Wednesday, November 30, 2005

No cartório notarial o funcionário, num tom entre o incrédulo e o conformado, diz para o homem à sua frente: "E o senhor vai pagar quinhentos mil euros por uma casa abarracada?".
Confesso que partilhei a perplexidade do funcionário, embora não saiba exactamente o que se define por casa abarracada. Por outro lado, também não é como se soubesse o que são quinhentos mil euros.

Este blogue pretende ser mais pessoal que político. Pode haver quem pense que os posts sobre Cavaco Silva que já escrevi, e que previsivelmente hei-de continuar a escrever, são políticos. Nada disso. A aversão ao que Cavaco fez deste país faz parte da minha identidade pessoal.

Tuesday, November 29, 2005

Cavaco Silva, na qualidade de candidato à Presidência da República, lá deixou escapar que está surpreendido com a retirada dos crucifixos das escolas públicas, adiantando que Portugal tem uma tradição de tolerância religiosa. Como a estratégia de Cavaco passa por poupar ao máximo nas palavras, não se sabe se ele estava a referir-se à tolerante luta pela expulsão dos árabes em que se fundou a nacionalidade, à tolerante perseguição dos judeus pela Inquisição, à tolerância característica do colonialismo mercantilista e missionário, ou à tolerância típica do Estado Novo, supremo exemplo de tolerância entre os regimes tolerantes. Aliás, Portugal é tão religiosamente equilibrado e tolerante que tem uma concordata assinada com o Vaticano conferindo privilégios especiais à ICAR que não são reconhecidos a nenhuma outra organização religiosa.
As declarações de Cavaco revelam uma análise muito distorcida da realidade. A terem sido produzidas de boa fé, são um indicador das suas fraquíssimas capacidades para analisar a realidade. A sua visão do que o rodeia é curta. Demasiado curta para quem tem aspirações a ocupar lugares políticos de relevo. Talvez seja um técnico competente. Talvez. Mas foi esta falta de visão que fez dele um mau primeiro-ministro e há-de fazer dele, se for eleito, um mau presidente. Não se trata, nesta questão, de arrogância cultural. Trata-se de mérito e capacidade para estar à altura dos cargos desempenhados. Ou, mais concretamente, da ausência dessas características.

Esqueçam os crucifixos. Na telvisão apareceu uma sala de aula na qual, por cima do quadro, a ladear o crucifixo, estavam os retratos de Salazar e de Américo Thomaz. Não eram imagens de arquivo. No quadro distinguia-se, manuscrita, a data. Talvez Abril ou Maio deste ano. Estou certo que existe uma explicação para isto. Tem de existir. Só pode.

Monday, November 28, 2005

Não percebo como é que o facto de um Estado laico querer retirar símbolos religiosos das suas escolas pode gerar tanta celeuma. Pelas reacções, parece que se trata de uma medida de alguma forma ameaçadora para a Igreja, ou para o que ela representa. Mas isso só pode ser verdade se a Igreja se opuser abertamente a um Estado laico ou se admitir que depende fortemente dele para a propagação da sua fé, o que facilmente degenera no mesmo.

Sunday, November 27, 2005


Arschile Gorky, sem título, 1944

Thursday, November 24, 2005

Gostar de pessoas do mesmo sexo é pecado, afirma a Igreja Católica. Desconheço a passagem da Bíblia que o determina – a existir alguma – mas é esta a convicção do Papa Bento XVI. Penso que se pode perguntar, desde logo, à luz do que já se conhece sobre a atracção sexual, qual é o sentido de se considerar pecado uma inclinação pessoal que, numa grande parte, está fora do controlo do indivíduo? Se a Igreja Católica falar em práticas homossexuais, admito que é possível entender a lógica que sustém a classificação, ainda que se possa discordar frontalmente dela. Mas se é de uma inclinação, ou de uma orientação, que estamos a falar, a discriminação perde toda a sustentação.
Compreendo que a fé religiosa, que não possuo, se baseie em dogmas. Para a fé religiosa é fundamental acreditar em alguns fenómenos cuja verificação empírica, tal como a entendemos agora, não é possível: a existência de uma entidade superior, ou a existência de uma alma imortal. Mas, independentemente deste aspecto, os modelos morais, incluindo os preconizados por qualquer religião, têm que ter um fundamento racional. Têm que possuir sentido e inteligibilidade e a força do seu imperativo deve provir da solidez da demonstração da sua mais valia para a coexistência humana. Algo que parece falhar no que diz respeito à intransigência em relação à ordenação de homossexuais e, já agora, também de mulheres.
Esta é uma decisão que parece não pertencer ao século XXI. Mas, por outro lado, talvez a verdade seja outra. Talvez esteja inteiramente em consonância com a época em que é tomada e assim se perceba melhor o domínio da intolerância perante a homossexualidade e a subalternização do papel da mulher nas nossas sociedades.

