.
Publicado por Miguel Silva às 12:35 |
Cavalheiro procura diário generalista de referência, que preze os princípios da objectividade, do rigor, da pertinência e do pluralismo, para relação de consumo séria.
Publicado por Miguel Silva às 11:07 |
Um homem, quando se encontrava a passear, caiu num buraco do qual não conseguia sair. Ao ver passar por ele um médico, pediu ajuda. O médico passou uma receita, atirou-a para o buraco e seguiu o seu caminho. Mais tarde, passou um padre e o homem voltou a pedir ajuda. O padre escreveu uma oração, atirou-a para o buraco e seguiu o seu caminho. Por último, o homem viu passar um amigo e pediu que ele o ajudasse. O amigo, sem hesitar, saltou para dentro do buraco. O homem, espantado, disse-lhe: “És parvo, ou quê? Agora estamos aqui os dois.” E o amigo respondeu: “Sim, mas eu já cá estive e sei como se sai.”
Publicado por Miguel Silva às 10:57 |
Salazar tinha aquele ar distante e austero que têm todas as pessoas com uma vida sexual miserável.
Publicado por Miguel Silva às 11:27 |
Parece que Salazar reuniu 70.000 votos, o que é bastante diferente de dizer que votaram nele 70.000 pessoas. Nas condições em que se processava a votação, cada pessoa podia votar um número de vezes proporcional ao número de telefones que tivesse à mão. Assim não se mede nada. A validade é nula e nem vale a pena perder mais tempo com isso.
O maior interesse desta pequena questão está nas reacções. Há quem se tenha surpreendido, há quem se tenha indignado, há quem considere que se fez justiça e há quem acredite que estamos perante um sinal dado ao regime democrático que vigora. Esta última perspectiva, a dos críticos da III República, é a mais curiosa. Querem fazer crer, e já não é de agora, que o regime está podre, que é licencioso e desregrado. Que faz falta uma mão firme, que isto só lá vai com um espírito disciplinado e sério, que imponha respeito e decoro. O sebastianismo vive. Não faz falta D. Sebastião, como não faz falta Oliveira Salazar. O que faz falta é um Salazar. Isto é, não se trata tanto de um culto de determinada personalidade quanto do culto de um modelo de actuação.
Isto é muito salazarista e é muito português. De resto, a justaposição destas duas características é o maior triunfo da ditadura, ao conseguir, de forma tão indelével, forjar nas mentalidades portuguesas as atitudes sociais de que dependia para sobreviver. Os que criticam e clamam pelo fim deste regime não esperam o retorno de Salazar. O que esperam é que alguém ponha mão nisto. Esperam uma ordem diferente. Esperam que alguém tome a tarefa para si. Esperam, porque isso lhes permite demarcarem-se desta liberdade que não entendem e entregar nas mãos de um só um trabalho que é de todos. Em última análise, querem demitir a população das suas responsabilidades e abrir alas para uma espécie de salvador da pátria e nem sequer percebem que estão a demitir-se simultaneamente das suas responsabilidades e que nada garante que a ordem e a moral desse salvador venham a ser aquelas que advogam.
Não, o problema não está no regime democrático e nas suas liberdades. Está nas pessoas que não sabem viver nele.
Publicado por Miguel Silva às 10:40 |
Afinal, ganhou Salazar. O problema não é da democracia, da nossa democracia, como por aí se diz. O problema é do que as pessoas fazem, ou sabem fazer, com a nossa democracia. E esse problema deve-se, ninguém se iluda, a 48 anos de ditadura salazarista.
Publicado por Miguel Silva às 10:40 |
Entre Moçambique e Portugal existem ligações históricas, culturais, familiares, se quisermos passar para um nível mais pessoal, que não é o de menor importância neste caso, que tornam incompreensível o pouco destaque que é dado nos sites noticiosos à tragédia que ocorreu ontem à tarde em Maputo.
Publicado por Miguel Silva às 10:05 |
Na Alemanha há uma juíza que parece pensar que a doutrina religiosa deve prevalecer sobre as leis do país e que ser agredida pelo marido não constitui motivo para divórcio. Em Portugal, já se sabe, maus-tratos só quando se apanha do marido de forma “reiterada”. Se tiver acontecido, por exemplo, apenas uma ou duas vezes, nem vale a pena pensar nisso.
Publicado por Miguel Silva às 09:32 |
Mas depois, o que é mesmo mau para a democracia é a proibição de fumar em locais públicos.
