Thursday, August 31, 2006

A força retórica de um argumento não deve ser confundida com as realidades práticas que comprometem a sua lógica

"Dentro de los círculos proto-ortodoxos empezó a hacerse cada vez más énfasis en la necesidad de una estricta jerarquía de autoridad, en la cual el obispo supervisaba el trabajo de presbíteros y diáconos (…), y en lo importante que era garantizar que sólo se permitiera el acceso a esta dignidad a aquellos que entendieran la fe de la manera adecuada. Las habilidades administrativas eran muy valiosas, pero un correcto entendimiento de la Verdad era una condición sine qua non. En el curso de esta evolución, Ireneo, Tertuliano y sus sucesores emplearon el argumento de la «sucesión apostólica» para responder a cualquier afirmación de los gnósticos u otros a propósito de la verdad: nadie excepto los obispos nombrados por los herederos de Cristo podía tener razón sobre las preciosas verdades de la fe.
El argumento sobrevivió incluso al incómodo hecho de que para los siglos II y III ya existían obispos – incluidos obispos romanos – que habían sido declarados herejes por teólogos proto-ortodoxos bienintencionados (y con frecuencia ambiciosos). Pero como cualquiera que esté familiarizado con los debates políticos contemporáneos sabe bastante bien, la fuerza retórica de un argumento no debe ser confundida con las realidades prácticas que comprometen su lógica."

Bart D. Ehrman, Cristianismos Perdidos, Ares y Mares, 2004

Tuesday, August 29, 2006

Segundo o Jornal de Notícias (via Bloguítica), a GNR e a PSP utilizam uma tabela de conversão para apurar o grau de álcool no sangue dos condutores. Levantou-se, assim, uma dúvida sobre o valor efectivo a partir do qual um condutor se encontra a infringir a lei, o que acaba por ser uma polémica desprovida de sentido.
Um aparelho de medição, seja ele analógico ou digital, tem sempre um erro de medição associado. Este não resulta do seu mau funcionamento, ou da falta de homologação (a qual garante que o aparelho cumpre as normas e os requisitos definidos previamente), mas da sua natureza enquanto aparelho medidor. Não há medições perfeitas, por isso torna-se fundamental aferir uma margem de erro, algo que se aprende a fazer no primeiro ano de muitos cursos de engenharia.
O único aspecto aqui que merece ser notícia é o estado dos aparelhos de medição e a confiança que eles oferecem às autoridades. No seguimento do que o JN publicou, seria interessante apurar estas informações, ouvindo o MAI, a DGV e os elementos da PSP e GNR que trabalham com estes aparelhos. De qualquer forma, em caso de dúvida, existem sempre a solução dos testes sanguíneos, não porque estes possuam uma base científica superior à que suporta os aparelhos das brigadas, mas, certamente, porque a maior confiança que oferecem advém de serem realizados com aparelhos que possuem margens de erro bastante menores, às quais não são imunes.

As multidões cabem onde quer que se crie espaço para as acolher. Compreensivelmente, não se pode perder a dor da vítima, não se lhe pode ficar sequer indiferente. Apesar disso, não se conhece a dor da vítima em toda a sua profundidade enquanto não se conhece o que a motivou. E, sobretudo, não se pode dizer que quando se observa um dos lados desta balança se perde irremediavelmente o outro. Nem se trata de uma questão de menosprezar a humanidade da vítima ou do criminoso, mas de não renunciar à nossa.
Agora, pode sempre não se seguir este caminho. Até é mais fácil não o fazer. Quando temos as nossas categorias bem delimitadas e hermeticamente fechadas o mundo encaixa muito melhor.

A UE está preocupada, e bem, com a igualdade de oportunidades. Por isso, prepara-se para implementar uma campanha de sensibilização apostada em salientar a riqueza da diversidade, a qual deverá ser ainda suportada por uma cimeira europeia.

Uma das vertentes desta preocupação passa pela não discriminação em função da idade. O problema da discriminação etária não se resume ao mundo do trabalho. A discriminação etária é transversal aos mais variados campos das sociedades modernas. Talvez potenciada pela intensidade do ciclo de obsolescência e renovação das tecnologias, é bastante reconhecível uma atenção especial dedicada não só às novidades, mas também ao que é novo. A este facto não fica alheio o capital humano. De uma forma geral, as sociedades modernas não sabem como integrar os seus idosos, nem são capazes de elaborar estratégias de participação activa dos idosos no quotidiano. Não se trata apenas de uma exclusão ao nível laboral e de uma exclusão ao nível económico, mas antes de uma exclusão social alargada, de um afastamento dos circuitos de participação e de convivência social.

