Thursday, December 28, 2006

Como não consigo ler o Glória Fácil, decidi dar um pulinho ao Blogue do Não. O Glória Fácil, por estes dias, é sobretudo a Fernanda Câncio. O Blogue do Não, já se sabe, é sobretudo um blogue contra a Fernanda Câncio. Lendo um, pensei eu, talvez conseguisse ficar com uma ideia do que se está a escrever no outro. Na realidade, contra as minhas esperanças, não resultou assim tão linearmente. A única certeza é que a caudalosidade e os tiques argumentativos dos autores do Blogue do Não conseguiram afugentar definitivamente o meu Christmas Spirit.

O meu computador decidiu, esta semana, que eu não tenho permissão para visualizar a página do Glória Fácil. Ainda não me tinha apercebido que tenho um PC pró-vida.

Wednesday, December 27, 2006

O Vaticano e a eutanásia (III de III)

Uma das bandeiras da Igreja Católica, nestes tempos de mudança de valores, tem sido a inviolabilidade da vida. Esta bandeira repercute-se, como tão bem sabemos, no tema do aborto e, mais distante da realidade nacional, no tema da eutanásia e da morte assistida. Quando se fala em eutanásia convém precisar aquilo a que nos referimos. Geralmente, sob a alçada do mesmo termo costumam confundir-se situações que diferem entre si nas suas características e nas suas implicações. As três denominações mais comuns são a eutanásia activa – na qual a morte do doente é deliberadamente provocada por outra pessoa –, a eutanásia passiva – que se caracteriza pela interrupção dos procedimentos que asseguram a manutenção da vida do doente – e o suicídio assistido – no qual é facultado auxílio ao doente para que este ponha, por si mesmo, termo à vida. Se os temas do aborto e da eutanásia aplicada a pessoas em estado de morte cerebral levantam questões complexas relacionadas com os momentos a partir dos quais se pode começar a falar ou se deve deixar de falar em ser humano, o suicídio assistido e a eutanásia aplicada a um doente consciente e na plena posse das suas faculdades mentais podem ser vistos a uma luz bastante diferente.

Assumindo que o indivíduo manifesta a intenção de pôr termo à vida na plena posse das suas faculdades, o problema apresenta-se sob uma óptica que se prende com a autonomia da escolha individual. Negar legitimidade a essa escolha é negar a liberdade de decisão do ser humano sobre o seu destino pessoal. A decisão de deixar de viver pode encontrar repercussões em terceiros, nomeadamente naqueles que são mais próximos da pessoa que o decide, mas, em última análise, é a manifestação de uma vontade com consequências directas apenas para o envolvido. Seria absurdo e desonesto não admitir que a morte de uma pessoa querida, mesmo que por sua vontade, não se repercute nos seus laços de família e amizade. Contudo, não se pode ignorar que existe um desejo manifestado por determinada pessoa e que este não é, em nenhum aspecto, mais egoísta do que o desejo de todos os que não querem ver-se privados do seu familiar ou amigo.

Quando a Igreja torna públicas as suas mais acesas críticas à eutanásia e ao suicídio assistido coloca-se do lado dos que, a pretexto da inviolabilidade da vida, violam a liberdade de escolha do indivíduo. A posição do Vaticano perante estas matérias representa uma forma de encarar o ser humano negando-lhe a sua individualidade. Colide frontalmente com o livre arbítrio e com a autonomia do indivíduo. No plano moral, a intransigência do Vaticano afasta-se das tendências cada vez mais consolidadas das sociedades modernas.

Mas nem só no plano moral se deve observar esta questão. Para o Vaticano, a morte é um assunto religioso. A moral que a Igreja prega é uma moral que assenta nas suas doutrinas de fé. Coloca-se aqui, portanto, um problema suplementar. A Igreja não pode substituir-se aos poderes legislativo, executivo e judicial. Tem de limitar-se, como todos os restantes grupos sociais, a contra-argumentar as suas razões em praça pública. Depois de séculos de hegemonia, tem agora de enfrentar oposição aberta, por vezes bastante activa e acutilante. Em todo o caso, nestes confrontos depara-se com um leque variado de interlocutores, desde interpretações católicas heterodoxas até concepções claramente anti-clericais. O Vaticano compete com outros grupos para manter ou fazer vingar a sua visão. Neste sentido, é razoável perguntar que legitimidade lhe assiste para querer impor essa visão a toda uma sociedade, incluindo os que não professam a sua fé, sobretudo quando essa visão pressupõe uma limitação da liberdade de escolha do indivíduo baseada numa moral de cariz religioso.

