Friday, March 30, 2007

O buraco

Um homem, quando se encontrava a passear, caiu num buraco do qual não conseguia sair. Ao ver passar por ele um médico, pediu ajuda. O médico passou uma receita, atirou-a para o buraco e seguiu o seu caminho. Mais tarde, passou um padre e o homem voltou a pedir ajuda. O padre escreveu uma oração, atirou-a para o buraco e seguiu o seu caminho. Por último, o homem viu passar um amigo e pediu que ele o ajudasse. O amigo, sem hesitar, saltou para dentro do buraco. O homem, espantado, disse-lhe: “És parvo, ou quê? Agora estamos aqui os dois.” E o amigo respondeu: “Sim, mas eu já cá estive e sei como se sai.”

Wednesday, March 28, 2007

As verdades são para se dizer

Salazar tinha aquele ar distante e austero que têm todas as pessoas com uma vida sexual miserável.

A reacção

Parece que Salazar reuniu 70.000 votos, o que é bastante diferente de dizer que votaram nele 70.000 pessoas. Nas condições em que se processava a votação, cada pessoa podia votar um número de vezes proporcional ao número de telefones que tivesse à mão. Assim não se mede nada. A validade é nula e nem vale a pena perder mais tempo com isso.

O maior interesse desta pequena questão está nas reacções. Há quem se tenha surpreendido, há quem se tenha indignado, há quem considere que se fez justiça e há quem acredite que estamos perante um sinal dado ao regime democrático que vigora. Esta última perspectiva, a dos críticos da III República, é a mais curiosa. Querem fazer crer, e já não é de agora, que o regime está podre, que é licencioso e desregrado. Que faz falta uma mão firme, que isto só lá vai com um espírito disciplinado e sério, que imponha respeito e decoro. O sebastianismo vive. Não faz falta D. Sebastião, como não faz falta Oliveira Salazar. O que faz falta é um Salazar. Isto é, não se trata tanto de um culto de determinada personalidade quanto do culto de um modelo de actuação.

Isto é muito salazarista e é muito português. De resto, a justaposição destas duas características é o maior triunfo da ditadura, ao conseguir, de forma tão indelével, forjar nas mentalidades portuguesas as atitudes sociais de que dependia para sobreviver. Os que criticam e clamam pelo fim deste regime não esperam o retorno de Salazar. O que esperam é que alguém ponha mão nisto. Esperam uma ordem diferente. Esperam que alguém tome a tarefa para si. Esperam, porque isso lhes permite demarcarem-se desta liberdade que não entendem e entregar nas mãos de um só um trabalho que é de todos. Em última análise, querem demitir a população das suas responsabilidades e abrir alas para uma espécie de salvador da pátria e nem sequer percebem que estão a demitir-se simultaneamente das suas responsabilidades e que nada garante que a ordem e a moral desse salvador venham a ser aquelas que advogam.

Não, o problema não está no regime democrático e nas suas liberdades. Está nas pessoas que não sabem viver nele.

A raiz do problema

Afinal, ganhou Salazar. O problema não é da democracia, da nossa democracia, como por aí se diz. O problema é do que as pessoas fazem, ou sabem fazer, com a nossa democracia. E esse problema deve-se, ninguém se iluda, a 48 anos de ditadura salazarista.

Tuesday, March 27, 2007

Cativo

Todos os aconchegos são prisões.

Monday, March 26, 2007

Perigo

Existe um sinal evidente de perigo quando as letras das canções pop das décadas de 80 e 90 começam a ganhar sentido.

Friday, March 23, 2007

Graus de importância

Entre Moçambique e Portugal existem ligações históricas, culturais, familiares, se quisermos passar para um nível mais pessoal, que não é o de menor importância neste caso, que tornam incompreensível o pouco destaque que é dado nos sites noticiosos à tragédia que ocorreu ontem à tarde em Maputo.