Há todo um paradigma que precisa de sofrer uma profunda alteração. Para um problema que assume estas proporções, uma campanha de sensibilização é muito pouco. Sobretudo se não se traduzir, e a experiência não nos leva a crer que o faça, em medidas concretas. O que se torna premente são estratégias vinculativas de inclusão, quer passem pelo fim da discriminação no local de trabalho, quer passem pela reconversão de equipamentos de apoio que funcionam como guetos sociais, quer passe pela simples obrigatoriedade de se equacionar os problemas de mobilidade que tantas vezes constituem uma barreira física e social para os idosos.

Há muito para fazer. A UE decidiu começar pela publicidade. Talvez pudesse ter começado melhor.

Sunday, August 27, 2006

Não sei se tenho jeito para levar a minha avante. Sei que tenho uma certa dose de paciência para aguardar uma ocasião mais oportuna. Ao contrário do que possa parecer, isso nem sempre é bom.

Early morning god damn it

Espero que a blogosfera não passe ao lado do facto de eu hoje ter acordado mais cedo que o Pacheco Pereira.

Saturday, August 26, 2006

No fim-de-semana em que começa o campeonato de futebol, ainda não se sabe a lista completa de equipas que o vão integrar. Isto não será muito importante quando comparado com todos os outros problemas que assolam o país, mas é bastante sintomático.

"Há língua-da-sogra! Quem quer a língua daquela malvada?", disse o vendedor ambulante.

Thursday, August 24, 2006

Guerra ao terror reforçou posição do Irão enquanto potência regional

Mais uma profecia no bom caminho.

Perante o abismo, um passo em frente

Como provocação barata e de muito mau gosto, houve quem tenha chegado a dizer que alguma esquerda se congratulava com o terrorismo fundamentalista que eclodiu no seio dos EUA e da Europa. Embora seja perigoso deixar a paranóia com rédea solta, pois corre-se o risco de passar a tomá-la pela realidade, tais disparates não mereceram nem merecem grandes considerações. De certa forma, ceder a este tipo de provocação seria reconhecer-lhe um estatuto de argumentação válida, o qual, manifestamente, lhe falta.

Hoje, mais do que logo após o 11 de Setembro, ou o 11 de Março, ou o 7 de Julho (curiosamente, os atentados diários no Iraque e as centenas de mortos na Índia e na Indonésia, por exemplo, ficam quase sempre fora destas contas), perante um coro crescente de críticas à guerra no Iraque e à putativa melhoria da segurança mundial, os apologistas da intervenção militar parecem clamar por mais uma desgraça de proporções desumanas para justificar a sua visão ultra-securitária. Não lhes interessa que tudo o que têm defendido desde que os EUA mostraram a ânsia de entrar no Iraque se tenha desmoronado com estrondo. A única teoria do dominó que tem funcionado tem sido a dos erros grosseiros e dos falhanços sucessivos nos quais a guerra no Iraque e a política externa dos EUA têm sido prolíficas.

Contra a mais pequena centelha de bom senso, as vozes do costume gritam por mais do mesmo. Compreende-se: está em curso uma das maiores self-fulfilling prophecies de sempre. Apostados em perseverar na sua estratégia, que apenas tem mostrado provocar maior instabilidade e insegurança, hão-de colher o amargo fruto que tantas vezes previram nas suas análises.

Entretanto, jogam com as vidas dos civis envolvidos nos seus jogos de poder e jogam com a vida dos militares que cumprem os seus caprichos. Quantos mais sofrerem, mais facilmente se provará que tinham razão.

Wednesday, August 23, 2006

Procurar respostas sem querer fazer perguntas.

Your eyes forever glued to mine

Placebo, Blind

Friday, August 18, 2006

Rejubilai! Pela primeira vez em não sei quantos anos todas as equipas do primeiro escalão do campeonato nacional de futebol vão ser treinadas por portugueses. É difícil esconder o êxtase. Ainda hoje, o comentador da TSF, num assomo de originalidade, recordava que "o que é nacional é bom" e acrescentava, para melhor defender os interesses do treinador português, que Co Adriaanse veio treinar para Portugal sem ter ganho qualquer título.

Ora, neste registo de demagogia barata também se poderia afirmar que uma boa parte dos treinadores portugueses que vão começar este campeonato à frente de equipas da 1ª Liga também nunca ganharam nada de jeito. Tal como se poderia afirmar que o número de portugueses a liderar equipas técnicas de clubes de referência por esse mundo fora se pode contar pelos dedos de uma mão, sendo que talvez sobrem mais dedos do que aqueles que são precisos para os contar.

