Monday, February 27, 2006

Erving Goffman, sociólogo canadiano radicado nos EUA, ganhou notoriedade por ter sistematizado uma teoria da dramaturgia nas relações sociais. O comportamento em sociedade rege-se pelo desempenho de papéis, ou seja, por uma adequação da acção às expectativas sociais legítimas que as situações exigem.

O carnaval é todos os dias.

O carnaval, essa festa tão tipicamente portuguesa.

Thursday, February 23, 2006

O que propus com o post anterior foi que se começasse a discutir o que está efectivamente a ser feito e os resultados reais das medidas que têm como objectivo o controlo do défice e o crescimento da economia nacional. Propus também que se começasse a equacionar seriamente os eventuais benefícios colhidos com tais medidas. A minha visão é, então, que quando, por exemplo, os bancos registam aumentos de lucros nunca antes vistos, mas ao nível do cidadão médio o desemprego dispara e os salários reais estagnam, não se pode de forma alguma defender que os resultados alcançados sejam satisfatórios. Se os sacrifícios que supostamente trarão a redução do défice e a produtividade que faz crescer o PIB só estão a alimentar os grupos financeiros, quais são as vantagens que a população realmente retira? Ou, dito de uma forma mais dura, o que interessa que a economia crie riqueza se não só não houver distribuição dessa riqueza, como ela estiver a ser alcançada à custa dos que menos tême em favor dos que mais possuem?

A questão das causas do défice, sobre as quais não me debrucei, é outra história. Uma coisa está relacionada com a outra, claro, mas não deixam de ser dois temas distintos. Tanta ineficiência de funcionamento e dos gastos do Estado tem, forçosamente, de causar alguma perplexidade. O dinheiro que se gasta não se perde, não desaparece simplesmente. Acaba a entrar na contabilidade de alguém ou de alguma entidade. Todas as más práticas que geram despesismo acabam por beneficiar alguém, independentemente de haver ilícito ou não. Como é óbvio, o volume de dinheiro que o Estado movimenta provoca muito interesse e é natural que as adjudicações sejam amplamente cobiçadas. Esse facto é iniludível e deve representar uma preocupação primordial para a sociedade no seu todo.

Não ignoro que existem regimes de excepção a mais na administração pública, muitos dos quais beneficiam apenas os altos cargos. De uma forma geral, os regimes de excepção e as regalias concedidas sem qualquer justificação e/ou sentido de bom senso, sendo injustificados, devem terminar. Mas também não é provável que sejam estas regalias a causar o maior dano financeiro ao Estado. Causarão dano moral e de credibilidade, sem dúvida, mas, ao nível financeiro, as maiores perdas concentram-se certamente nas más adjudicações, nos contratos ruinosos, na gestão danosa e na má defesa do interesse público em favor dos interesses particulares.

A meu ver, é aqui que se torna mais necessária uma acção correctiva. O problema é que vigora a concepção da redução dos custos fixos, ou da despesa corrente, como forma máxima de controlo da despesa. A qual, apresentando resultados, está longe de ser a única forma de controlar a despesa. A diferença reside em quem é mais prejudicado com cada uma delas. Ao reduzir na massa salarial e nas responsabilidades sociais do Estado saem prejudicadas as classes médias e as classes baixas. Ao erradicar as más práticas de gestão, aos diversos níveis já referidos, saem prejudicados os grupos empresariais que têm no Estado uma fonte de rendimento inesgotável. E, por que não reconhecê-lo, saem prejudicados os clientelismos e os partidos políticos que lucram directa e indirectamente com o assalto aos cargos de poder, com o tráfico de influências, com a corrupção e com os financiamentos encapotados a que assim acedem. Surge, então, uma segunda dificuldade que é a de ser necessário reformular um sistema tendo de recorrer a um dos agentes – os partidos políticos – que beneficia com o actual panorama.

Não pretendo adoptar uma postura hiper-moralizadora, para a qual não tenho convicção nem feitio, tal como não pretendo acusar toda a classe política de ser corrupta ou, no mínimo, mal formada. Mas as evidências apontam para uma realidade na qual o sector público tem vindo a beneficiar, de forma recorrente e muito pouco clara, determinados grupos em detrimento da esmagadora maioria da população. Perante a ilegalidade, é de importância fundamental adoptar medidas que limitem as oportunidades para o ilícito, ao mesmo tempo que se deve encontrar e punir adequadamente os infractores. Mas, para isso, é necessário também um sistema judicial a funcionar ao seu melhor nível, o que dificilmente se pode dizer que tenha vindo a acontecer recentemente. Assim, mais uma vez, para completar este longo périplo, voltamos a deparar-nos com a ineficiência dos serviços do Estado como principal entrave à prossecução do bem público. E, mais uma vez, as coincidências são mais que suficientes para que a desconfiança se imponha.

