Friday, May 19, 2006

Que um blogue como o Ma-Shamba termine é algo que merece amplas reacções de descontentamento. E mereceu, pelo menos nos comentários do blogue do JPT. Que qualquer blogue, mas sobretudo um blogue com as características do Ma-Shamba, apague os arquivos depois de encerrar a actividade é algo que, tanto quanto me é dado a perceber, ainda não suscitou o amplo debate que merece.

Apagar os arquivos de um blogue parece-se demasiado com queimar livros. Ao publicar um blogue, os textos deixam de estar sujeitos ao escrutínio exclusivo do seu criador. Sendo públicos, obedecem a critérios de apropriação e pertença que lhe escapam em absoluto. Já não se trata da propriedade exclusiva do escritor. Os textos públicos pertencem, em parte, a quem os lê e essa pertença deve recolher algum respeito.

Um segundo aspecto que deve ser igualmente tido em conta é a própria forma que caracteriza a escrita num blogue. A facilidade com que se geram links associados a textos é uma dessas características. Ao apagar um blogue, o seu autor destrói essas ligações. Apesar de não ser o responsável pelos links que encaminham para textos seus, certamente não os ignora. A sua acção, assim, acaba por ter o potencial de tornar outros textos absolutamente impossíveis de compreender, sendo intrinsecamente lesiva do modo de funcionamento em rede da blogosfera.

No momento de extrair conclusões destes pressupostos, não só se torna desconfortável impor a terceiros uma forma de ver e de agir na blogosfera, como é mesmo impossível controlar esses factores. Em última análise, mesmo podendo discutir-se a apropriação dos textos como forma de pertença, a edição do blogue, por razões óbvias, permanece um domínio exclusivo dos seus administradores. Mas pode invocar-se, neste campo, um acordo de cavalheiros, à semelhança dos que já existem e são aplicados todos os dias neste meio. Como meros exemplos, dois casos: na blogosfera criam-se (quase sempre) ligações para as referências do texto ou para as fontes e não se altera o conteúdo de um post sem o devido aviso aos leitores.

Em suma, a decisão de apagar um blogue dependerá sempre dos seus autores e não é razoável que seja de outra forma. O máximo que se pode pedir é uma sensibilização dos autores para as complexas implicações da sua decisão. Muito embora, lamentavelmente, não traga blogues como o Ma-Shamba de volta, uma partilha de entendimento generalizada neste capítulo já seria muito positiva. Um começo, pelo menos.