Wednesday, February 28, 2007

Os novos descobridores

Diz-se que Helena de Constantinopola, mãe do imperador Constantino o Grande, foi a responsável pela descoberta dos locais onde Jesus Cristo foi crucificado e onde repousaram os seus restos mortais. Num documentário televisivo sobre este episódio, emitido há mais anos do que a minha memória consegue abranger com pormenor, ironizava-se que quando uma Imperatriz se propõe encontrar algo, acaba por encontrá-lo.
É bastante esclarecedor que nos nossos dias seja um hollywoodesco realizador de cinema a reivindicar feitos de semelhante calibre.

Tuesday, February 27, 2007

Entre proselitismo e ascetismo

Vinha há poucos dias nos jornais: uns senhores bem intencionados, reunidos sob a forma de Igreja Evangélica, montaram um stand num dos eventos de referência da indústria de produção de conteúdos para adultos. O princípio é simples e explica-se facilmente. Segundo os membros dessa Igreja, é preciso aumentar o número de fiéis e, tal como Cristo ensinou, é preciso ir à procura deles não no mundo dos convertidos mas no dos pecadores.
Ao ler a notícia, lembrei-me do documentário O Grande Silêncio, sobre a Ordem dos Cartuxos. Os religiosos que abraçam esta vida optam conscientemente por um dia-a-dia de recolhimento e oração. Procuram uma aproximação com o divino e não se duvide, independentemente das nossas convicções pessoais, que efectivamente a encontram.
Tenho pouca simpatia, a priori, pelo proselitismo militante e estou muito pouco convencido que não existam almas mais necessitadas, em todos os sentidos, do que as que frequentam as convenções da indústria pornográfica. Contudo, não posso deixar de pensar que, embora com um alvo discutível, a Igreja Evangélica XXXChurch procura igualmente, neste caso, seguir a obra de Jesus no mundo do Homem.
A Ordem da Cartuxa, pelo seu lado, opta por uma vida ascética. A sua proximidade de Deus parece depender de um irremediável afastamento do mundo. O cativante documentário de Philip Groning alude, em vários momentos, a passagens da Bíblia, sendo uma delas do Evangelho de São Lucas: “Quem não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Contudo, pode perguntar-se, esta renúncia implica um afastamento tão radical? Mais ainda: não está orientada a mensagem cristã sobretudo para o mundo e para o Homem?
Se o proselitismo me suscita reservas, não tenho quaisquer reparos à religiosidade enquanto opção individual, nem sequer ao ascetismo. Mas, do ponto de vista do cristianismo, compreendo melhor o proselitismo do que o ascetismo. Ou, dito de outra maneira, o primeiro parece-me mais fiel ao espírito do cristianismo que chegou até ao nosso tempo.

Monday, February 26, 2007

Aprender com as palavras

Há três boas razões para eu gostar de blogues: porque gosto de ler, porque gosto de escrever e porque gosto de aprender. Aprende-se muito na blogosfera. É apenas uma questão de ler os blogues certos, os quais, sem dúvida alguma, hão-de variar de leitor para leitor.
Dentro do capítulo da aprendizagem, a partir deste post da Susana Bês, que não é alheio a um outro que aqui publiquei, descobri a SEP, que promete leituras interessantes, assim haja tempo e paciência. Ainda estou, como se pode entender, a explorar as entradas sobre o feminismo
A propósito deste tema, das minhas críticas e da objecção levantada pela Susana, voltou a ocorrer-me a importância do vocabulário como auxiliar para a compreensão de certas realidades sociais. O machismo postula a superioridade do homem e do masculino sobre a mulher e o feminino. Que não seja óbvia uma palavra que descreva o sentido inverso desta visão preconceituosa é, já de si, bastante esclarecedor. Mas isso não quer dizer que esse sentido inverso não exista.
O post que deu origem a toda esta controvérsia não se inscreve, a meu ver, no feminismo, tal como o define a SEP, ou os bons dicionários para as ciências sociais. Inscreve-se naquilo que me continua a parecer uma visão tão preconceituosa como a do machismo, embora, obviamente, minoritária e muito menos divulgada do que aquele. Se havia dúvidas, fica o esclarecimento. Por esse motivo, compreendo a objecção da Susana e acredito, agora, que é injusto dizer que se trata de um post feminista no pior sentido da palavra, pela interpretação equívoca que pode induzir. O feminismo defende os direitos das mulheres e a igualdade de oportunidades entre os sexos e não é isso, realmente, que eu julgo ler ali.