É seguramente difícil manter um nível de motivação com a causa pública quando esta parece não reverter a favor dos que dela mais necessitam. Torna-se difícil manter um nível elevado de interesse pela política quando os seus agentes parecem mais preocupados com os seus pequenos jogos e com os seus interesses particulares do que com o bem público. Por estas razões, talvez mais do que nunca, é necessário que os ânimos não se abatam, que o desinteresse não vença e que se exija mais e melhor. Não para a pátria, noção bacoca e abstracta, dada a interpretações numéricas dúbias, mas para as pessoas que neste país habitam. Deve ser para elas que a economia deve laborar.

(texto com origem no comentário ao post anterior)

Wednesday, February 22, 2006

O desemprego real está quase nos 11%, o que representa, em termos absolutos, mais de 600 mil pessoas sem trabalho. Começa a ser incontornável que os debates sobre a redução do défice e o crescimento do PIB se passem a centrar na hipotética eficácia das medidas implementadas e no custo social que elas apresentam. Não só se deve questionar o mais que duvidoso sucesso dos planos anunciados, como se deve perguntar onde se está a cortar e quem está realmente a crescer. Porque, se a criação de riqueza que vai alimentar o crescimento do PIB é para ir parar exclusivamente aos cofres dos bancos e dos grupos financeiros do costume, são muito fracas as razões para continuar a sacrificar o país desta forma.

Tuesday, February 21, 2006

Em 1998 ou 1999 conheci um estudante sueco, Adam de seu nome, que se encontrava a passar uns meses um Portugal. Ambos partilhávamos a curiosidade pelas realidades alheias e passámos algum tempo a discutir as idiossincrasias de cada pátria. Inevitavelmente, tínhamos de chegar à forma como se conduz neste país. Dificilmente esquecerei a sua expressão de horror, observando os carros a circular na Av. 24 de Julho, enquanto me ia dizendo em inglês: “São todos loucos, loucos!”.

Segundo ele, uma das nossas curiosidades era o hábito de chegar à mesa do café e gabar o reduzido tempo que se tinha gasto na viagem. Coisa rara na Suécia. Por princípio, conhecendo-se a distância e velocidade máxima permitida no percurso, existe um tempo mínimo abaixo do qual não é possível efectuar a viagem

Por cá, já se sabe, respeitar os limites de velocidade é para mulheres (ainda assim, nem todas) e para velhinhos de boné. As façanhas do volante são tópico de conversa comum.
Praticamente toda a gente tem um episódio mirabolante do qual escapou por um triz, ou uma multa por ter circulado a 180 km/h na A1, ou por ter sido apanhado a ultrapassar em local proibido a caminho do Algarve. Histórias que são contadas com um sorriso nos lábios para entreter os convivas que rejubilam em sonoras gargalhadas. Ou dito de outra forma, a vergonha e o desconforto são sentimentos que dificilmente surgem associados a estes comportamentos. Muitos são os que desrespeitam as regras do trânsito, mas poucos – pouquíssimos – os que se envergonham disso. As regras de trânsito são uma abstracção que cada um relativiza à medida da sua conveniência. E a sociedade vai sancionando esse comportamento. De resto, nem poderia ser de outra forma, pois a relativização das regras enquadra-se com toda a perfeição no seu código cultural, na sua valorização da chico-espertice, do desenrasca, da solução de recurso e do amiguismo.

Daí que compadrios como os que agora se conhecem na Metro do Porto e na BragaParques não sejam de espantar. Os mecanismos são os mesmos. Gente que se ajuda mutuamente, que vampiriza os dinheiros do Estado, os subsídios da EU e tudo o mais a que se puder agarrar. Gente que, assim, de solução de recurso em solução de recurso, de chico-espertice em chico-espertice, se vai desenrascando. E o que é que se pode esperar do Estado e da sociedade? Nada. Rigorosamente nada. Do primeiro porque se encontra minado de testas-de-ferro, de representantes dos mais obscuros interesses, que se comprazem com o mau funcionamento da máquina fiscal e do sistema judicial. Da segunda porque, na sua maioria, no seu íntimo, até admira os que conseguem contornar o sistema, os que defraudam o Estado, essa entidade indefinida e longínqua que não sabe bem para o que serve.

Democracia é, aqui, mais que uma palavra vã. É um simulacro. Se fosse uma palavra vã, as pessoas, ainda que em surdina, queixar-se-iam da sua ausência. Sendo um simulacro, convencem-se que o que têm diante de si é a realidade, quando, de facto, da realidade nunca conheceram senão meros vislumbres. O país está a saque e não há, sequer, quem se envergonhe disso.