Uma constelação para duas estrelas. Pelo dia de ontem, pelo dia de hoje e por todos os restantes em que me têm iluminado.


Joan Miró, Constelação, 1941

Wednesday, November 23, 2005

É extremamente difícil traçar a linha da liberdade de acção do indivíduo. As nossas acções sofrem constrangimentos sociais que as condicionam, mas, em última análise, dependem em boa medida da nossa vontade de as concretizar. Todos crescemos num qualquer meio social onde interiorizamos normas pelas quais passamos a pautar a nossa vida. Mais ainda, o que interiorizamos neste processo não são somente normas, são "as normas". Obviamente, num ou noutro momento da nossa vida acabamos por perceber que as normas que interiorizámos são apenas um dos conjuntos de um leque bastante mais alargado. Nessa altura podemos reequacionar o nosso posicionamento em relação às normas pelas quais nos regemos, podemos tomar opções, alterar o nosso sistema de referência ou aprofundar as nossas convicções. Estamos sempre a tempo de o fazer. O social é uma construção e, como tal, está permanentemente aberto a mudanças.

Mas uma das insuficiências em que as ciências sociais caem frequentemente é esquecerem-se que a realidade do ser humano não se esgota no social. De alguma forma que, verdade seja dita, não cabe às ciências sociais explicar, o meio social interage com a biologia do ser humano. Em Portugal, ao contrário do que acontece, por exemplo, na China, não se comem cães. Acredito que a maior parte da população não esteja disposta a quebrar esta regra de ânimo leve. E que, levada a fazê-lo, sentiria uma genuína repugnância pelo acto. Por outro lado, uma lesma de aspecto repelente como o caracol consta do cardápio de inúmeros cafés. Com bastante sucesso, acrescente-se.

A capacidade racional e o livre arbítrio do ser humano são, por vezes, sobrestimados. Existem, é um facto, mas condicionados por vários factores, dos quais as ciências sociais só conseguem compreender uma parte. Além disso, apesar do conhecimento efectivo que as ciências sociais trazem sobre o mundo em que vivemos, é preciso ter em conta que as generalizações são sempre abusivas. Nem se pode dizer que determinada situação é passível de gerar o mesmo tipo de reacções em todas as pessoas, nem se pode dizer que uma pessoa reage de forma semelhante a diferentes situações. O determinismo é uma doutrina que as próprias ciências sociais já renegaram há muito tempo.

Vem isto a propósito dos posts no Quase em Português sobre a duplicidade da moral burguesa. Não nego que seja possível estabelecer os contornos da moral burguesa, por muito difusos que sejam, tal como não nego que não faltarão exemplos de hipocrisia social nesta moral como noutras. Mas uma coisa é a hipocrisia e outra será a cegueira. A hipocrisia pressupõe um grau mínimo de consciência sobre os factos e uma conduta orientada para as soluções mais convenientes do ponto de vista do indivíduo em causa. Por seu lado, a cegueira, a qual não se pode igualmente recusar, é constituída por uma imersão profunda num qualquer referencial normativo. Se se quiser, um nunca deixar de considerar as normas interiorizadas como "as normas" tout court. Recusar esta realidade é o mesmo que admitir que amanhã o bife de cão será tão popular como o bife de vaca apenas porque os talhos passam a explicar aos clientes que, no fundo, é tudo carne comestível.