Reverso

Prostitutas que se dedicaram à escrita. Suponho que exista um trabalho interessante, à espera de ser feito, sobre escritores que se dedicaram à prostituição.

Sunday, February 25, 2007

Leituras

Daqui a umas três horas o mundo vai parecer bonito, colorido e muito alegre. Até lá, duas recomendações de leitura:

querida gi - no Glória Fácil

AEIO...U - n'Os Tempos Que Correm

Infelizmente, complementam-se muito bem.

Friday, February 23, 2007

O significado de humano (II)

Muito resumidamente, o que o post do Mundo Perfeito não reconhece é que qualquer ser humano, se levar uma vidinha normal, gosta que gostem dele. Por outro lado, esse post também parece não reconhecer que o homem é um ser humano. Pelo menos, não tão humano como as mulheres.

O significado de humano

Um post longo, mas interessante, no Mundo Perfeito, sobre os estímulos sexuais masculinos, já mereceu comentários no Womenage a Trois e no Quase em Português. Sobretudo no WaT, já foram apontadas várias falhas à ideia que preside a elaboração do texto. A Isabela tem o mérito de não ter medo de levar o seu raciocínio até ao fim, mas comete o erro de o basear em premissas equívocas e em relações de implicação que são pouco menos que exageradas.

Em primeiro lugar, é bastante arrojado descartar mais de um século de Psicologia e julgar compreender os estímulos sexuais masculinos tendo como suporte um documentário num canal da TV Cabo. O post da Isabela rapidamente parece passar dos japoneses que compram bonecas para todos os japoneses, e destes para os homens em geral, sem qualquer suporte que não seja a mera suposição. Diminui o desejo masculino a formas geométricas, as quais não são seguramente despiciendas, mas ignora totalmente todo o contexto de relacionamento que a Psicologia e a Sociologia já trataram amiúde. Ao contrário do que é postulado, o conteúdo do conceito de mulher não é, de todo, indiferente e não remete exclusivamente para o significado visual. O tipo de relação que se constrói com o outro, seja homem ou mulher, é um dos aspectos mais importantes nas regras da atracção. Mesmo que seja, uma boa parte das vezes, como forma de dominação numa relação de poder. Para além das protuberâncias e das concavidades, que desencadeiam estímulos tanto no homem como na mulher (não sejamos ingénuos), existe toda uma visão do outro, mais real ou mais idealizada, muito notória, por exemplo, no amor romântico, e a qual pode tender a perceber esse outro como um igual ou não. De qualquer forma, mesmo que essa visão não reconheça a igualdade perante o outro e o aproxime do objecto, trata-se de um objecto complexo, consciente, com vontade própria, mesmo que seja para a seduzir, ludibriar ou dominar. Aliás, paradoxalmente, a dominação masculina é um dos bons exemplos de como os homens procuram mais do que bonecas, seres inanimados, ou simples protuberâncias e orifícios. Algo parece não bater certo nessa teoria. Na realidade, por muita saída que as bonecas sexuais possam ter, o relacionamento afectivo, nas diversas formas que assume, ainda domina e parece estar para durar. E isso certamente não se deve apenas aos 5000 dólares que aquelas custam.

Por outro lado, o raciocínio subjacente ao post, ao reduzir a atracção sexual masculina ao estímulo geométrico passa ao lado de todo o processo de sedução e enamoramento, que está por trás da esmagadora maioria das relações sexuais dos nossos dias. Este processo, sobretudo quando conduzido numa perspectiva de reconhecimento e respeito pelo outro como um igual, contradiz factualmente, de forma avassaladora, a argumentação utilizada. Mais ainda, o ser humano é um animal social e cultural. O comportamento de homens e mulheres não corresponde a meros estímulos sensoriais. O behaviorismo está há muito ultrapassado como teoria explicativa do comportamento. O ser humano interpreta os estímulos, interage com os agentes emissores, conota com carga simbólica os comportamentos próprios e alheios. Dito de outra forma, a profundidade do decote diz mais ao homem do que o tamanho dos seios. Além disto, é inegável que as mentalidades, produto e produtoras de cultura por excelência, mudam com os tempos. A nossa época caracteriza-se, ainda, pela dominação masculina, mas a sociedade dá sinais de se estarem a alterar as mentalidades que a suportam, tanto nas mulheres como nos homens. A abordagem behaviorista das regras de atracção sexual masculina nega a perspectiva cultural e a mudança de mentalidades. Nega, essencialmente, a humanidade do homem.