Publicado por Miguel Silva às 09:29 |
Nos EUA, o Procurador-Geral Alberto Gonzales está a sofrer grande contestação, acusado de estar a levar a cabo despedimentos no sistema de Justiça norte-americano com base em critérios políticos. A ser verdade, não é preciso muito para compreender a seriedade do caso. Contudo, talvez o mais grave nem seja o caso em si, mas o facto de, sensivelmente sete anos depois de Bush e da ala política do partido Republicano que o apoia terem chegado à Casa Branca, notícias destas já não surpreenderem. Chocam, mas não surpreendem. De facto, perto do final de dois mandatos recheados de polémicas em torno do que deve ser o regular funcionamento de um Estado de Direito, é precisamente o género de notícia que se pode esperar.
Publicado por Miguel Silva às 09:27 |
Tornou-se habitual ouvir dizer que Paulo Portas está de regresso à vida política activa. Trata-se de um equívoco. O regresso implica uma ausência e Portas nunca esteve realmente ausente do palco político. Paulo Portas não regressou, limitou-se a dar a cara. Deixou os bastidores e assumiu finalmente o papel que há muito reservou para si mesmo.
O CDS/PP é uma construção. Portas queria um partido e julgou mais conveniente, muito provavelmente com toda a razão, que isso seria mais facilmente alcançado apoiando-se numa estrutura já existente do que partindo do zero. Por aqui se percebe, por exemplo, toda a distância que o separa de Manuel Monteiro em termos de calculismo e de instrumentalização.
Monteiro foi a figura que testou o sistema e que serviu como ponto de aprendizagem e de afinação da estratégia. Quando a altura foi propícia, Portas tomou conta do projecto que era seu: um partido diferente, com um discurso renovado, preparado para cativar outro tipo de eleitores. Foi já quando a sua estratégia tinha esgotado a sua capacidade de expansão eleitoral que a hipótese de chegar à governação se atravessou à sua frente e que o CDS/PP se impingiu como alternativa para formar uma maioria parlamentar que apoiasse o novo governo.
Essa experiência terminou conforme se sabe e Portas percebeu-o rapidamente, encontrando na saída da liderança do partido a melhor forma de conter os danos pessoais que inevitavelmente se previam para o futuro próximo. Mas o CDS mais tradicional, que nunca simpatizou com Portas, nem com as suas estratégias, e que nunca se reviu no PP ainda se encontrava activo. Telmo Correia foi o escolhido para impedir o retorno desse CDS e falhou a sua missão. Contudo, através de um grupo parlamentar moldado à sua imagem e de toda uma nova geração de notáveis que deve muito da sua carreira política a Paulo Portas, a oposição interna à direcção de Ribeiro e Castro sempre foi uma realidade activa e nunca deu tréguas ao ressurgir do antigo CDS.
Dizer que Portas regressa é, por isso, um grande erro. O seu dedo esteve e está em quase tudo o que o CDS/PP tem passado nos últimos tempos. Simplesmente, agora chegou a altura da guarda avançada encarregue de preparar o terreno abrir alas para que o seu líder dispute o lugar que considera seu por direito natural.
Publicado por Miguel Silva às 13:19 |
Ontem passei a manhã na praia a correr atrás de uma bola. Hoje sou uma colecção ambulante de dores musculares. Vá lá, não me doem os dedos das mãos. Talvez seja uma boa semana para o blogue.
Publicado por Miguel Silva às 09:18 |
Quanto mais restritas se tornam as condições de frequência de um determinado meio, menos pessoas se espera atrair. Isto é verdade em qualquer caso que se proponha. Sobem as exigências, desce o número de interessados. O papado de Bento XVI trilha inquestionavelmente esses caminhos.
O que mais surpreende nesta história, contudo, é um movimento intitulado “Nós Somos Igreja”. Surpreende não pelas suas reacções, mas pelo princípio de que parece partir, a julgar pelo nome que adoptam. As pessoas que compõem esse movimento serão fiéis, crentes, católicas, mas não são, definitivamente, Igreja. A Igreja é o Vaticano, a Cúria, as Conferências Episcopais, os Concílios, mas não foi, não é, nem será os fiéis. A estrutura e princípio funcional da ICAR, desde que ela se constituiu como tal, baseiam-se na hierarquização, no elitismo e, até, no despotismo iluminado. A ligação da Igreja aos seus fiéis não é um convite à participação livre e democrática. É um processo de conversão e coerção religiosa e moral.
Compreende-se que haja quem não se reveja nesta Igreja e compreende-se que haja quem pretenda modificá-la. Mesmo admitindo que podem alcançar alguma visibilidade para exporem os seus ideais, falta-lhes o essencial. Na realidade, não têm lugar nas assembleias onde se tomam as decisões relevantes para o futuro da ICAR, nem dominam os mecanismos que possibilitam ocupar esses lugares. Resta-lhes continuar a fazer pressão a partir do exterior, o que é legítimo e necessário, mas não suficiente.
