Wednesday, March 08, 2006

Não é muito difícil acreditar que as urgências hospitalares atendem casos que, em rigor, não deveriam por lá passar. Da mesma forma, compreende-se bem que, se se dificultar o acesso às urgências, estas, em teoria, funcionarão com maior à-vontade. Ou, em alternativa, se a barreira de acesso que se introduz através do aumento das taxas moderadoras não resultar, sempre se vai aumentado a receita, o que vem a calhar nestes tempos de complicações orçamentais.

Isto é bastante transparente, mas igualmente claro é que existem outras soluções, de natureza estrutural, que permitem obter os resultados desejados com maior equidade social. Criar barreiras que passam pelo poder de compra só atinge quem não o tem. Trata-se de uma medida que atinge os que, já de si, terão menos possibilidades de zelar pela sua saúde em casa; e muito menos de recorrer aos seguros de saúde agora tão em voga.

Uma solução socialmente mais justa seria a aposta nos cuidados primários, ou seja, nos centros de saúde. Mas os centros de saúde não dispõem de instalações adequadas, nem dos equipamentos necessários para uma grande variedade de prestação de cuidados, nem de pessoal para os levar a cabo, nem cobrem satisfatoriamente as populações em termos da sua distribuição geográfica e do seu horário de funcionamento. O Ministério da Saúde sabe-o, tal como os utentes o sabem também. E é por isso que vão enchendo as urgências hospitalares com problemas de saúde que deveriam ser resolvidos a outro nível de actuação.

Mexer no funcionamento do SNS dá muito mais trabalho do que aumentar as taxas moderadoras. Compreende-se a opção. Compreende-se mas não se recomenda. Para mais, Correia de Campos é, seguramente, um dos maiores conhecedores do sector, pelo que sancionar esta solução releva mais da sua estratégia para o SNS e da sua visão sobre a justiça social e sobre o papel do Estado na prestação de cuidados de saúde do que da mera incompetência. Concomitantemente, é elucidativo sobre a sua visão do papel dos privados nos cuidados de saúde.

Cobrar por serviços que funcionam deficientemente é, no mínimo, uma opção muito discutível. Não beneficia o utente nem beneficia as unidades de saúde e os seus profissionais. Mas é mais fácil do que trabalhar para um SNS bem articulado e mais eficiente.