O post da Isabela é feminista no pior sentido que a palavra pode ter. É feminista na forma como diminui o homem e o masculino. Responde ao machismo exactamente na mesma moeda, com preconceito e desconsideração. Nesse sentido, limita-se a perpetuar uma forma distorcida e redutora de ver e de se relacionar com o outro, contribuindo apenas com a inversão do sinal de negatividade. Demasiado esforço para um caminho que não leva, com toda a certeza, à dignificação e à justiça nas relações de género.

Thursday, February 22, 2007

Imputabilidade

O CDS/PP volta a pugnar pela imputabilidade a partir das 10 semanas, perdão, dos 14 anos. Mas continua a não querer mandar ninguém para a prisão. Pelo menos não os podem acusar de incoerência.

Quem sou, de onde venho, para onde vou

Estatisticamente, tenho mais de 45 anos de vida à minha frente. Estou bastante seguro de quem sou. Sei bem de onde venho. Não faço ideia para onde vou, mas sei perfeitamente para onde não quero ir. Para já, é suficiente.

Wednesday, February 21, 2007

O fenómeno

Os parâmetros pelos quais Alberto João Jardim se guia são muito seus. O paradoxo é que continua a ser tratado, deste lado da República, como qualquer outro interlocutor, como se os desrespeitos, as chantagens e o défice democrático não existissem. Sabe-se que quando Alberto João Jardim fala dos “madeirenses” não se está a referir a todos os madeirenses. Fala apenas para e dos que nele votaram. Fala dos compadrios, dos conluios, dos interesses, dos grupinhos, das clientelas e das influências. São esses os seus “madeirenses”. Os outros não interessam, quer estejam na Madeira quer não. Jardim não trabalha para o bem da Madeira e dos madeirenses; trabalha para o bem da sua Madeira e dos seus madeirenses. Essa é a sua marca mais distintiva, que tem apostado na promiscuidade entre o partido, o aparelho de Estado e a sociedade para cimentar dependências mútuas e tornar muito mais difícil a vida a quem se encontra excluído deste círculo viciado.

Jardim tem sido, até hoje, um fenómeno localizado. Mas há já alguns anos que corre o rumor que há-de tentar o salto político do cenário regional para o cenário nacional. Talvez seja difícil que o homem que tanto atacou o “continente” e as suas instituições de soberania se consiga impor como actor político precisamente nesse palco. Mais importante ainda, a sua esfera de influência esgota-se bastante no arquipélago onde é senhor absoluto há 30 anos. Fora dele não reúne os condicionalismos que construiu nestas três décadas e que lhe garantiram reeleições sucessivas.

Mas convém não menosprezar o poder da demagogia e do mito. Não são poucos os casos de políticos que estão longe de corresponder a modelos exemplares, mas que granjearam o apoio suficiente para assegurarem a sua eleição. De facto, esta é uma realidade desagradavelmente familiar e que já se repetiu demasiadas vezes para que possamos estar descansados.

Tuesday, February 20, 2007


Marc Chagall, A Dança e o Circo, 1950

Friday, February 16, 2007

Era uma vez... em Lisboa

Uma Câmara Municipal em que dois vereadores foram constituídos arguidos, por suspeitas relacionadas com a sua actividade no executivo, e cujo Presidente é aquele senhor que negociou lugares em empresas municipais a troco de apoio político de outras forças partidárias.
Se isto não dá lugar a eleições antecipadas, o que mais será preciso?