Tuesday, November 22, 2005

"Chegamos assim a uma terceira imagem da sociedade, depois das imagens da prisão e do teatro de fantoches – um palco povoado de actores vivos. Essa terceira imagem não oblitera as duas anteriores, mas é mais adequada em termos dos novos fenómenos sociais que levamos em consideração. Isto é, o modelo teatral da sociedade a que agora chegamos não nega que os actores que estão no palco sejam coagidos por todos os controles externos estabelecidos pelo empresário e pelos controles internos do próprio papel. Ainda assim, porém, os actores têm opções – representar seus papéis com entusiasmo ou com má vontade, representar com convicção interior ou com "distanciamento" e, às vezes, recusar absolutamente a representar. O exame da sociedade segundo este modelo teatral altera profundamente nossa perspectiva sociológica geral. A realidade social parece estar agora precariamente pousada na cooperação de muitos actores individuais – ou talvez uma metáfora melhor seria a de acrobatas executando perigosos números de equilibrismo e sustentando juntos a oscilante estrutura do mundo social."

Peter Berger, Perspectivas Sociológicas

Faço minhas estas dúvidas.

Monday, November 21, 2005

Ainda vamos a tempo de assinalar os 107 anos sobre o nascimento de René Magritte, o mestre do surrealismo que pedia aos seus amigos para baptizarem os seus quadros sem lhes terem sequer posto os olhos em cima.


René Magritte, Time Transfixed, 1938

Está na ordem do dia criticar as funções de protecção social do Estado e anunciar a falência do modelo social europeu. Entretanto, vivemos mergulhados num sistema económico que, para subsistir, prescinde de milhares de milhões de pessoas, remetendo-as a uma existência absolutamente miserável. Se o chamado modelo social europeu está em risco de falência económica, o modelo económico mundial está, desde o início, em processo de falência moral.

Os distúrbios em França aos olhos de Ulrich Beck, no Office Lounging (via Ma-Schamba). Uma perspectiva incisiva que poucos têm coragem de admitir.

Friday, November 18, 2005

Por falar nisso, diz-se que o conde Almásy, que inspira a personagem retratada no Paciente Inglês, muito provavelmente, ter-se-ia sentido muito mais atraído por Mr. Clifton do que por Mrs. Clifton.

É muito interessante quando as pessoas dizem que não têm nada contra a homossexualidade, mas que os homossexuais deviam ser mais reservados nas suas demonstrações de afecto mútuo. Quer dizer, a andarem assim aos beijos mesmo no meio da rua, à frente de toda a gente, qualquer dia as pessoas começavam a encarar isso com naturalidade, o que seria estranho e desaconselhável.

Almásy: I just wanted you to know: I'm not missing you yet.
Katharine Clifton: You will.

Não é difícil adivinhar qual deles sabe o que está a dizer.

Isto é o que se chama passar ao lado do essencial. O problema principal é o do respeito pelos direitos humanos, marca de água dos Estados de direito democráticos.

Thursday, November 17, 2005

De certa forma, pode dizer-se que o meu estado natural é não ser natural.

O facto de ser uma pessoa que, efectivamente, se preocupa em não dar passos em falso em público tem os seus prós e os seus contras. É de uma grande utilidade em tudo o que seja compromisso social e conversa de circunstância. Evidentemente, quando se chega ao campo dos relacionamentos próximos começam a surgir os problemas.

Prisões secretas. Prisioneiros sem direito a defesa ou a julgamento e sujeitos a movimentações clandestinas. Utilização consentida de práticas de tortura. Se este é nosso lado, está na altura de assumir que já não há nada para defender. Somos nós que precisamos que alguém nos venha salvar.

Hoje, quando me levantei, pensei que seria um bom dia para me deitar cedo. É meia-noite e meia e ainda nem cheguei a casa.

Wednesday, November 16, 2005


Marc Chagall, Eu e a Aldeia, 1911

Tuesday, November 15, 2005

Algumas vezes, demasiadas vezes, a blogosfera traz-me recordações da adolescência.

Nos meus tempos de adolescência ia ver com frequência os jogos mais importantes que o Benfica disputava na Luz. Alguns jogos europeus, também algumas equipas do meio da tabela, mas, sobretudo, os derbys contra o Sporting e contra o Porto. No final do jogo, já fora do estádio, acabávamos por passar quase sempre pelos membros das claques do Benfica, reunidos nas portas de saída dos apoiantes da equipa adversária, aguardando já devidamente munidos de pedras e garrafas prontas a voar mal se vislumbrasse o primeiro vulto. O resultado do jogo, a equipa adversária ou quem passava por aquelas portas não importava. Nunca importou. As pedras e as garrafas voaram sempre indiscriminadamente.