Monday, February 20, 2006

Cada vez me dão mais trabalho. O que quer dizer que acham que eu trabalho bem; ou que acham que trabalho pouco.

Por aqui trabalha-se. In case you’re wondering.

Tuesday, February 14, 2006

Declaração de interesses: este blogue é escrito por uma pessoa apaixonada.

O dia dos namorados coincide com o dia nacional do doente cardíaco. Faz sentido.

Monday, February 06, 2006

Nunca se deve subestimar a capacidade de racionalização do Homem quando se trata de invocar razões para se aniquilar.


Joan Miró, Paisagem, 1976

Antes de cair no chão, a neve é tão branca como as páginas deste blogue, quando penso nele. Havia de ter-me lembrado disto mais cedo.

Thursday, February 02, 2006

Portanto, a Constituição rejeita liminarmente todas as formas discriminatórias, mas remete para a lei no que toca à regulação dos requisitos do casamento. Por sua vez, esta discrimina, por omissão, em função da orientação sexual. Aos meus leigos olhos nestas matérias, parece que existe um pequeno problema.

Constituição da República Portuguesa

Artigo 12º
(Princípio da universalidade)

1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
(...)

Artigo 13º
(Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
(...)

Artigo 36º
(Família, casamento e filiação)

1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
2. A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.
(...)


Código Civil Português

Artigo 1576º
(Fontes das relações jurídicas familiares)

São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.

Artigo 1577º
(Noção de casamento)

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

Convencido pelo Rui Branco, lá fui conhecer a opinião de Pacheco Pereira sobre o casamento de homossexuais. Saí de lá com a sensação de ter estado a ler uma argumentação falaciosa. Não seria caso para me surpreender, mas uma vez que parece que a linha de pensamento de JPP está a merecer destaques variados, não resisto a repetir o que já comentei no Adufe. O que se invoca é o direito ao casamento homossexual e não o dever. Não se trata de conservadorismo mas de liberdade de opção. O que se pede é que os homossexuais sejam livres para se decidirem por um casamento civil, caso seja essa a sua vontade. Ninguém está a defender a instituição do casamento como modelo superior de relacionamento afectivo. Trata-se, simplesmente, de a tornar acessível a casais compostos por pessoas do mesmo sexo. O mais que não seja para acederem aos estatutos fiscais específicos que JPP não sabe que se podem encontrar no casamento mas não na união de facto.

A justiça é parte integrante e fundamental da democracia, mas não se pode confundir com esta. O sentido de justiça não é definido pelas maiorias. Por isso, quando o constitucionalista Rui Medeiros, citado pelo DN, afirma que «"a Constituição deve albergar aquilo que a comunidade no seu todo considera valores partilhados", ou seja, "a sensibilidade social" de um povo.», torna-se necessário precisar que as leis de uma sociedade, efectivamente, tendem a estruturar a "sensibilidade social de um povo", mas que isso não implica que o devam fazer.
A justiça não é pessoal nem particular. Toma a forma de lei para melhor garantir o seu postulado abstracto e impessoal. O sentido de justiça, sendo produto inquestionável da actividade social do ser humano, ultrapassa essa dimensão para se colocar acima das conveniências individuais ou de grupo, mesmo que traduzam a maioria das sensibilidades.

Wednesday, February 01, 2006

A propósito, 2006 é o Ano Europeu da Mobilidade dos Trabalhadores, iniciativa que pretende abranger tanto os aspectos relacionados com a mobilidade geográfica como com a mobilidade profissional.

Os empregos já não são para a vida. É como querem que nos habituemos a pensar e todos nos vamos habituando a pensar assim. O futuro dos trabalhadores e o futuro das empresas já não são coincidentes. Consequências da globalização, da incessante busca de vantagens competitivas e de redução dos custos fixos.
O que me escapa é, dando por garantido, então, que o futuro dos trabalhadores não faz parte das preocupações das empresas, como é que se quer que o futuro das empresas faça parte das preocupações dos trabalhadores? Ou seja, se o contributo destes últimos facilmente perde em influência perante as conjunturas económicas, se o emprego não apresenta qualquer factor de segurança, são poucas as razões que vinculam o trabalhador à propalada produtividade.
Fala-se muito no caso dos vínculos laborais praticamente indissolúveis, utilizando como exemplo maior a função pública, querendo com isso demonstrar como são prejudiciais para o desempenho dos serviços. Mas têm-se esquecido de equacionar a outra face do problema. Fazer perguntas ainda é a melhor forma de encontrar soluções. Pelo menos, sempre que não se tem as soluções definidas à partida.

Em termos de provincianismo não há como o que é promovido todos os dias, a partir das oito da noite, em qualquer canal de televisão. Consequentemente, os blogues não podem fugir muito aos traços do país em que se inscrevem.