Wednesday, April 18, 2007

O inimigo interno

Os EUA conheceram, segunda-feira, o maior massacre de sempre num estabelecimento de ensino, do qual resultaram mais de 30 vítimas mortais, exactamente na mesma semana da publicação de um estudo sobre o controle da venda de jogos, DVD e música a menores. As restrições das autoridades nem sempre são cumpridas, mas, segundo o mesmo estudo, tem-se assistido a uma melhoria nesse sentido. Os jovens norte-americanos devem esperar cada vez mais dificuldades para aceder a conteúdos violentos. A outro nível, um controle cada vez maior é exercido sobre o tabaco e sobre os locais onde o fumo é permitido. As imagens de fumadores acantonados à porta dos edifícios onde trabalham, ou os exercícios de limpeza moralista, que vão desde as películas de Hollywood às bandas desenhadas, são disso um bom exemplo.

Há uns anos fui apresentado a um norte-americano, o qual, a meio da nossa amena conversa, decidiu mostrar-me as suas três cartas de condução. Uma era verdadeira e as outras duas, obviamente, eram falsificações que tinham como principal objectivo, através da alteração da data de nascimento, habilitá-lo a consumir álcool. Destas, segundo ele, uma delas estava superiormente conseguida, suscitando um inegável sorriso de orgulho.

Por mais que se queira, as pessoas encontram sempre uma forma de contornar as proibições. É impossível erradicar o crime das sociedades. Aliás, uma sociedade sem crime é uma utopia que talvez encerre mais perigos do que benefícios. Mas não deve ser por isso que se deve abdicar dessa luta. O próprio equilíbrio e coesão de um grupo social dependem do nível do seu sentimento de segurança e de aplicação da justiça.

Este tópico devolve-nos ao problema das armas num país como os EUA. Um dos fenómenos que os EUA parecem não conseguir controlar – e não querer consegui-lo – é o comércio de armas. Certamente, existem razões económicas e ideológicas por trás desta impossibilidade. Mas também não deve haver melhor definição do que é a influência de um grupo de pressão. A mesma sociedade que encara com tanto moralismo o conteúdo de filmes, músicas e jogos sanciona positivamente a posse de armas. Consegue mesmo a proeza de se alimentar da insegurança criada pela criminalidade violenta, associada às facilidades na aquisição de armas, para fomentar a compra por parte de indivíduos que, contra todas as probabilidades, pensam encontrar aí a melhor forma de se defenderem.

Sem dúvida, devemos questionar a génese e as consequências dos conteúdos violentos, especialmente junto dos mais novos. Mas ao focar a atenção quase exclusivamente nessa realidade, ignorando os perigos associados à facilidade com que se adquirem armas de fogo, falha-se clamorosamente o objectivo principal de impedir um maior número de crimes violentos. Em última análise, e isto é uma evidência tão grande que custa escrevê-lo, não são os jogos para consolas que matam; são as balas disparadas de revólveres e espingardas, tantas vezes comprados na mais perfeita legalidade.