Também por essa altura era comum dar uma vista de olhos ocasional pelo Blitz. O Blitz tinha (talvez ainda tenha) uma secção alimentada pelas mensagens dos leitores. Havia colunas do jornal recheadas de insultos trocados entre fervorosos apreciadores de estilos musicais distintos. Gerava-se uma significativa interacção entre as pessoas que para lá escreviam, as quais demonstravam paciência suficiente para tolerar os intervalos de publicação entre provocação e contra-provocação, que podiam ser de várias semanas, mas sem a menor tolerância perante quem não partilhasse os mesmos gostos.

O que se escreve num blogue, mesmo que em registo pessoal, nem sempre é autobiográfico. Por exemplo, quando escrevi que um blogue é um bom sítio para perder amigos não estava a dizer que realmente tenha perdido algum amigo por conta deste passatempo elaborado. Por outro lado, já quando escrevi que uma pessoa, de manhã, não faz ideia das asneiras que fará até ao final do dia...

No Esplanar um questionário dos anos 80 para apurar a vocação para a escrita. A quarta pergunta:

4 – Com os seus últimos quinhentos escudos

a) vai ao cinema
b) compra uma garrafa de bom vinho de marca
c) dá-os a alguém
d) compra um livro
e) vai jantar fora
f) apanha um táxi



Duas décadas mais tarde, os quinhentos escudos, transformados em euros, não chegam para ir ao cinema, nem para comprar um bom vinho, nem para comprar um livro, nem para jantar fora, nem para andar mais de 100 metros de táxi. Ainda assim, parecem fazer demasiada falta para serem dados a alguém.

Monday, November 14, 2005

Para quem não sabe, este tipo de spam segue exactamente a mesma fórmula dos horóscopos. Suficientemente generalista para não deixar ninguém de fora à partida, uns elogios que toda a gente gosta de ouvir e uns defeitos que toda a gente sabe ter e está pronto a servir. Evidentemente, os horóscopos, pelo menos, têm o mérito de ser escritos na língua falada pelo público que pretendem cativar.

Há blogues que filtram o spam nos seus comentários. Perdem a oportunidade de ler sinceros e rasgados elogios como o que está no post já aqui em baixo. Gostei sobretudo da parte do "good design".

Um blogue também é um excelente lugar para perder amigos.

O JPT não está a ver bem a coisa. Retirar o Ricardo da selecção, concordo, é um assunto urgente. Mas o verdadeiro imperativo é retirar Scolari do cargo de seleccionador. Um homem que não percebeu imediatamente a mais valia de ter Deco e Ricardo Carvalho como titulares não percebe nada de futebol. Nadinha. Se queremos ir a algum lado, é mudar de seleccionador enquanto é tempo.

O que a vida tem de intrigante é que quando uma pessoa se levanta de manhã não faz ideia das asneiras que vai fazer até ao fim do dia.

Sunday, November 13, 2005

Talvez seja do adiantado da hora, talvez seja de o dia me ter corrido bem, talvez seja do distanciamento que o frio e a chuva sempre me trazem, mas não encontro nada de mais nos primeiros artigos da Lei nº 53/2005, a tal que também regula blogues.
Ou melhor, até encontro. No artigo 2º está definido que a sede da Entidade Reguladora se situa em Lisboa. Talvez seja do adiantado da hora, talvez seja de o dia me ter corrido bem, talvez seja do distanciamento que o frio e a chuva sempre me trazem, mas não consigo perceber por que é que que isto está consagrado em letra de Lei.

Saturday, November 12, 2005

Está uma noite boa para blogues.

Friday, November 11, 2005

Os EUA são uma sociedade onde o medo é um fenómeno incontornável. Agora querem fazer o mesmo à Europa. Enagana-se redondamente quem pensa que os actores principais deste acontecimento são os excluídos. Esses, por mais carros que incendeiem, não têm, como nunca tiveram, poder nenhum. Os beneficiários dos carros a arder são outros. Porque enquanto as classes médias estiverem preocupadas em proteger-se das classes que estão abaixo delas, pensam menos em proteger-se das que estão acima.