Thursday, February 15, 2007

Um afastamento

Gosto do Público. Sempre simpatizei com o diário e, confesso, apesar de actualmente não o comprar, apesar do seu director e das suas estratégias, continuo a gostar do Público. De tempos a tempos volto a folhear o jornal e procuro reavivar essa relação de leitura que já tivemos. O Público foi o diário que acompanhou a minha entrada na idade adulta, foi a companhia de férias de Verão a percorrer locais ermos deste país, foi o meio de informação preferido para acontecimentos nacionais e internacionais que não se esquecem. Não obstante este passado em comum, nenhuma tentativa de reaproximação tem sido bem sucedida e, até hoje, ainda não me tinha apercebido porquê. Foi preciso um texto do João Pinto e Castro para eu ganhar consciência da grande razão que me afasta do Público. A cumplicidade, por assim dizer, que existiu no passado desapareceu. Enquanto leitor, não me sinto bem-vindo nas páginas do jornal e nos seus princípios orientadores. Eu serei, afinal, um desses leitores que o Público deixou para trás. Assim seja, então. Pode sempre acontecer que um dia nos encontremos de novo.

Monday, February 12, 2007

Razões

Existem três factores que não podem ser esquecidos na forma como contribuíram para o resultado de ontem. Algumas pessoas perceberam o preço de ficar em casa. Algumas pessoas perceberam que a anterior vitória do “não” deixou tudo na mesma. Algumas pessoas perceberam que, para quem falava tanto em “vida” e “inocentes”, havia demasiado rancor e má vontade no discurso do “não”. Especialmente este último factor, numa campanha nem sempre intelectualmente honesta e nem sempre respeitosa, foi um dos piores inimigos do “não”. As comparações abusivas e o tom exaltado, por vezes apocalíptico, por vezes virulento, fizeram-se cobrar nas votações. Não há qualquer exagero ao afirmar que a derrota eleitoral do “não” passou muito por aqui.

Sunday, February 11, 2007

11 de Fevereiro

São raros os dias em que este país origina algo que transporte em si uma certa sensação de esperança.

Friday, February 09, 2007

Director

O Público vai proceder a uma mudança profunda da sua imagem depois deste fim-de-semana. Pessoalmente, não pedia tanto. Bastava que mudassem três palavrinhas, na primeira página, ali, logo a seguir a “Director:”. Não era preciso mais nada para eu os ver com outros olhos.

Wednesday, February 07, 2007

Respeito

Os ataques fantasiosos de Marques Mendes a José Sócrates, na sequência do compromisso assumido pelo primeiro-ministro de não mexer na lei do aborto se o “não” ganhar, resultam de um raciocínio falacioso e de muita hipocrisia política. Para quem há bem pouco tempo dizia que o aborto não devia ser um assunto partidarizado, este tipo de tentativa de aproveitamento político é do mais rasteiro que se pode assistir. Para além disso, atesta a facilidade com que alguns políticos distorcem intencionalmente as suas palavras e as dos seus opositores, ou os factos a que elas se referem, à medida daquilo que julgam ser conveniente. Por último, esta ânsia de transformar um “não” num “sim” revela ainda o pouco respeito do líder do PSD pelos resultados eleitorais e pela inteligência dos eleitores. Para quem ainda tivesse dúvidas, Marques Mendes está a deixar bem clara a fibra de que é feito.

Tuesday, February 06, 2007

100x2=50

Depois de ter decidido trocar de barbeiro, esta tarde fui cortar o cabelo a um sítio novo. A certa altura, perto da caixa, duas boas almas cavaqueavam animadamente sobre uns bonecos que uma delas pretendia comprar. Estavam essas boas pessoas, no meio da sua alegria vespertina, absolutamente convencidas que comprando 100 bonecos, a 2 euros cada um, pagariam apenas 50 euros. Repetiram-no várias vezes até que se esgotou a paciência do tipo que me estava a cortar o cabelo. Virou-se para a porta e disse:
“Duzentos euros! Se vão comprar 100 bonecos, e cada um custa 2 euros, vão pagar duzentos euros!”

Pela minha parte paguei mais quatro euros do que antigamente por um corte de cabelo. Há-de ter sido o preço de contactar com o país real.

Sim ou não

A pergunta do referendo não pode ser respondida numa escala de Likert. Não existe a opção de concordar ou discordar moderadamente do que nos é proposto. Só existem duas respostas admissíveis e são mutuamente exclusivas. Ou se concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez ou se discorda. Acima de tudo, se mais de metade dos eleitores decidirem votar, o resultado é vinculativo. Não se pode alterar, ou manter, a penalização ao arrepio da vontade expressa nas urnas. Mesmo que o resultado do referendo não seja vinculativo, não existe qualquer legitimidade democrática em legislar contra a vontade da maioria. Ninguém pode reclamar ser o fiel intérprete das nuances do “não” e do “sim”. Ninguém pode afirmar que a vitória do “não” ou a vitória do “sim” originam resultados diferentes do que, respectivamente, a penalização ou a despenalização das mulheres que abortam. O tema é complexo, mas a resposta que pede é bastante simples.

