Tuesday, January 31, 2006

Tanta agitação com a chegada dos mediáticos à blogosfera. E eu que pensava que a principal vantagem desta era, precisamente, ecoar a voz dos que não engrossam as colunas dos meios de comunicação social. Discute-se muito se o país está 15 anos atrasado, 25 anos atrasado, 50 anos atrasado... Por vezes parece que nunca deixámos verdadeiramente o feudalismo.

Durante o dia de hoje as temperaturas máximas vão subir, enquanto as mínimas permanecerão baixas. Isso quer dizer que o dia vai parecer menos desagradável, mas a noite vai manter o mesmo frio.

Monday, January 30, 2006

As conversas do dia rodaram todas à volta da neve ou do jogo. Se as segundas-feiras já não tinham fama de dias agradáveis, esta ganhou um lugar especial entre os dias tormentosos.

Há alguns anos, o Porto foi trucidado pelo Barcelona num jogo a contar para as competições europeias. Desse jogo recordo Ronald Koeman a avançar pelo meio campo do Porto sem encontrar oposição, a rematar na passada, ainda a uma distância muito considerável da baliza, e, depois, a trajectória da bola, cheia de força e colocação, até se aninhar no canto superior da baliza, fora do alcance de Baía. Se não fosse por mais nada, estaria eternamente grato a Koeman por esse golo magnífico.

Mas há mais para lhe agradecer. Para um adepto como eu, os últimos anos do Benfica têm sido penosos. Más direcções, maus jogadores e más exibições seguidos de más exibições, maus jogadores e más direcções. Os resultados eram sempre incertos, mesmo em casa ou contra equipas do fundo da tabela. O distanciamento emocional era o refúgio de sanidade para tanta desgraça reunida num clube só.

Mesmo o campeonato dos penalties ganho por Trappatoni teve um sabor amargo. Saber que a história há-de registar que o fim do jejum se deu quando aos comandos do clube se encontrava a dupla Vieira/Veiga é algo que só pode custar a quem gosta do clube e acha que este merecia mais nessa sua hora de glória.

Mas, esta época, Koeman, com todas as limitações que já demonstrou como treinador, conseguiu acrescentar algo ao Benfica. O ex-jogador do Barcelona pôs a equipa a praticar um futebol muitas vezes agradável e deu rendimento a jogadores que se tinham eclipsado. Não desbaratou o capital de fé dos adeptos herdado de Trappatoni, mantém a equipa a lutar pelo título e alcançou mesmo alguns resultados vistosos.

Com essa mistura de resultados e exibições, Koeman devolveu-me o prazer de acreditar que o jogo em casa contra o Sporting seria um passeio no parque. A vitória era certa e a goleada não estava fora de questão. A verdade foi outra. O Benfica jogou muito mal, levou três em casa e perdeu justamente o jogo, o que me fez sofrer amargamente durante os noventa minutos do desafio e mais alguns após. Por esse sofrimento típico de quem esperava precisamente o oposto, estou-lhe muito grato. Sim, tenho que lhe agradecer a alegria do renascer da ilusão.

Ontem, pela primeira vez em meio século, nevou em Lisboa. Nevou bastante, como se pode confirmar pelas imagens na televisão. Aliás, as imagens televisivas foram o único meio através do qual eu pude ver a neve em Lisboa, uma vez que tinha saído da cidade. Ainda não sei muito bem como, mas este desencontro vai repercutir-se na minha vida de alguma forma.

Correio dos leitores:

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Monday, January 23, 2006

"Habituem-se", lá disse o outro.

"Eu lembro-me bem", disse o eleitor derrotado para justificar não votar em Cavaco.

Primeiro-ministrozinho.

Tuesday, January 17, 2006

Os que sempre foram contra a intervenção militar no Iraque foram muitas vezes apelidados de anti-americanos primários e acusados de comprometerem, com o seu pacifismo, como então se dizia, os nossos valores civilizacionais. Não faltou, nesses dias e daí para diante, quem tenha continuado a defender a política externa dos EUA, nomeadamente as vantagens do militarismo. Entre os que apadrinham esta linha de acção contam-se bons ideólogos, pelo que não é de estranhar que a tarefa de ordenar o discurso oficial tenha sido levada a cabo com cuidado. Palavras como terrorismo, guerra e liberdade têm sido incansavelmente repetidas. O objectivo é óbvio e as conotações são claras. Por um lado, numa guerra existem sempre os nossos e os deles, o que foi enfatizado praticamente desde o 11 de Setembro. Existiu e continua a existir uma tentativa de redução da realidade a dois campos perfeitamente distintos e antagónicos. Por outro lado, ao bramir palavras como terrorismo e liberdade colocam-se em cima da mesa opções perante valores morais amplamente consensuais nas nossas sociedades. Quem gostaria de ver-se automaticamente identificado com organizações terroristas ou como inimigo da liberdade? Estas concepções reforçam-se mutuamente e tendem a criar uma bipolarização que não tem outra finalidade que não seja a de obter apoio, quer seja popular quer seja político, para a prossecução do intervencionismo militar.

Entretanto, têm-se sucedido revelações sobre episódios que são tudo menos dignos na actuação militar no Iraque, assim como uma regressão nas liberdades, direitos e garantias dos cidadãos soba alçada do governo dos EUA. Ilustram estes casos os abusos perpetrados em Abu Grahib, a situação dos prisioneiros em Guantanamo, a existência de prisões secretas em solo europeu e, mais recentemente, a revelação de escutas telefónicas conduzidas sem autorização judicial. Qualquer uma destas situações prefigura um abuso cometido em nome da luta contra os abusos. O paradoxo é evidente.