Igualdade - casos práticos

Na Alemanha há uma juíza que parece pensar que a doutrina religiosa deve prevalecer sobre as leis do país e que ser agredida pelo marido não constitui motivo para divórcio. Em Portugal, já se sabe, maus-tratos só quando se apanha do marido de forma “reiterada”. Se tiver acontecido, por exemplo, apenas uma ou duas vezes, nem vale a pena pensar nisso.

Thursday, March 22, 2007

Haja paciência

Mas depois, o que é mesmo mau para a democracia é a proibição de fumar em locais públicos.

Separação de poderes

Nos EUA, o Procurador-Geral Alberto Gonzales está a sofrer grande contestação, acusado de estar a levar a cabo despedimentos no sistema de Justiça norte-americano com base em critérios políticos. A ser verdade, não é preciso muito para compreender a seriedade do caso. Contudo, talvez o mais grave nem seja o caso em si, mas o facto de, sensivelmente sete anos depois de Bush e da ala política do partido Republicano que o apoia terem chegado à Casa Branca, notícias destas já não surpreenderem. Chocam, mas não surpreendem. De facto, perto do final de dois mandatos recheados de polémicas em torno do que deve ser o regular funcionamento de um Estado de Direito, é precisamente o género de notícia que se pode esperar.

Tuesday, March 20, 2007

O falso regresso

Tornou-se habitual ouvir dizer que Paulo Portas está de regresso à vida política activa. Trata-se de um equívoco. O regresso implica uma ausência e Portas nunca esteve realmente ausente do palco político. Paulo Portas não regressou, limitou-se a dar a cara. Deixou os bastidores e assumiu finalmente o papel que há muito reservou para si mesmo.

O CDS/PP é uma construção. Portas queria um partido e julgou mais conveniente, muito provavelmente com toda a razão, que isso seria mais facilmente alcançado apoiando-se numa estrutura já existente do que partindo do zero. Por aqui se percebe, por exemplo, toda a distância que o separa de Manuel Monteiro em termos de calculismo e de instrumentalização.

Monteiro foi a figura que testou o sistema e que serviu como ponto de aprendizagem e de afinação da estratégia. Quando a altura foi propícia, Portas tomou conta do projecto que era seu: um partido diferente, com um discurso renovado, preparado para cativar outro tipo de eleitores. Foi já quando a sua estratégia tinha esgotado a sua capacidade de expansão eleitoral que a hipótese de chegar à governação se atravessou à sua frente e que o CDS/PP se impingiu como alternativa para formar uma maioria parlamentar que apoiasse o novo governo.

Essa experiência terminou conforme se sabe e Portas percebeu-o rapidamente, encontrando na saída da liderança do partido a melhor forma de conter os danos pessoais que inevitavelmente se previam para o futuro próximo. Mas o CDS mais tradicional, que nunca simpatizou com Portas, nem com as suas estratégias, e que nunca se reviu no PP ainda se encontrava activo. Telmo Correia foi o escolhido para impedir o retorno desse CDS e falhou a sua missão. Contudo, através de um grupo parlamentar moldado à sua imagem e de toda uma nova geração de notáveis que deve muito da sua carreira política a Paulo Portas, a oposição interna à direcção de Ribeiro e Castro sempre foi uma realidade activa e nunca deu tréguas ao ressurgir do antigo CDS.

Dizer que Portas regressa é, por isso, um grande erro. O seu dedo esteve e está em quase tudo o que o CDS/PP tem passado nos últimos tempos. Simplesmente, agora chegou a altura da guarda avançada encarregue de preparar o terreno abrir alas para que o seu líder dispute o lugar que considera seu por direito natural.

Monday, March 19, 2007

Prognóstico

Ontem passei a manhã na praia a correr atrás de uma bola. Hoje sou uma colecção ambulante de dores musculares. Vá lá, não me doem os dedos das mãos. Talvez seja uma boa semana para o blogue.

