Friday, December 15, 2006

“Os espanhóis, com o auxílio de monstruosidades sem exemplo, cobrindo-se de uma vergonha indelével, não conseguiram exterminar a raça índia, nem sequer impedi-la de partilhar os seus direitos. Os americanos dos Estados Unidos atingiram esse duplo resultado com uma maravilhosa facilidade, tranquilidade, legalmente, filantropicamente, sem efusão de sangue nem violação de um único dos grandes princípios da moral aos olhos do mundo. Seria impossível destruir os homens respeitando melhor as leis da humanidade.”
Alexis de Tocqueville

Este pequeno excerto, que Raymond Aron escolheu, entre outros, para ilustrar o pensamento de Tocqueville em “As Etapas do Pensamento Socológico”, estabelece, na sua fina ironia, uma crítica acutilante ao destino reservado para as nações índias nos EUA do século XIX. Mais do isso, demonstra como a admiração por certos traços de uma sociedade – e Tocqueville é sobretudo um admirador das sociedades anglo-americanas – pode e deve conviver com a crítica dura, sempre que esta se mostre justa. Nem admiração cega e incondicional, nem omissão das críticas adequadas.
Inseparável dos esforços de rigor e objectividade do filósofo e do cientista, a conduta de Tocqueville releva igualmente do mais puro exercício de pensamento livre que o Homem pode almejar. Liberdade esta que, paradoxalmente, tanto ao longo do século XX, como no início deste século XXI, foi e continua a ser cerceada pelos seus mais voluntariosos paladinos.