Se a violação da liberdade individual é um primeiro problema de desfasamento entre a Igreja e a sociedade moderna, o segundo é esta incapacidade para aceitar um lugar de menor destaque e de menor influência no seu seio. Não é certamente razoável pedir ao Vaticano que reconsidere as suas doutrinas e não cabe a outra entidade que não a própria Igreja definir se e quando o quer fazer. Mas é absolutamente justo que se exija da sua parte um maior respeito pelas diferentes formas de entender temas como a vida e a morte, os quais resultam exclusivamente de escolhas do foro pessoal.

Não se trata de suprimir a palavra da Igreja nem de negar-lhe um lugar na nossa sociedade. Acima de tudo, trata-se de defender o direito a escolher livremente sem constrangimentos impostos por um grupo específico. A Igreja tem todo o direito de achar que a vida é um dom de Deus inviolável. Qualquer pessoa tem igualmente o direito de discordar e de querer definir os limites da sua existência segundo os seus princípios pessoais de dignidade e de resistência ao sofrimento.

O Vaticano e a eutanásia (II de III)

Como a eutanásia tem cobertura legal em pouquíssimos países, sendo que Portugal e Itália não estão incluídos nessa lista, talvez faça sentido dizer que, em muitos casos, se levanta um problema jurídico. Mas as complicações não terminam aqui. A eutanásia é, antes de mais, um problema moral. Não surpreende, portanto, que as críticas mais violentas provenham ou do Vaticano ou de sectores da sociedade a ele ligados. O cristianismo católico, como, de resto, todas as grandes religiões, intersecta os seus princípios religiosos com princípios morais. O correcto relacionamento com Deus, para além da prática religiosa, depende igualmente da adopção de uma determinada linha de conduta moral.

A faceta doutrinária e dogmática da religião desemboca, com poucas excepções, numa generalização ilimitada dos seus princípios. A palavra católico significa, simplesmente, universal e remonta aos tempos em que os primeiros cristãos discutiam se a sua religião pertencia a todos ou se se destinava apenas a alguns eleitos. Por muitos diálogos ecuménicos que se tenham promovido no final do século XX, o Vaticano continua a considerar, essencialmente, que detém uma visão correcta, verdadeira e última de Deus, da religião e da humanidade. Nesse sentido, o proselitismo é-lhe intrinsecamente natural. Seria mesmo ingénuo admitir o contrário. Acontece que, se é certo que a influência judaico-cristã é a mais importante para o mundo ocidental, quer na sua duração quer nas mentalidades que forjou, também é verdade que a modernidade ocidental deve as suas bases ao secularismo, à separação entre a esfera da religião e as esferas do Estado, da Ciência e da Justiça e ao reforço da componente do livre arbítrio do indivíduo. Existe, pois, uma certa contradição entre aquilo que são os princípios que fundamentam a modernidade ocidental e os princípios que defende uma entidade como o Vaticano. A Igreja Católica criou, desde o início, uma estrutura profundamente dependente da autoridade hierárquica, a qual continua em vigor. É precisamente esta estrutura hierárquica e autoritária, da qual emanam as doutrinas, aliada à perda de influência junto da sociedade, que entra em rota de colisão com um indivíduo cada vez mais consciente da sua independência e do seu poder de decisão. Sem duvidar que todas as transformações sociais que a modernidade introduziu provocam muito mais dúvidas do que certezas e podem ser causa de um sentimento de perda de referências, não deixa de ser perfeitamente claro que o desfasamento actual entre o Vaticano e a realidade social dominante da modernidade ocidental constitui muito mais um factor de crise para o primeiro do que para a segunda.

O Vaticano e a eutanásia (I de III)

Na semana que antecedeu o Natal, Piergiorgio Welby, um italiano que padecia de uma doença degenerativa há décadas e se encontrava totalmente imobilizado, conseguiu fazer valer a sua vontade e ter ajuda para pôr termo à vida. O médico que o assistiu neste acto, ao contrário doutros casos semelhantes, veio a público defender a sua opção. Dessa decisão resultaram imediatamente críticas violentas de sectores profundamente hostis à eutanásia e ao suicídio assistido. Entre elas, pedidos para que o médico em questão seja julgado por homicídio. Consoante o posicionamento perante a eutanásia e o suicídio assistido, haver quem assuma a responsabilidade e as consequências de ter ajudado outra pessoa a morrer pode ser tido como um acto de uma desfaçatez sem medida ou de uma coragem exemplar. Pessoalmente, inclino-me para a segunda, o mais que não seja porque obriga a sociedade italiana, e as que lhe quiserem seguir o exemplo, a confrontar-se com um tema tão incómodo quanto actual.