Eva e a maçã

Muito haveria para dizer sobre a entrevista do médico Daniel Serrão ao JN. Mas este post não é sobre a questão do aborto, centrando-se antes na visão da mulher que sobressai das palavras do especialista em ética da vida e conselheiro do Papa. O médico afirma encarar a mulher que aborta como uma vítima. Mas consegue dizer também, na mesma sequência de ideias, que deve ser definida uma punição, bastando que a mulher “pedisse desculpa à sociedade para arrumar o assunto”.

É verdadeiramente peregrino pensar que deve ser a vítima a pedir desculpa. A menos que, como parece ser o caso, se pense que esta não é realmente vítima. Um pedido de desculpa não é outra coisa senão um pedido de remissão da culpa. E a culpa não está do lado da vítima, mas sim do lado do infractor. A mulher parece ser, deste modo, simultaneamente vítima e delinquente, o que é um tanto ou quanto confuso.

A semana passada, Daniel Serrão contribuiu com um pequeno texto para o DN, onde explicava o seu “não” à pergunta do próximo dia 11. Escrevia ele que após o referendo estaria ao lado das jovens para as ajudar a ser mais responsáveis com a sua sexualidade. Não se sabe se Daniel Serrão se referia às jovens que exploram a sua sexualidade sozinhas ou às jovens que exploram a sua sexualidade com outras jovens, sendo que, em qualquer dos casos, não parece alguma delas corra sérios riscos de assim engravidar. Com efeito, se o médico se queria referir às jovens que devem ser mais responsáveis com a sua sexualidade porque podem engravidar, como estas não engravidam sozinhas, nem umas com as outras, é óbvio que se esqueceu de um elemento importante nesta equação e que são os jovens.

Por vezes, pequenos detalhes como este revelam toda uma forma de pensar o outro, que, neste caso, é a mulher. Esta boa vontade de estar ao lado das jovens e de encarar as mulheres que abortam como vítimas, que convive, aparentemente de forma harmoniosa, com a atribuição de um ónus de culpa, revela uma forma, tão cara à Igreja Católica, de ver a mulher como um agente do mal. Umas vezes perfidamente consciente desse papel; outras ingenuamente seduzida por algo que não consegue compreender bem. Mas, sem dúvida, um agente do mal.

Monday, February 05, 2007

Vermelho e preto


Mark Rothko, Vermelho Claro sobre Preto, 1957

Dicionário alternativo de sinónimos

Criminalizar é despenalizar.
Despenalizar é liberalizar.

Django

A primeira vez que me lembro de ouvir o nome de Django Reinhardt foi num filme de Woody Allen, em 1999 ou 2000. Mas só no ano passado, graças ao programa permanente de intercâmbio cultural que mantenho com o meu irmão, pude finalmente apreciar a música do guitarrista de jazz. E foi apenas este fim-de-semana que descobri que a mão esquerda de Django, aquela com que ele corria o braço da guitarra, tinha dois dedos paralisados.
Quem quer que já tenha acarinhado a veleidade de retirar de uma guitarra algo que se aproxime de uma melodia musical sabe bem as dificuldades que enfrenta. A guitarra é uma excelente forma de se descobrir que a nossa coordenação motora dos dedos, no momento de dominar as seis cordas, se revela de uma insipiência medíocre. Por seu lado, o que Django Reinhardt conseguia fazer continua a ser sublime e inebriante. Um talento que nem o acidente que sofreu nem o tempo conseguiram apagar.

Friday, February 02, 2007

A escola marcelista

Portanto, se a pergunta fosse “concorda com a despenalização da mulher que aborta num sítio todo badalhoco sem condições nenhumas?”, eles votavam que sim. Agora, num estabelecimento de saúde autorizado, não.

