Duas palavras apenas
Numa crónica sobre populismos, na edição de ontem do Público, Vasco Pulido Valente apelidou o voto secreto de “invenção deplorável”. Sem qualquer assombro, VPV condena a base de suporte de todo um sistema político. Não existe uma frase que explique o juízo emitido, uma linha que contextualize o que quer que seja. Duas palavras chegam para lançar o anátema.
O voto aberto tem evidentes vantagens. Em 1992, quando a presidência de Collor de Mello enfrentava a perda de mandato, foi reconhecidamente a pressão colocado nos deputados, através do voto aberto, que originou o resultado desfavorável ao presidente. O voto aberto, no exercício de cargos políticos, tem o benefício de garantir um sistema de rastreio, de controlo e de responsabilização dos processos de decisão dos eleitos. Neste caso, assistiu-se a uma pressão exercida por amplos sectores da sociedade, suportada não no mero fenómeno de massas, mas em conclusões de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Tratou-se de uma pressão legítima exercida no sentido correcto: do eleitor para o eleito.
Contudo, se o contexto for o do voto dos eleitores para escolher os seus representantes, as condições mudam drasticamente e o voto aberto perde as suas vantagens. É inadmissível que o voto possa ser condicionado pela pressão exercida pelos detentores do poder ou pelos seus aspirantes. Toda a lógica democrática encontra-se pervertida nesse caso. O voto secreto não só é prático em processos eleitorais de grande escala, como se apresenta mesmo como a solução que melhores garantias oferece para garantir a seriedade da votação.
Na realidade, o voto secreto tornou-se necessário, indispensável até, após os abusos deploráveis que se cometeram ao abrigo de alguns regimes. Omitir este facto roça uma falta de objectividade demasiado comprometedora. Deve ser fantástico conseguir escrever sem a mais pequena preocupação com a sensatez e com uma remota aproximação à verdade dos factos.
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