Publicado por Miguel Silva às 13:47 |
Passa uma pessoa meia manhã a ouvir o Fórum da TSF sobre blogues, as possibilidades de participação cívica, o incremento do debate político, a reflexão plural, comunicação social para aqui, produção de conteúdos para ali, o meio e a mensagem e mais não sei o quê… e, vai-se a ver, andamos a discutir a posição do tampo da sanita.
Publicado por Miguel Silva às 12:51 |
Na impossibilidade de comentar os meus posts através do Blogger, alterei o sistema de comentários. Ao que parece, perderam-se os anteriores comentários do sistema Blogger, pelo que sinto dever um pedido de desculpas a todos os que aqui têm passado e contribuído para tornar este blogue mais interessante. Havendo possibilidade e capacidade para tal, hei-de recuperá-los para a página do blogue.
Publicado por Miguel Silva às 11:39 |
Pode muito bem ser que por trás da proibição de fumo nos restaurantes possa estar “a imposição de um projecto de vida saudável e asséptica”. Não me custa reconhecê-lo e enquadro essa corrente na família de outras, também sobejamente conhecidas, como as vacas sagradas que são o novo, a juventude e a beleza. Mesmo assim, não deixa de me parecer absurdo que se pretenda consagrar o direito inalienável de encher de fumo ambientes fechados e de incomodar e prejudicar terceiros.
No fundo, esta parece ser uma questão que se poderia resumir ao bom senso e à acção responsável. O problema é que, apesar do bom senso e da boa educação levarem a que não se incomode outras pessoas com o fumo do nosso cigarro, quando este é apenas um entre dezenas ou centenas, o princípio da responsabilidade individual dilui-se. Nisso de assumir responsabilidades e de respeitar o outro, convenhamos, sobram exemplos que demonstram não ser este o nosso ponto forte enquanto sociedade. Resta a ideia do policiamento mútuo, a qual, quando associado à delação, se reveste de contornos claramente fascizantes. Mas não de duvide que os indivíduos se vigiam. Toda a ordem social assenta nessa realidade. O que não se pode é pedir que o indivíduo exceda a vigilância social e passe a exercer a função de fiscalização, demitindo-se as autoridades competentes dessa tarefa.
Publicado por Miguel Silva às 13:15 |
No jogo de ontem entre o PSG e o SLB, a dada altura, já com o resultado em 2-1, nenhuma das equipas parecia interessada em alterar o rumo dos acontecimentos. O SLB há-de ter pensado que basta marcar um golo no próximo jogo para passar a eliminatória e o PSG há-de ter pensado que basta empatar daqui a uma semana para estar nos quartos-de-final. Um deles vai descobrir que, ontem, devia ter trabalhado mais. O optimismo faz avançar muitos projectos, mas a ambição e a determinação também.
Publicado por Miguel Silva às 12:11 |
De um dia para o outro, por razões que ainda desconheço, deixei de conseguir comentar os posts neste blogue e a própria publicação de textos tem-se mostrado uma tarefa desafiante. Estou a tentar contornar o problema, mas confesso que já tive mais paciência para isto.
Publicado por Miguel Silva às 10:15 |
Agora, depois da proibição do fumo em restaurantes, eu pergunto-me sobre o que leva os governos a não proibirem as cadeias de fast-food que são, manifestamente, prejudiciais à saúde?
Talvez porque o hambúrguer e a batata frita só fazem mal a quem os ingere e, ao contrário do fumo do tabaco, que se propaga pela atmosfera, não incomodam nem prejudicam mais ninguém.
Parece que é isso, afinal, que está em causa na proibição do fumo na restauração: não a saúde e bem-estar do próprio, mas a dos outros.
Publicado por Miguel Silva às 11:23 |
As pessoas que ganham a vida a traduzir os nomes dos filmes estrangeiros que são exibidos nas salas deste país são conhecidas por disporem de uma margem de manobra muito larga no que toca à fidelidade ao título original. Não foi o caso de Em Busca da Felicidade – The Pursuit of Happyness. Exceptuando um pequeno trocadilho com a grafia do título, compreensivelmente difícil de adaptar, imperou o respeito pela opção dos autores do filme.
