""O que é que quer levar hoje?", perguntou ao mesmo tempo que esfregava as mãos. "Uma embalagem de tabaco para cachimbo? Ou prefere uma lata?"
(Era evidente que me considerava um cliente. Muitas vezes atendia o telefone na enfermaria e dizia: "Tabacaria Thompson".)
"Oh, Sr. Thompson", exclamei, "quem é que pensa que eu sou?"
"Meu Deus, há muito pouca claridade aqui, pensei que fosse um freguês. Se não é o meu amigo Tom Pitkins… Eu e Tom (confidenciou em voz baixa à enfermeira) íamos sempre juntos às corridas de cavalos."
"Enganou-se outra vez."
"Pois claro!", exclamou sem se perturbar. "Porque é que o Tom estaria de bata branca? É o Hymie do talho aqui do lado. Hoje não tens manchas de sangue na bata. O negócio vai mal? Não te preocupes, há-de parecer que saíste de um matadouro antes da semana acabar!"
Eu próprio já me estava a sentir arrastado neste redemoinho de identidades e, atrapalhado, enrolei os dedos em volta do estetoscópio que trazia no pescoço.
"Um estetoscópio!", explodiu. "Estavas a fingir que eras o Hymie! Vocês os mecânicos parece que andam para aí a imitar médicos com essas batas brancas e esses estetoscópios – como se precisassem de um estetoscópio para ouvirem um carro a trabalhar! És o Manners, o meu amigo da bomba de gasolina ao fundo da rua. Entra, vens buscar a tua encomenda?…"
William Thompson esfregou de novo as mãos, um gesto típico de comerciante, e olhou em volta à procura do balcão. Como não o encontrou, olhou para mim admirado.
"Onde é que estou?", perguntou subitamente assustado. "Pensei que estava na minha loja. Não tinha a cabeça aqui. O sotor quer que eu tire a camisa para me auscultar como de costume?"
"Não, eu não sou o seu médico do costume."
"Realmente não é. Percebi logo. Não é o meu médico habitual, o que me costuma auscultar. Meu Deus, tem cá uma barba! Parece o Freud. Será que estou louco, enlouqueci?"
"Não, não está louco. Tem apenas um pequeno problema de memória – dificuldade para se lembrar das coisas, para reconhecer pessoas."
"Realmente a memória tem-me pregado umas partidas", admitiu. "Às vezes engano-me, confundo as pessoas… então o que é que leva? A lata ou a embalagem?"
Oliver Sacks, O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu, Relógio d’Água
Tuesday, October 31, 2006
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