Direitos por linhas tortas

Em Setúbal, as crianças de quatro infantários serviram de canal de distribuição para a propaganda pelo “não”. O padre Miguel Alves, responsável pela direcção dos infantários, não compreende as críticas que lhe são feitas e a polémica que se gerou.
O padre Miguel Alves representa um certo tipo de pessoas que defendem a vida – o direito à vida. Certamente, ficam chocadas com os abortos e jamais pretendem ver despenalizada esta prática. Mas o direito das crianças, palavra que lhes enche a boca para falar de fetos de dez semanas, de não serem instrumentalizadas e transformadas em canal de distribuição de propaganda não lhes merece tanta atenção. O direito dos pais de não verem os seus filhos arregimentados para um acto de campanha passa-lhes inteiramente ao lado.
Para estas pessoas, as ideologias são mais importantes do que as pessoas. Os fins justificam os meios. A vida que eles defendem escreve-se com minúsculas e baseia-se apenas numa abstracção.

O Tempo dos Assassinos

Até à invenção da pólvora, com algumas excepções que confirmam a regra, dar a morte a uma pessoa pressupunha uma proximidade entre o homicida e a sua vítima. Nas estradas infestadas de salteadores, nos campos de batalha, no senado de Roma, o assassino e o seu ferro precisavam do contacto físico para levarem a cabo a sua tarefa.
A morte que desta forma tão próxima se oferece e se recebe torna-se muito emocional. Georges Simenon, para o seu comissário Maigret, escreveu sobre isso e os serial killers, mais uma vez, com algumas excepções que confirmam a regra, preferem a arma branca ou as próprias mãos à impessoalidade da arma de fogo. No fundo, o que a pólvora trouxe foi, sobretudo, distância.
No nosso tempo, a morte chega impessoal, cheia de fórmulas e de ciência. Vem da ponta distante de uma pistola ou de uma espingarda. Mas também dos ainda mais distantes desapego e indiferença assépticos.
O Tempo dos Assassinos conta, a partir de agora, com a Arma de Andy Warhol, de 1981, para nos recordar esta realidade.

Fim de mudanças

Salvo alguns retoques ao sabor da criatividade do momento, o novo aspecto do blogue vai passar a ser este.

Thursday, February 01, 2007

Mudanças

Empurrado pelo Blogger, o Tempo dos Assassinos migrou para a nova versão disponível. Os próximos tempos vão ser de experiências. Sinto-me como um míudo com um brinquedo novo.

Salários baixos vs. qualificações

A qualificação tem preço. O salário do trabalhador qualificado representa um custo mais alto do que o do trabalhador desqualificado. Em Portugal pouco se aposta na qualificação. Compreende-se: sai mais caro e implica uma reestruturação dos modelos de organização das empresas. É por isso que, entre outros motivos, tendo Portugal falta de profissionais qualificados, regista taxas altas de desemprego entre os licenciados.
Os salários baixos em Portugal são um facto. Nesse sentido, Manuel Pinho limitou-se a fazer notar o óbvio aos empresários chineses. Mas se os factos são neutros, a leitura política não o é. E entre o argumento dos baixos salários para atrair investimento invocado por Manuel Pinho e a aposta na qualificação dos portugueses, patente nas intenções do QREN, ou mesmo no exemplo do modelo finlandês, anteriormente apontado por José Sócrates, existe uma enorme contradição. Ou se pretende um país que atraia investimento pelos baixos salários praticados ou se pretende um país com níveis de qualificações elevados, as quais se fazem pagar na razão directa da sua excelência. As duas coisas, em simultâneo, é que não.
Contudo, as declarações do ministro, para além de politicamente inábeis, são estrategicamente desadequadas. Portugal até pode pagar dos salários mais baixos na Europa, mas dificilmente pode competir com os salários praticados, por exemplo, nalguns países asiáticos. Mais ainda, se o desígnio para Portugal é a convergência com a média da UE, o caminho não pode passar por atrair investimento com políticas de baixos salários. Pelo contrário, a solução mais viável é direccionar a economia para a criação de mais-valias significativas nos seus produtos e serviços, algo que se consegue com especialização e qualificação. E isto não sai barato.

Imigração

Uma das formas sobejamente conhecidas de aumentar a população e as taxas de natalidade é permitir o crescimento da imigração. Talvez alguém, com toda a calma, o pudesse explicar a Ribeiro e Castro. Mas é de esperar que, no CDS/PP, ninguém queira ouvir falar nisto.