Na realidade, o filme poderia muito bem ter outro título. A personagem principal passa as duas horas que a película dura a tentar conseguir um emprego que lhe pague as contas ao fim do mês. Logo a partir do título original, mas também ao longo de diversos momentos no filme, percebe-se que existe uma sobreposição entre felicidade e dinheiro. A busca de um é a busca da outra. Não é necessário recorrer à sabedoria popular, a qual afirma que o dinheiro não traz felicidade, tal como não se deve incorrer em devaneios líricos que neguem a importância do dinheiro e do acesso ao consumo como formas de realização pessoal. Existem, evidentemente, pontos de contacto entre dinheiro e felicidade, mas como a complexidade da existência humana não se esgota nestes dois conceitos, não se pode estabelecer relações de implicação ou de equivalência que não pequem sempre por simplismo.
Apesar dos outros aspectos à volta dos quais o filme gira, o fio condutor principal é o dinheiro, algo que se torna ainda mais notório no epílogo. Ficamos a saber que a personagem principal abriu a sua própria empresa e acabou milionário. Sobre a sua vida pessoal, sobre o casamento, sobre o filho, nada nos é dito. Mas talvez não seja fundamental, porque o mais importante foi alcançado. Um negócio milionário que compensa e faz esquecer os dias a dormir na rua, o casamento arruinado, o infantário medíocre, as humilhações e as privações do dia-a-dia. Perdeu-se, talvez, um filme bastante melhor, mas ganhou-se um bom retrato da mentalidade do nosso tempo.
Publicado por Miguel Silva às 10:09 |
As minhas, digamos assim, reservas em relação a Paulo Portas não surgem por ele ser de direita. Surgem porque me parece uma personagem falsa, arrivista e ameaçadora. Paradoxalmente, tudo isto são motivos que prometem muita animação para um blogue. Mas as promessas, já se sabe, são um conceito eminentemente político, sobretudo quando enfiadas na gaveta. Razão tinha o João Soares, que dizia que não fazia promessas - e depois perdeu a CML para Santana Lopes.
Publicado por Miguel Silva às 11:30 |
Pedro Arroja a concorrer ao prémio de Louis de Bonald português.
(via Quase em Português)
Publicado por Miguel Silva às 14:42 |
Diz-se que Helena de Constantinopola, mãe do imperador Constantino o Grande, foi a responsável pela descoberta dos locais onde Jesus Cristo foi crucificado e onde repousaram os seus restos mortais. Num documentário televisivo sobre este episódio, emitido há mais anos do que a minha memória consegue abranger com pormenor, ironizava-se que quando uma Imperatriz se propõe encontrar algo, acaba por encontrá-lo.
É bastante esclarecedor que nos nossos dias seja um hollywoodesco realizador de cinema a reivindicar feitos de semelhante calibre.
Publicado por Miguel Silva às 14:08 |
Vinha há poucos dias nos jornais: uns senhores bem intencionados, reunidos sob a forma de Igreja Evangélica, montaram um stand num dos eventos de referência da indústria de produção de conteúdos para adultos. O princípio é simples e explica-se facilmente. Segundo os membros dessa Igreja, é preciso aumentar o número de fiéis e, tal como Cristo ensinou, é preciso ir à procura deles não no mundo dos convertidos mas no dos pecadores.
Ao ler a notícia, lembrei-me do documentário O Grande Silêncio, sobre a Ordem dos Cartuxos. Os religiosos que abraçam esta vida optam conscientemente por um dia-a-dia de recolhimento e oração. Procuram uma aproximação com o divino e não se duvide, independentemente das nossas convicções pessoais, que efectivamente a encontram.
Tenho pouca simpatia, a priori, pelo proselitismo militante e estou muito pouco convencido que não existam almas mais necessitadas, em todos os sentidos, do que as que frequentam as convenções da indústria pornográfica. Contudo, não posso deixar de pensar que, embora com um alvo discutível, a Igreja Evangélica XXXChurch procura igualmente, neste caso, seguir a obra de Jesus no mundo do Homem.
A Ordem da Cartuxa, pelo seu lado, opta por uma vida ascética. A sua proximidade de Deus parece depender de um irremediável afastamento do mundo. O cativante documentário de Philip Groning alude, em vários momentos, a passagens da Bíblia, sendo uma delas do Evangelho de São Lucas: “Quem não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Contudo, pode perguntar-se, esta renúncia implica um afastamento tão radical? Mais ainda: não está orientada a mensagem cristã sobretudo para o mundo e para o Homem?
Se o proselitismo me suscita reservas, não tenho quaisquer reparos à religiosidade enquanto opção individual, nem sequer ao ascetismo. Mas, do ponto de vista do cristianismo, compreendo melhor o proselitismo do que o ascetismo. Ou, dito de outra maneira, o primeiro parece-me mais fiel ao espírito do cristianismo que chegou até ao nosso tempo.
