Entre proselitismo e ascetismo
Vinha há poucos dias nos jornais: uns senhores bem intencionados, reunidos sob a forma de Igreja Evangélica, montaram um stand num dos eventos de referência da indústria de produção de conteúdos para adultos. O princípio é simples e explica-se facilmente. Segundo os membros dessa Igreja, é preciso aumentar o número de fiéis e, tal como Cristo ensinou, é preciso ir à procura deles não no mundo dos convertidos mas no dos pecadores.
Ao ler a notícia, lembrei-me do documentário O Grande Silêncio, sobre a Ordem dos Cartuxos. Os religiosos que abraçam esta vida optam conscientemente por um dia-a-dia de recolhimento e oração. Procuram uma aproximação com o divino e não se duvide, independentemente das nossas convicções pessoais, que efectivamente a encontram.
Tenho pouca simpatia, a priori, pelo proselitismo militante e estou muito pouco convencido que não existam almas mais necessitadas, em todos os sentidos, do que as que frequentam as convenções da indústria pornográfica. Contudo, não posso deixar de pensar que, embora com um alvo discutível, a Igreja Evangélica XXXChurch procura igualmente, neste caso, seguir a obra de Jesus no mundo do Homem.
A Ordem da Cartuxa, pelo seu lado, opta por uma vida ascética. A sua proximidade de Deus parece depender de um irremediável afastamento do mundo. O cativante documentário de Philip Groning alude, em vários momentos, a passagens da Bíblia, sendo uma delas do Evangelho de São Lucas: “Quem não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Contudo, pode perguntar-se, esta renúncia implica um afastamento tão radical? Mais ainda: não está orientada a mensagem cristã sobretudo para o mundo e para o Homem?
Se o proselitismo me suscita reservas, não tenho quaisquer reparos à religiosidade enquanto opção individual, nem sequer ao ascetismo. Mas, do ponto de vista do cristianismo, compreendo melhor o proselitismo do que o ascetismo. Ou, dito de outra maneira, o primeiro parece-me mais fiel ao espírito do cristianismo que chegou até ao nosso tempo.
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