Fazendo vista grossa a este paradoxo, mesmo perante as claríssimas faltas à verdade que serviram de justificação à guerra e os conhecidos abusos subsequentes, existe ainda quem se mantenha fiel a tal linha de actuação. Argumentam, até, que as críticas ajudam os interesses do terrorismo e associam a compreensão do fenómeno com a sua justificação. Ora, compreender não é justificar. Criticar um dos lados não implica necessariamente uma identificação com o outro. Censurar Hiroshima, Nagasaki e Dresden não pode ser considerado como uma defesa do que a Alemanha ou o Japão fizeram durante a Segunda Grande Guerra. Pelo contrário, é porque se criticam os bombardeamentos que tinham como único alvo a população alemã e japonesa que se pode igualmente criticar os sofrimentos infligidos pelos seus respectivos regimes aos povos ocupados nesse período. A moralidade não se pode reduzir aos lados de uma contenda mas sim aos actos por eles praticados. Evidentemente, o mesmo raciocínio aplica-se ao que se passa agora no Iraque, em Guantanamo ou nos EUA. É precisamente porque criticamos todas as mentiras e todos os abusos que têm sido cometidos que podemos indignar-nos com os atentados em Nova Iorque, Madrid e Londres, mas também com os que ocorreram e ocorrem em Israel, na Indonésia, no Iraque ou em qualquer outro lugar. A rejeição da violência, dos fundamentalismos e dos totalitarismos, para ser peremptória e inequívoca, tem de começar dentro das nossas fronteiras. Se optamos por abdicar das liberdades que alcançámos, afinal o que estamos a defender?

Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
Não adormeças em frente ao computador.
...

Tuesday, January 10, 2006

Corram aos PPRs!

Um dia, não há muito tempo, perguntaram-me se eu praticava uma auto-censura no blogue. Não me recordo se enfatizei suficientemente a resposta afirmativa.


Vincent van Gogh, Campo de Trigo com Ciprestes, 1889

Monday, January 09, 2006

Num daqueles programas idiotas sobre celebridades, a locutora, num tom jovial mas convicto, afirma que Kate Hudson tem uma personalidade e uma presença tão intensas que quase nos esquecemos de como é bonita.

Estes programas, perfeitamente idiotas – nunca é demais repeti-lo –, têm, no entanto, uma vantagem. Neles, os valores dominantes que o cinema e a televisão veiculam incessantemente encontram-se hipertrofiados, sendo, por isso, mais fáceis de detectar.
Um quadrilátero que tem como vértices o aspecto físico, o dinheiro, a moda e a conformação/correspondência com o sistema vigente.

Não há lugar para excepções à regra. Mas como todas as regras admitem excepções, o sistema encarrega-se de as proporcionar, para que o todo mantenha a sua aparência. Todas as excepções são meros simulacros fabricados pelo sistema, que aproveita para definir também o que é admissível como excepção. Os que se situam objectivamente à margem deste sistema não participam nele. Nunca os chegamos a conhecer. Mais do que esquecidos, foram sentenciados à inexistência.

Saturday, January 07, 2006

Se se passar tempo suficiente a observar a marcha dos segundos num qualquer relógio, é praticamente inevitável que não sobrevenha, pelo menos, uma profunda melancolia.

Thursday, January 05, 2006

"A vida do passado no presente conhece, para além das modalidades da testemunha e do historiador, a do comemorador. Tal como a testemunha, o comemorador é movido sobretudo pelo interesse; mas, como o historiador, produz o seu discurso no espaço público e apresenta-o como estando dotado de uma verdade irrefutável, longe da fragilidade do testemunho pessoal. No seu caso, fala-se por vezes de 'memória colectiva', embora essa designação, como observou por diversas vezes Alfred Grosser, seja embaraçante: a memória, no sentido dos vestígios mnésicos, é sempre e exclusivamente individual; a memória colectiva não é uma memória mas um discurso que evolui no espaço público. Esse discurso reflecte a imagem que uma sociedade ou um grupo no seio de uma sociedade pretende dar de si mesmo."

Tzvetan Todorov, Memória do Mal, Tentação do Bem

Wednesday, January 04, 2006

Um dia, no futuro, Manuela Ferreira Leite vai voltar a candidatar-se a um cargo político qualquer. Toda a gente há-de encher a boca para louvar o rigor das suas medidas para suster o défice e poupar às gerações vindouras o pagamento das facturas do presente. Funciona assim a memória colectiva.

Katharine Clifton: My darling, I'm waiting for you — how long is a day in the dark, or a week? The fire is gone now, and I'm horribly cold. I really ought to drag myself outside but then there would be the sun. I'm afraid I waste the light on the paintings and on writing these words...
We die, we die rich with lovers and tribes, tastes we have swallowed, bodies we have entered and swum up like rivers, fears we have hidden in, like this wretched cave...
I want all this marked on my body. We are the real countries, not the boundaries drawn on maps with the names of powerful men. I know you will come and carry me out into the palace of winds. That's all I've wanted — to walk in such a place with you, with friends, on an earth without maps. The lamp has gone now and I’m writing in the darkness.

Não tenho nada para dizer que não possa esperar.