Publicado por Miguel Silva às 16:58 |
Há três boas razões para eu gostar de blogues: porque gosto de ler, porque gosto de escrever e porque gosto de aprender. Aprende-se muito na blogosfera. É apenas uma questão de ler os blogues certos, os quais, sem dúvida alguma, hão-de variar de leitor para leitor.
Dentro do capítulo da aprendizagem, a partir deste post da Susana Bês, que não é alheio a um outro que aqui publiquei, descobri a SEP, que promete leituras interessantes, assim haja tempo e paciência. Ainda estou, como se pode entender, a explorar as entradas sobre o feminismo
A propósito deste tema, das minhas críticas e da objecção levantada pela Susana, voltou a ocorrer-me a importância do vocabulário como auxiliar para a compreensão de certas realidades sociais. O machismo postula a superioridade do homem e do masculino sobre a mulher e o feminino. Que não seja óbvia uma palavra que descreva o sentido inverso desta visão preconceituosa é, já de si, bastante esclarecedor. Mas isso não quer dizer que esse sentido inverso não exista.
O post que deu origem a toda esta controvérsia não se inscreve, a meu ver, no feminismo, tal como o define a SEP, ou os bons dicionários para as ciências sociais. Inscreve-se naquilo que me continua a parecer uma visão tão preconceituosa como a do machismo, embora, obviamente, minoritária e muito menos divulgada do que aquele. Se havia dúvidas, fica o esclarecimento. Por esse motivo, compreendo a objecção da Susana e acredito, agora, que é injusto dizer que se trata de um post feminista no pior sentido da palavra, pela interpretação equívoca que pode induzir. O feminismo defende os direitos das mulheres e a igualdade de oportunidades entre os sexos e não é isso, realmente, que eu julgo ler ali.
Publicado por Miguel Silva às 15:04 |
Prostitutas que se dedicaram à escrita. Suponho que exista um trabalho interessante, à espera de ser feito, sobre escritores que se dedicaram à prostituição.
Publicado por Miguel Silva às 13:49 |
Daqui a umas três horas o mundo vai parecer bonito, colorido e muito alegre. Até lá, duas recomendações de leitura:
querida gi - no Glória Fácil
AEIO...U - n'Os Tempos Que Correm
Infelizmente, complementam-se muito bem.
Publicado por Miguel Silva às 21:48 |
Muito resumidamente, o que o post do Mundo Perfeito não reconhece é que qualquer ser humano, se levar uma vidinha normal, gosta que gostem dele. Por outro lado, esse post também parece não reconhecer que o homem é um ser humano. Pelo menos, não tão humano como as mulheres.
Publicado por Miguel Silva às 14:04 |
Um post longo, mas interessante, no Mundo Perfeito, sobre os estímulos sexuais masculinos, já mereceu comentários no Womenage a Trois e no Quase em Português. Sobretudo no WaT, já foram apontadas várias falhas à ideia que preside a elaboração do texto. A Isabela tem o mérito de não ter medo de levar o seu raciocínio até ao fim, mas comete o erro de o basear em premissas equívocas e em relações de implicação que são pouco menos que exageradas.
Em primeiro lugar, é bastante arrojado descartar mais de um século de Psicologia e julgar compreender os estímulos sexuais masculinos tendo como suporte um documentário num canal da TV Cabo. O post da Isabela rapidamente parece passar dos japoneses que compram bonecas para todos os japoneses, e destes para os homens em geral, sem qualquer suporte que não seja a mera suposição. Diminui o desejo masculino a formas geométricas, as quais não são seguramente despiciendas, mas ignora totalmente todo o contexto de relacionamento que a Psicologia e a Sociologia já trataram amiúde. Ao contrário do que é postulado, o conteúdo do conceito de mulher não é, de todo, indiferente e não remete exclusivamente para o significado visual. O tipo de relação que se constrói com o outro, seja homem ou mulher, é um dos aspectos mais importantes nas regras da atracção. Mesmo que seja, uma boa parte das vezes, como forma de dominação numa relação de poder. Para além das protuberâncias e das concavidades, que desencadeiam estímulos tanto no homem como na mulher (não sejamos ingénuos), existe toda uma visão do outro, mais real ou mais idealizada, muito notória, por exemplo, no amor romântico, e a qual pode tender a perceber esse outro como um igual ou não. De qualquer forma, mesmo que essa visão não reconheça a igualdade perante o outro e o aproxime do objecto, trata-se de um objecto complexo, consciente, com vontade própria, mesmo que seja para a seduzir, ludibriar ou dominar. Aliás, paradoxalmente, a dominação masculina é um dos bons exemplos de como os homens procuram mais do que bonecas, seres inanimados, ou simples protuberâncias e orifícios. Algo parece não bater certo nessa teoria. Na realidade, por muita saída que as bonecas sexuais possam ter, o relacionamento afectivo, nas diversas formas que assume, ainda domina e parece estar para durar. E isso certamente não se deve apenas aos 5000 dólares que aquelas custam.