Friday, March 16, 2007

Ser e não ser

Quanto mais restritas se tornam as condições de frequência de um determinado meio, menos pessoas se espera atrair. Isto é verdade em qualquer caso que se proponha. Sobem as exigências, desce o número de interessados. O papado de Bento XVI trilha inquestionavelmente esses caminhos.

O que mais surpreende nesta história, contudo, é um movimento intitulado “Nós Somos Igreja”. Surpreende não pelas suas reacções, mas pelo princípio de que parece partir, a julgar pelo nome que adoptam. As pessoas que compõem esse movimento serão fiéis, crentes, católicas, mas não são, definitivamente, Igreja. A Igreja é o Vaticano, a Cúria, as Conferências Episcopais, os Concílios, mas não foi, não é, nem será os fiéis. A estrutura e princípio funcional da ICAR, desde que ela se constituiu como tal, baseiam-se na hierarquização, no elitismo e, até, no despotismo iluminado. A ligação da Igreja aos seus fiéis não é um convite à participação livre e democrática. É um processo de conversão e coerção religiosa e moral.

Compreende-se que haja quem não se reveja nesta Igreja e compreende-se que haja quem pretenda modificá-la. Mesmo admitindo que podem alcançar alguma visibilidade para exporem os seus ideais, falta-lhes o essencial. Na realidade, não têm lugar nas assembleias onde se tomam as decisões relevantes para o futuro da ICAR, nem dominam os mecanismos que possibilitam ocupar esses lugares. Resta-lhes continuar a fazer pressão a partir do exterior, o que é legítimo e necessário, mas não suficiente.

Wednesday, March 14, 2007

Realidades paralelas

Passa uma pessoa meia manhã a ouvir o Fórum da TSF sobre blogues, as possibilidades de participação cívica, o incremento do debate político, a reflexão plural, comunicação social para aqui, produção de conteúdos para ali, o meio e a mensagem e mais não sei o quê… e, vai-se a ver, andamos a discutir a posição do tampo da sanita.

Tuesday, March 13, 2007

Comentários

Na impossibilidade de comentar os meus posts através do Blogger, alterei o sistema de comentários. Ao que parece, perderam-se os anteriores comentários do sistema Blogger, pelo que sinto dever um pedido de desculpas a todos os que aqui têm passado e contribuído para tornar este blogue mais interessante. Havendo possibilidade e capacidade para tal, hei-de recuperá-los para a página do blogue.

Friday, March 09, 2007

Responsabilidade e bom senso

Pode muito bem ser que por trás da proibição de fumo nos restaurantes possa estar “a imposição de um projecto de vida saudável e asséptica”. Não me custa reconhecê-lo e enquadro essa corrente na família de outras, também sobejamente conhecidas, como as vacas sagradas que são o novo, a juventude e a beleza. Mesmo assim, não deixa de me parecer absurdo que se pretenda consagrar o direito inalienável de encher de fumo ambientes fechados e de incomodar e prejudicar terceiros.
No fundo, esta parece ser uma questão que se poderia resumir ao bom senso e à acção responsável. O problema é que, apesar do bom senso e da boa educação levarem a que não se incomode outras pessoas com o fumo do nosso cigarro, quando este é apenas um entre dezenas ou centenas, o princípio da responsabilidade individual dilui-se. Nisso de assumir responsabilidades e de respeitar o outro, convenhamos, sobram exemplos que demonstram não ser este o nosso ponto forte enquanto sociedade. Resta a ideia do policiamento mútuo, a qual, quando associado à delação, se reveste de contornos claramente fascizantes. Mas não de duvide que os indivíduos se vigiam. Toda a ordem social assenta nessa realidade. O que não se pode é pedir que o indivíduo exceda a vigilância social e passe a exercer a função de fiscalização, demitindo-se as autoridades competentes dessa tarefa.