Thursday, November 10, 2005

"Vejo-me em milhões de espelhos, e em cada um há uma imagem diferente. Sou apenas uma delas, ou a soma de todas?"

Gonzalo Torrente Ballester, A Saga/Fuga de J.B.

Wednesday, November 09, 2005

Mais um aluno aos tiros numa escola nos EUA. Mais dois feridos e um morto. Mais umas famílias destruídas. Mais umas análises rápidas às influências negativas nos jovens – os filmes, as músicas, os jogos. Mais uma vez em que vão ser poucos os que vão perguntar como é que um jovem de quinze anos tem acesso a uma arma de fogo.

Sendo eu uma pessoa que, com os seus complexos de esquerda, gosta dos militares sobretudo dentro dos quartéis, não deixo de me espantar com um Governo Civil agora tão zeloso, quando ainda há pouco tempo não teve problemas em deixar umas dezenas de neo-nazis desfilar pelas ruas lisboetas.

Tuesday, November 08, 2005

A compreensão do conflito que eclodiu nas ruas de França tem de passar necessariamente por dois conceitos sociológicos: legitimidade e exclusão social.

A palavra exclusão assume aqui uma importância muito especial. O seu contrário é inclusão; e não, como se ouve com frequência, integração. Uma grande diferença.

Um post imprescindível no Klepsýdra sobre a realidade nos bairros sociais franceses.

Saturday, November 05, 2005

Ao princípio da noite passei ao lado do estádio de Alvalade no exacto momento em que o Sporting marcou o primeiro golo. Não pude deixar de me interrogar se o Besugo se entusiasma tanto com os golos do Beto como com os de outro jogador qualquer do seu clube. Eu, por exemplo, só comemoro os golos do Geovanni quando não me apercebo a tempo de quem foi o autor da proeza.

Portugal precisa de si, diz o cartaz. E eu acredito que sim, que precisa. Afinal, se não for eu e mais uns quantos idealistas na mesma condição, que não só pagam os seus impostos como acreditam na valia de os pagar, o que sempre vai ajudando a equilibrar o défice e a protelar a falência do Estado Providência por mais uma década, que vão pagando os serviços com a pior relação qualidade-preço da Europa, que vão suportando um mercado fictício de monopólios e cartéis, para que meia dúzia de acomodados possa continuar a lucrar obscenamente e o país continue a fingir que tem empresas de grande dimensão que são casos de sucesso, Portugal estaria, realmente, muito pior.

Portugal precisa de si, diz o cartaz. E eu acredito que sim, que precisa. Mas não me conseguem convencer de que precise de Cavaco Silva.

Existem dias em que me sinto a envelhecer ao minuto.

Friday, November 04, 2005

As palavras do ministro Nicolas Sarkozy são, sobretudo, retórica punitiva populista. Pior do que isso, revelam alguém mais preocupado em encontrar uma forma contundente de espalhar as suas ideias feitas do que em aproximar-se do fundamento dos problemas.

Se a punição fosse o melhor caminho, ou até o único caminho, para meter as pessoas na ordem - numa qualquer ordem -, os totalitarismos seriam a forma mais comum de regime político.

Thursday, November 03, 2005

Hans-Peter Martin e Harald Schuman descreveram, há uns anos, um cenário pessimista de evolução do fenómeno da globalização. Nele previram um mundo profundamente dividido pelas desigualdades sócio-económicas, no qual a crispação social um dia deixaria de ser apenas latente.
Neste momento há qualquer coisa a acontecer em Paris, tal como tem estado a acontecer qualquer coisa em Melilla nas últimas semanas. Os mais optimistas, chamemos-lhes assim, verão simples episódios desconexos. Os mais pessimistas tendem a ver o prenúncio de algo mais. Com toda a certeza, algo de muito errado e que já não se encontra somente do lado de fora das nossas fronteiras. Entretanto, os noticiários abrem com os prémios de um canal televisivo especializado em não afrontar o establishment ou com mais um pássaro encontrado morto algures, num desfasamento do que realmente interessa no mínimo curioso e no máximo suspeito. Nada que Martin e Schuman, na sua versão alarmista, não tenham também previsto.

Tuesday, November 01, 2005

Tanta recordação do dia em que o chão nos fugiu por debaixo dos pés. Como se não continuasse ainda a fugir.



Marc Chagall, Portões do Cemitério, 1917