Por outro lado, o raciocínio subjacente ao post, ao reduzir a atracção sexual masculina ao estímulo geométrico passa ao lado de todo o processo de sedução e enamoramento, que está por trás da esmagadora maioria das relações sexuais dos nossos dias. Este processo, sobretudo quando conduzido numa perspectiva de reconhecimento e respeito pelo outro como um igual, contradiz factualmente, de forma avassaladora, a argumentação utilizada. Mais ainda, o ser humano é um animal social e cultural. O comportamento de homens e mulheres não corresponde a meros estímulos sensoriais. O behaviorismo está há muito ultrapassado como teoria explicativa do comportamento. O ser humano interpreta os estímulos, interage com os agentes emissores, conota com carga simbólica os comportamentos próprios e alheios. Dito de outra forma, a profundidade do decote diz mais ao homem do que o tamanho dos seios. Além disto, é inegável que as mentalidades, produto e produtoras de cultura por excelência, mudam com os tempos. A nossa época caracteriza-se, ainda, pela dominação masculina, mas a sociedade dá sinais de se estarem a alterar as mentalidades que a suportam, tanto nas mulheres como nos homens. A abordagem behaviorista das regras de atracção sexual masculina nega a perspectiva cultural e a mudança de mentalidades. Nega, essencialmente, a humanidade do homem.
O post da Isabela é feminista no pior sentido que a palavra pode ter. É feminista na forma como diminui o homem e o masculino. Responde ao machismo exactamente na mesma moeda, com preconceito e desconsideração. Nesse sentido, limita-se a perpetuar uma forma distorcida e redutora de ver e de se relacionar com o outro, contribuindo apenas com a inversão do sinal de negatividade. Demasiado esforço para um caminho que não leva, com toda a certeza, à dignificação e à justiça nas relações de género.
Publicado por Miguel Silva às 13:33 |
O CDS/PP volta a pugnar pela imputabilidade a partir das 10 semanas, perdão, dos 14 anos. Mas continua a não querer mandar ninguém para a prisão. Pelo menos não os podem acusar de incoerência.
Publicado por Miguel Silva às 12:58 |
Estatisticamente, tenho mais de 45 anos de vida à minha frente. Estou bastante seguro de quem sou. Sei bem de onde venho. Não faço ideia para onde vou, mas sei perfeitamente para onde não quero ir. Para já, é suficiente.
Publicado por Miguel Silva às 12:41 |
Os parâmetros pelos quais Alberto João Jardim se guia são muito seus. O paradoxo é que continua a ser tratado, deste lado da República, como qualquer outro interlocutor, como se os desrespeitos, as chantagens e o défice democrático não existissem. Sabe-se que quando Alberto João Jardim fala dos “madeirenses” não se está a referir a todos os madeirenses. Fala apenas para e dos que nele votaram. Fala dos compadrios, dos conluios, dos interesses, dos grupinhos, das clientelas e das influências. São esses os seus “madeirenses”. Os outros não interessam, quer estejam na Madeira quer não. Jardim não trabalha para o bem da Madeira e dos madeirenses; trabalha para o bem da sua Madeira e dos seus madeirenses. Essa é a sua marca mais distintiva, que tem apostado na promiscuidade entre o partido, o aparelho de Estado e a sociedade para cimentar dependências mútuas e tornar muito mais difícil a vida a quem se encontra excluído deste círculo viciado.
Jardim tem sido, até hoje, um fenómeno localizado. Mas há já alguns anos que corre o rumor que há-de tentar o salto político do cenário regional para o cenário nacional. Talvez seja difícil que o homem que tanto atacou o “continente” e as suas instituições de soberania se consiga impor como actor político precisamente nesse palco. Mais importante ainda, a sua esfera de influência esgota-se bastante no arquipélago onde é senhor absoluto há 30 anos. Fora dele não reúne os condicionalismos que construiu nestas três décadas e que lhe garantiram reeleições sucessivas.
Mas convém não menosprezar o poder da demagogia e do mito. Não são poucos os casos de políticos que estão longe de corresponder a modelos exemplares, mas que granjearam o apoio suficiente para assegurarem a sua eleição. De facto, esta é uma realidade desagradavelmente familiar e que já se repetiu demasiadas vezes para que possamos estar descansados.