Think small

No jogo de ontem entre o PSG e o SLB, a dada altura, já com o resultado em 2-1, nenhuma das equipas parecia interessada em alterar o rumo dos acontecimentos. O SLB há-de ter pensado que basta marcar um golo no próximo jogo para passar a eliminatória e o PSG há-de ter pensado que basta empatar daqui a uma semana para estar nos quartos-de-final. Um deles vai descobrir que, ontem, devia ter trabalhado mais. O optimismo faz avançar muitos projectos, mas a ambição e a determinação também.

Problemas

De um dia para o outro, por razões que ainda desconheço, deixei de conseguir comentar os posts neste blogue e a própria publicação de textos tem-se mostrado uma tarefa desafiante. Estou a tentar contornar o problema, mas confesso que já tive mais paciência para isto.

Thursday, March 08, 2007

Os outros

Agora, depois da proibição do fumo em restaurantes, eu pergunto-me sobre o que leva os governos a não proibirem as cadeias de fast-food que são, manifestamente, prejudiciais à saúde?

Talvez porque o hambúrguer e a batata frita só fazem mal a quem os ingere e, ao contrário do fumo do tabaco, que se propaga pela atmosfera, não incomodam nem prejudicam mais ninguém.
Parece que é isso, afinal, que está em causa na proibição do fumo na restauração: não a saúde e bem-estar do próprio, mas a dos outros.

As buscas

As pessoas que ganham a vida a traduzir os nomes dos filmes estrangeiros que são exibidos nas salas deste país são conhecidas por disporem de uma margem de manobra muito larga no que toca à fidelidade ao título original. Não foi o caso de Em Busca da Felicidade – The Pursuit of Happyness. Exceptuando um pequeno trocadilho com a grafia do título, compreensivelmente difícil de adaptar, imperou o respeito pela opção dos autores do filme.

Na realidade, o filme poderia muito bem ter outro título. A personagem principal passa as duas horas que a película dura a tentar conseguir um emprego que lhe pague as contas ao fim do mês. Logo a partir do título original, mas também ao longo de diversos momentos no filme, percebe-se que existe uma sobreposição entre felicidade e dinheiro. A busca de um é a busca da outra. Não é necessário recorrer à sabedoria popular, a qual afirma que o dinheiro não traz felicidade, tal como não se deve incorrer em devaneios líricos que neguem a importância do dinheiro e do acesso ao consumo como formas de realização pessoal. Existem, evidentemente, pontos de contacto entre dinheiro e felicidade, mas como a complexidade da existência humana não se esgota nestes dois conceitos, não se pode estabelecer relações de implicação ou de equivalência que não pequem sempre por simplismo.

Apesar dos outros aspectos à volta dos quais o filme gira, o fio condutor principal é o dinheiro, algo que se torna ainda mais notório no epílogo. Ficamos a saber que a personagem principal abriu a sua própria empresa e acabou milionário. Sobre a sua vida pessoal, sobre o casamento, sobre o filho, nada nos é dito. Mas talvez não seja fundamental, porque o mais importante foi alcançado. Um negócio milionário que compensa e faz esquecer os dias a dormir na rua, o casamento arruinado, o infantário medíocre, as humilhações e as privações do dia-a-dia. Perdeu-se, talvez, um filme bastante melhor, mas ganhou-se um bom retrato da mentalidade do nosso tempo.

Wednesday, March 07, 2007

Horizonte


Mark Rothko, Sem título (Preto sobre Cinzento), 1969-70

Friday, March 02, 2007

Do passado e do futuro

As minhas, digamos assim, reservas em relação a Paulo Portas não surgem por ele ser de direita. Surgem porque me parece uma personagem falsa, arrivista e ameaçadora. Paradoxalmente, tudo isto são motivos que prometem muita animação para um blogue. Mas as promessas, já se sabe, são um conceito eminentemente político, sobretudo quando enfiadas na gaveta. Razão tinha o João Soares, que dizia que não fazia promessas - e depois perdeu a CML para Santana Lopes.

Thursday, March 01, 2007