Piergiorgio Welby, tal como Ramón Sampedro antes dele, tomou a decisão de morrer e pediu ajuda para esse efeito. Desde logo, podemos perguntar-nos se matar uma pessoa nestas condições pode ser considerado homicídio. Contribuir directa e voluntariamente para a morte de outras pessoas nem sempre é homicídio. Tal como tantas outras coisas nas nossas sociedades, a morte de outro ser humano é enquadrada no seu contexto para ser categorizada. Os militares que atiram sobre o inimigo numa guerra não são homicidas, os polícias que respondem a um tiroteio não são homicidas e, nos países onde ainda se pratica a pena de morte, a pessoa encarregue de accionar o dispositivo letal não é considerada homicida. As instituições que representam a sociedade dão a sua cobertura a cada um destes actos e alteram o significado de que se revestem. Contudo, o suporte de legitimidade legal comum a todos estes exemplos está inegavelmente ausente no caso Welby e isso vem contribuir seriamente para a complexidade das análises que se queiram fazer.

Saturday, December 23, 2006

Friday, December 22, 2006


Wassily Kandinsky, Paisagem de Inverno, 1909

Tuesday, December 19, 2006

O Lutz Bruckelmann e o Luís Januário debruçaram-se igualmente sobre o tratamento que tem sido reservado para Carolina Salgado. Reconheço facilmente, como o Lutz, que essas duas categorias – a traidora e a alternadeira – se reforçam mutuamente no imaginário dos seus críticos. Mas tendo a concordar sobretudo com a leitura do Luís Januário e a conferir maior peso à segunda do que à primeira. Para isto, basta que imaginemos que as denúncias eram feitas por outra pessoa, por exemplo, com um estatuto amplamente reconhecido. Muito dificilmente concedo que o tratamento fosse igual.
O principal problema moral, aqui, é que Carolina Salgado veio do bar de alterne, do submundo. É a sua condição social que preside às críticas que lhe lançam. Estas pessoas que agora dão largas ao seu desprezo só se deram ao trabalho de dissimular o seu asco enquanto ela teve um suporte para a sua ascensão social – a relação com Pinto da Costa. Assim que ele desaparece, volta a ser a mera alternadeira, que não tem o direito de nos aborrecer fora dos bares, muito menos relatar as inconfidências que ouviu. A delação não é bem vista, sobretudo quando põe em causa os poderes estabelecidos, mas o que chateia esta gente, acima de tudo, é que esta surja pela boca de uma alternadeira.

Monday, December 18, 2006

Demagogia por opção
para aumentar a confusão?

Não, obrigado.

Por estes dias, em que as confissões em forma de livro acusatório são tão mediáticas, uma pequena curiosidade chama-me a atenção. Quantos destes comentadores, que enchem a boca de “dona Carlina” e “esta senhora”, com medo que o seu desprezo pela alternadeira passe despercebido, se comportariam desta forma se se tivessem cruzado com ela nas infindáveis galas do desporto, nas cerimónias, nos Dragões de Ouro, nos jantares e nas festas organizados para ajudar a colorir o futebol? Quantos, tendo mesmo chegado a cruzar-se com ela, beijaram a mão à rainha consorte?
Se o livro de Carolina Salgado, como todos os assomos de escrúpulos que só vêm a luz do dia depois de perdidos os privilégios, deve muito à hipocrisia, esta desconsideração pseudo-moralista pela pessoa da sua autora não lhe fica atrás.

Sunday, December 17, 2006

Espero que estes Anais sejam para continuar. Com recurso a várias cores de equipamento, por uma questão de justiça e, vá lá, também pela piada.

Obrigadinho, mas não

The new version of Blogger now has all the original features you're used to, plus new post labels, drag-and-drop template editing, and privacy controls. And, it's a lot more reliable.

After you switch you'll need to sign in with your Google Account, but your blogs will stay the same. Their content and layout will not change.