Publicado por Miguel Silva às 13:59 |
Uma Câmara Municipal em que dois vereadores foram constituídos arguidos, por suspeitas relacionadas com a sua actividade no executivo, e cujo Presidente é aquele senhor que negociou lugares em empresas municipais a troco de apoio político de outras forças partidárias.
Se isto não dá lugar a eleições antecipadas, o que mais será preciso?
Publicado por Miguel Silva às 11:10 |
Gosto do Público. Sempre simpatizei com o diário e, confesso, apesar de actualmente não o comprar, apesar do seu director e das suas estratégias, continuo a gostar do Público. De tempos a tempos volto a folhear o jornal e procuro reavivar essa relação de leitura que já tivemos. O Público foi o diário que acompanhou a minha entrada na idade adulta, foi a companhia de férias de Verão a percorrer locais ermos deste país, foi o meio de informação preferido para acontecimentos nacionais e internacionais que não se esquecem. Não obstante este passado em comum, nenhuma tentativa de reaproximação tem sido bem sucedida e, até hoje, ainda não me tinha apercebido porquê. Foi preciso um texto do João Pinto e Castro para eu ganhar consciência da grande razão que me afasta do Público. A cumplicidade, por assim dizer, que existiu no passado desapareceu. Enquanto leitor, não me sinto bem-vindo nas páginas do jornal e nos seus princípios orientadores. Eu serei, afinal, um desses leitores que o Público deixou para trás. Assim seja, então. Pode sempre acontecer que um dia nos encontremos de novo.
Publicado por Miguel Silva às 11:52 |
Existem três factores que não podem ser esquecidos na forma como contribuíram para o resultado de ontem. Algumas pessoas perceberam o preço de ficar em casa. Algumas pessoas perceberam que a anterior vitória do “não” deixou tudo na mesma. Algumas pessoas perceberam que, para quem falava tanto em “vida” e “inocentes”, havia demasiado rancor e má vontade no discurso do “não”. Especialmente este último factor, numa campanha nem sempre intelectualmente honesta e nem sempre respeitosa, foi um dos piores inimigos do “não”. As comparações abusivas e o tom exaltado, por vezes apocalíptico, por vezes virulento, fizeram-se cobrar nas votações. Não há qualquer exagero ao afirmar que a derrota eleitoral do “não” passou muito por aqui.
Publicado por Miguel Silva às 10:20 |
São raros os dias em que este país origina algo que transporte em si uma certa sensação de esperança.
Publicado por Miguel Silva às 21:57 |
O Público vai proceder a uma mudança profunda da sua imagem depois deste fim-de-semana. Pessoalmente, não pedia tanto. Bastava que mudassem três palavrinhas, na primeira página, ali, logo a seguir a “Director:”. Não era preciso mais nada para eu os ver com outros olhos.
Publicado por Miguel Silva às 11:10 |
Os ataques fantasiosos de Marques Mendes a José Sócrates, na sequência do compromisso assumido pelo primeiro-ministro de não mexer na lei do aborto se o “não” ganhar, resultam de um raciocínio falacioso e de muita hipocrisia política. Para quem há bem pouco tempo dizia que o aborto não devia ser um assunto partidarizado, este tipo de tentativa de aproveitamento político é do mais rasteiro que se pode assistir. Para além disso, atesta a facilidade com que alguns políticos distorcem intencionalmente as suas palavras e as dos seus opositores, ou os factos a que elas se referem, à medida daquilo que julgam ser conveniente. Por último, esta ânsia de transformar um “não” num “sim” revela ainda o pouco respeito do líder do PSD pelos resultados eleitorais e pela inteligência dos eleitores. Para quem ainda tivesse dúvidas, Marques Mendes está a deixar bem clara a fibra de que é feito.
Publicado por Miguel Silva às 15:16 |
Depois de ter decidido trocar de barbeiro, esta tarde fui cortar o cabelo a um sítio novo. A certa altura, perto da caixa, duas boas almas cavaqueavam animadamente sobre uns bonecos que uma delas pretendia comprar. Estavam essas boas pessoas, no meio da sua alegria vespertina, absolutamente convencidas que comprando 100 bonecos, a 2 euros cada um, pagariam apenas 50 euros. Repetiram-no várias vezes até que se esgotou a paciência do tipo que me estava a cortar o cabelo. Virou-se para a porta e disse:
“Duzentos euros! Se vão comprar 100 bonecos, e cada um custa 2 euros, vão pagar duzentos euros!”
Pela minha parte paguei mais quatro euros do que antigamente por um corte de cabelo. Há-de ter sido o preço de contactar com o país real.
