Um post longo, mas interessante, no Mundo Perfeito, sobre os estímulos sexuais masculinos, já mereceu comentários no Womenage a Trois e no Quase em Português. Sobretudo no WaT, já foram apontadas várias falhas à ideia que preside a elaboração do texto. A Isabela tem o mérito de não ter medo de levar o seu raciocínio até ao fim, mas comete o erro de o basear em premissas equívocas e em relações de implicação que são pouco menos que exageradas.
Em primeiro lugar, é bastante arrojado descartar mais de um século de Psicologia e julgar compreender os estímulos sexuais masculinos tendo como suporte um documentário num canal da TV Cabo. O post da Isabela rapidamente parece passar dos japoneses que compram bonecas para todos os japoneses, e destes para os homens em geral, sem qualquer suporte que não seja a mera suposição. Diminui o desejo masculino a formas geométricas, as quais não são seguramente despiciendas, mas ignora totalmente todo o contexto de relacionamento que a Psicologia e a Sociologia já trataram amiúde. Ao contrário do que é postulado, o conteúdo do conceito de mulher não é, de todo, indiferente e não remete exclusivamente para o significado visual. O tipo de relação que se constrói com o outro, seja homem ou mulher, é um dos aspectos mais importantes nas regras da atracção. Mesmo que seja, uma boa parte das vezes, como forma de dominação numa relação de poder. Para além das protuberâncias e das concavidades, que desencadeiam estímulos tanto no homem como na mulher (não sejamos ingénuos), existe toda uma visão do outro, mais real ou mais idealizada, muito notória, por exemplo, no amor romântico, e a qual pode tender a perceber esse outro como um igual ou não. De qualquer forma, mesmo que essa visão não reconheça a igualdade perante o outro e o aproxime do objecto, trata-se de um objecto complexo, consciente, com vontade própria, mesmo que seja para a seduzir, ludibriar ou dominar. Aliás, paradoxalmente, a dominação masculina é um dos bons exemplos de como os homens procuram mais do que bonecas, seres inanimados, ou simples protuberâncias e orifícios. Algo parece não bater certo nessa teoria. Na realidade, por muita saída que as bonecas sexuais possam ter, o relacionamento afectivo, nas diversas formas que assume, ainda domina e parece estar para durar. E isso certamente não se deve apenas aos 5000 dólares que aquelas custam.
Por outro lado, o raciocínio subjacente ao post, ao reduzir a atracção sexual masculina ao estímulo geométrico passa ao lado de todo o processo de sedução e enamoramento, que está por trás da esmagadora maioria das relações sexuais dos nossos dias. Este processo, sobretudo quando conduzido numa perspectiva de reconhecimento e respeito pelo outro como um igual, contradiz factualmente, de forma avassaladora, a argumentação utilizada. Mais ainda, o ser humano é um animal social e cultural. O comportamento de homens e mulheres não corresponde a meros estímulos sensoriais. O behaviorismo está há muito ultrapassado como teoria explicativa do comportamento. O ser humano interpreta os estímulos, interage com os agentes emissores, conota com carga simbólica os comportamentos próprios e alheios. Dito de outra forma, a profundidade do decote diz mais ao homem do que o tamanho dos seios. Além disto, é inegável que as mentalidades, produto e produtoras de cultura por excelência, mudam com os tempos. A nossa época caracteriza-se, ainda, pela dominação masculina, mas a sociedade dá sinais de se estarem a alterar as mentalidades que a suportam, tanto nas mulheres como nos homens. A abordagem behaviorista das regras de atracção sexual masculina nega a perspectiva cultural e a mudança de mentalidades. Nega, essencialmente, a humanidade do homem.
O post da Isabela é feminista no pior sentido que a palavra pode ter. É feminista na forma como diminui o homem e o masculino. Responde ao machismo exactamente na mesma moeda, com preconceito e desconsideração. Nesse sentido, limita-se a perpetuar uma forma distorcida e redutora de ver e de se relacionar com o outro, contribuindo apenas com a inversão do sinal de negatividade. Demasiado esforço para um caminho que não leva, com toda a certeza, à dignificação e à justiça nas relações de género.