Mais razoável seria reconhecer que os clubes portugueses não têm capacidade financeira para pagar a treinadores estrangeiros, muito menos se estes estiverem habituados a trabalhar nos melhores campeonatos europeus, nem o campeonato nacional, pela sua fraca qualidade, tem capacidade de atrair treinadores que aspirem a uma carreira de relevo.

Contra esta triste realidade, há quem prefira erigir uma bonita ilusão patriótica. Mas esta, no fundo, não passa de apenas mais uma versão dessa nacionalíssima característica que é o provincianismo.

Contam os livros de História que, durante a Guerra do Peloponeso, os Atenienses teriam afirmado aos habitantes sitiados da cidade de Mélio que "os fortes fazem o que têm poder para fazer e os fracos aceitam o que têm de aceitar".

Muito tempo depois, já em pleno século XVIII, Jean-Jacques Rosseu escreveu sobre o direito do mais forte:
"Consideremos um momento esse pretenso direito. Penso que dele apenas resulta um imbróglio inexplicável, pois, sempre que é a força que faz o direito, o efeito muda com a causa; qualquer força que se sobreponha à primeira sucede ao seu direito. A partir do momento em que se pode desobedecer impunemente, pode-se desobedecer legitimamente, e, visto que o mais forte tem sempre razão, apenas importa conseguir ser o mais forte. Mas, afinal, que é um direito que desaparece quando a força cessa? Se se tem de obedecer pela força, não é preciso obedecer por dever e, se não se é forçado a obedecer, já não se é obrigado a obedecer. Vemos portanto que esta palavra ‘direito’ não acrescenta nada à força; neste caso, não significa absolutamente nada.
(…)
Convenhamos portanto que não é a força que faz o direito e que apenas se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos."


Uma vez dissociada a noção de poder da noção de legitimidade, resulta que apenas quando estes dois conceitos se reúnem se afigura perfeitamente justificado o exercício do primeiro. Caso contrário, a legitimidade passa a estar do lado dos que se recusam a obedecer.

Diz-se que só existe moralidade quando existe a possibilidade de escolha. Ninguém é obrigado a cumprir o impossível, mas também é verdade que raras vezes uma situação se apresenta realmente sem possibilidade de escolha. Os princípios morais acompanham as nossas acções e a utilização do peso do contexto como argumento justificativo é, muitas vezes, apenas uma forma de desculpabilização. Uma desculpabilização que Sartre apelidou de má fé. O simular de uma necessidade, de uma força maior, quando, eventualmente, tudo se pode reduzir a uma opção pessoal. O ser humano não pode ser entendido fora do seu contexto social, separado das suas circunstâncias, mas também não pode ser entendido fora do seu livre arbítrio. Algo que é válido para o criminoso, para a vítima, para o juiz e para o algoz.

Thursday, August 17, 2006

No que diz respeito aos voos mais que suspeitos da CIA, Portugal, ou o seu governo, talvez pouco pudessem usar para pressionar os EUA a não usar as bases das Lages como escala. Além disso, é necessário recordar que se trata de um país com quem Portugal mantém laços de amizade e alianças estratégicas no que diz respeito à defesa e à economia. Pode ainda evocar-se que, caso o governo português recusasse o espaço aéreo nacional a tais voos, algum outro país estaria na disposição de os aceitar, o que nos levaria a perder influência junto dos EUA e, até, a sofrer alguma espécie de retaliação diplomática ou económica, sendo preteridos como parceiros estratégicos num futuro próximo. Pode equacionar-se a delicada posição de Portugal nestes termos e aceitar uma certa dose de tolerância perante algumas violações das convenções internacionais e das mais básicas regras de respeito pelo ser humano.

Na realidade, isto é o que, com alguma hipocrisia, se pode apelidar de realismo; e o que, com bastante realismo, se pode apelidar de hipocrisia.

Porque também se pode afirmar, com toda a propriedade, que a luta contra o terrorismo, especialmente o que nos aflige neste tempo, passa por ser um confronto ideológico. O terrorismo de cariz fundamentalista submete os meios aos fins a alcançar e legitima o uso da violência na tarefa de os atingir. Contra esta ideologia, sem prejuízo de uma melhoria significativa da segurança dos seus cidadãos, as democracias ocidentais deviam cerrar fileiras em torno dos princípios fundamentais que tanto lhes custou a conquistar. Princípios como o Estado de Direito e o respeito pelas garantias que assistem a qualquer pessoa, independentemente das suspeitas que sobre ela recaiam.

Ao afirmarem sem complexos os traços característicos da sua identidade, as democracias ocidentais assumem a melhor forma de combate ideológico de que dispõem. A outra hipótese é deixarem-se corromper, mais ou menos lentamente, em nome de uma luta que afirmam travar precisamente contra uma ideologia que serve de suporte a todo o tipo de atrocidades.

Voltei.