Friday, December 15, 2006

“Os espanhóis, com o auxílio de monstruosidades sem exemplo, cobrindo-se de uma vergonha indelével, não conseguiram exterminar a raça índia, nem sequer impedi-la de partilhar os seus direitos. Os americanos dos Estados Unidos atingiram esse duplo resultado com uma maravilhosa facilidade, tranquilidade, legalmente, filantropicamente, sem efusão de sangue nem violação de um único dos grandes princípios da moral aos olhos do mundo. Seria impossível destruir os homens respeitando melhor as leis da humanidade.”
Alexis de Tocqueville

Este pequeno excerto, que Raymond Aron escolheu, entre outros, para ilustrar o pensamento de Tocqueville em “As Etapas do Pensamento Socológico”, estabelece, na sua fina ironia, uma crítica acutilante ao destino reservado para as nações índias nos EUA do século XIX. Mais do isso, demonstra como a admiração por certos traços de uma sociedade – e Tocqueville é sobretudo um admirador das sociedades anglo-americanas – pode e deve conviver com a crítica dura, sempre que esta se mostre justa. Nem admiração cega e incondicional, nem omissão das críticas adequadas.
Inseparável dos esforços de rigor e objectividade do filósofo e do cientista, a conduta de Tocqueville releva igualmente do mais puro exercício de pensamento livre que o Homem pode almejar. Liberdade esta que, paradoxalmente, tanto ao longo do século XX, como no início deste século XXI, foi e continua a ser cerceada pelos seus mais voluntariosos paladinos.

Wednesday, December 13, 2006

O presidente da FPF, Gilberto Madaíl, andou a dizer aos microfones da TSF que casos como o Apito Dourado eram maus para o futebol. Não são. O que é mau para o futebol é a corrupção e a deturpação da verdade desportiva. Casos como o Apito Dourado são a pequena centelha de esperança de que um dia as coisas venham a ser mais transparentes e justas.

Com alguma frequência, têm sido noticiadas intervenções das autoridades fiscais. Notícias destas, tal como quase todas as que focam aspectos criminais, funcionam como uma faca de dois gumes. Por um lado, criam a aparência de surtos de criminalidade. Por outro, criam a aparência de uma intervenção atenta e eficaz das autoridades. Obviamente, nenhuma destas duas aparências corresponde forçosamente à realidade. Antes, resultam mais das opções editoriais dos órgãos de comunicação social ou das agendas de grupos de interesse, com particular destaque para as partes envolvidas em cada assunto, desde as próprias autoridades aos diversos sectores de actividade económica.

Mas, no meio de todos estes véus que é preciso desvendar, resta saber um ponto muito importante, nem sempre acompanhado com igual mediatismo: saber o que se vai passar nos tribunais. Ou seja, de todo este aparato, quais são os resultados efectivos em sede de justiça? Sem uma conclusão dos processos, a noção de impunidade vai permanecer, se não sair mesmo reforçada.

Monday, December 11, 2006

Murió

As manifestações de celebração pela morte de alguém nunca são edificantes. Compreende-se que a morte possa estar associada a um sentimento de alívio – em diferentes acepções – mas a alegria parece sempre deslocada. Mesmo quando falamos de chefes de regimes tirânicos e sanguinários, há uma linha que não devemos ultrapassar sob pena de perdermos o que nos habilita a ser tão críticos com a desumanidade.

O que Pinochet fez ao Chile ultrapassa muito os resultados económicos e é por isso que querer conferir maior importância a estes do que eles realmente possuem é um exercício de utilidade duvidosa. Enquanto uma mão do regime dava rédea solta à economia, a outra asfixiava brutalmente as liberdades e os direitos cívicos. Os milhares de mortos e de torturados constituem um quadro suficientemente expressivo sobre o que foi o modus operandi da ditadura de Pinochet. Perante isto, o que se alcançou em termos económicos é não só uma pálida imagem, mas um aspecto de relevância perfeitamente marginal.

Mas para uma coisa servem as manifestações de ontem, as de pesar e as de celebração. Fica claro que os chilenos estão longe de concordar na apreciação do contributo de Pinochet para a sua História. O mito de um regime que trouxe largos benefícios para o Chile talvez nunca venha a desaparecer. Mas o mito de um Chile unânime, se alguma vez o tentaram erigir, acabou de cair por terra.

Monday, December 04, 2006

Talvez no último ano da sua vida, a par de outras obras intensas e desconcertantes, Caravaggio elege o seu auto-retrato para representar a cabeça decepada de Golias. Uma metáfora que se ultrapassa a si mesma: o sacrifício simbólico; a queda do gigante; a morte que ronda.


Caravaggio, David Segurando a Cabeça de Golias, 1609-10

Friday, December 01, 2006

Para adeptos de futebol que apreciem um ou outro dos extremos da Segunda Circular, contando que não sintam uma particular simpatia pelo liliputiano marcador de penalties que alinha de águia ao peito:
O Merdinhas