Publicado por Miguel Silva às 21:26 |
A pergunta do referendo não pode ser respondida numa escala de Likert. Não existe a opção de concordar ou discordar moderadamente do que nos é proposto. Só existem duas respostas admissíveis e são mutuamente exclusivas. Ou se concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez ou se discorda. Acima de tudo, se mais de metade dos eleitores decidirem votar, o resultado é vinculativo. Não se pode alterar, ou manter, a penalização ao arrepio da vontade expressa nas urnas. Mesmo que o resultado do referendo não seja vinculativo, não existe qualquer legitimidade democrática em legislar contra a vontade da maioria. Ninguém pode reclamar ser o fiel intérprete das nuances do “não” e do “sim”. Ninguém pode afirmar que a vitória do “não” ou a vitória do “sim” originam resultados diferentes do que, respectivamente, a penalização ou a despenalização das mulheres que abortam. O tema é complexo, mas a resposta que pede é bastante simples.
Publicado por Miguel Silva às 13:13 |
Muito haveria para dizer sobre a entrevista do médico Daniel Serrão ao JN. Mas este post não é sobre a questão do aborto, centrando-se antes na visão da mulher que sobressai das palavras do especialista em ética da vida e conselheiro do Papa. O médico afirma encarar a mulher que aborta como uma vítima. Mas consegue dizer também, na mesma sequência de ideias, que deve ser definida uma punição, bastando que a mulher “pedisse desculpa à sociedade para arrumar o assunto”.
É verdadeiramente peregrino pensar que deve ser a vítima a pedir desculpa. A menos que, como parece ser o caso, se pense que esta não é realmente vítima. Um pedido de desculpa não é outra coisa senão um pedido de remissão da culpa. E a culpa não está do lado da vítima, mas sim do lado do infractor. A mulher parece ser, deste modo, simultaneamente vítima e delinquente, o que é um tanto ou quanto confuso.
A semana passada, Daniel Serrão contribuiu com um pequeno texto para o DN, onde explicava o seu “não” à pergunta do próximo dia 11. Escrevia ele que após o referendo estaria ao lado das jovens para as ajudar a ser mais responsáveis com a sua sexualidade. Não se sabe se Daniel Serrão se referia às jovens que exploram a sua sexualidade sozinhas ou às jovens que exploram a sua sexualidade com outras jovens, sendo que, em qualquer dos casos, não parece alguma delas corra sérios riscos de assim engravidar. Com efeito, se o médico se queria referir às jovens que devem ser mais responsáveis com a sua sexualidade porque podem engravidar, como estas não engravidam sozinhas, nem umas com as outras, é óbvio que se esqueceu de um elemento importante nesta equação e que são os jovens.
Por vezes, pequenos detalhes como este revelam toda uma forma de pensar o outro, que, neste caso, é a mulher. Esta boa vontade de estar ao lado das jovens e de encarar as mulheres que abortam como vítimas, que convive, aparentemente de forma harmoniosa, com a atribuição de um ónus de culpa, revela uma forma, tão cara à Igreja Católica, de ver a mulher como um agente do mal. Umas vezes perfidamente consciente desse papel; outras ingenuamente seduzida por algo que não consegue compreender bem. Mas, sem dúvida, um agente do mal.
Publicado por Miguel Silva às 10:54 |
Criminalizar é despenalizar.
Despenalizar é liberalizar.
Publicado por Miguel Silva às 11:18 |
A primeira vez que me lembro de ouvir o nome de Django Reinhardt foi num filme de Woody Allen, em 1999 ou 2000. Mas só no ano passado, graças ao programa permanente de intercâmbio cultural que mantenho com o meu irmão, pude finalmente apreciar a música do guitarrista de jazz. E foi apenas este fim-de-semana que descobri que a mão esquerda de Django, aquela com que ele corria o braço da guitarra, tinha dois dedos paralisados.
Quem quer que já tenha acarinhado a veleidade de retirar de uma guitarra algo que se aproxime de uma melodia musical sabe bem as dificuldades que enfrenta. A guitarra é uma excelente forma de se descobrir que a nossa coordenação motora dos dedos, no momento de dominar as seis cordas, se revela de uma insipiência medíocre. Por seu lado, o que Django Reinhardt conseguia fazer continua a ser sublime e inebriante. Um talento que nem o acidente que sofreu nem o tempo conseguiram apagar.
Publicado por Miguel Silva às 10:15 |
Portanto, se a pergunta fosse “concorda com a despenalização da mulher que aborta num sítio todo badalhoco sem condições nenhumas?”, eles votavam que sim. Agora, num estabelecimento de saúde autorizado, não.
Publicado por Miguel Silva às 13:24 |