Fim
"Aliás, são sempre os outros que morrem." - Marcel Duchamp
A responsabilidade por um crime pertence inteiramente aos seus autores. Mas os erros sucessivos que levaram a este clima de instabilidade no Iraque e aos massacres diários têm outros responsáveis. São as mesmas pessoas que não só mentiram para justificar uma guerra, como nem sequer souberam planear decentemente a sua intervenção, de forma a impedir o florescimento da violência que se previa com facilidade. O sangue não lhes suja as mãos, demasiado ocupadas a assinar contratos.
Publicado por Miguel Silva às 11:47 |
Que nome se dá a uma sociedade que vive num receio constante de ser vítima de atentados terroristas? A esta pergunta já alguém respondeu, em tempos, Israel. Hoje, cada vez mais, a resposta a essa pergunta é, evidentemente, Iraque.
Publicado por Miguel Silva às 11:28 |
Felizmente, os problemas do Benfica são facilmente identificáveis e resumem-se a três: o seu presidente, o seu treinador e a sua equipa.
A minha preferência para a ordem de prioridades passa por transformar, o mais cedo possível, o Santos num mártir. O resto virá a seu tempo.
Publicado por Miguel Silva às 11:45 |
Pela amostra de ontem, esta época o futebol do Benfica vai ter a mobilidade e a imaginação de um menir.
Publicado por Miguel Silva às 11:43 |
Pois, há quem goste de chegar cedo, reservar, correr, rezar. Eu gosto de atravessar a rua e sentar-me. É a diferença entre gostar do bulício da cidade e gostar da cidade. Até porque as cidades estão muito longe de se esgotar no seu bulício.
Publicado por Miguel Silva às 10:14 |
Um grupo de investigadores desenvolveu uma pilha que funciona com sangue e suor humano. Curiosamente, estava convencido que algo semelhante já existia pelo menos desde a revolução industrial e que se chamava assalariado.
Publicado por Miguel Silva às 09:34 |
Caricaturalmente, costuma dizer-se que existem três tipos de mentiras: mentiras, malditas mentiras e estatísticas. A estatística, que tem vindo a ganhar popularidade como ferramenta essencial das ciências sociais, pertence, de facto, ao ramo de conhecimento das matemáticas. Como não existe a tradição de apelidar de mentirosa a disciplina da matemática, deve entender-se que a desconfiança perante a estatística advém sobretudo da má fama das ciências sociais e que estas duas decorrem do desconhecimento geral sobre os fundamentos quer da primeira quer das segundas.
O governo divulgou recentemente os tempos de espera na Saúde. No Zero de Conduta, o Pedro Sales notou não só que existe uma diferença entre falar de tempo médio de espera e tempo mediano de espera, mas também que o cálculo do segundo tem sido claramente favorável ao Ministério da Saúde.
A média é talvez o conceito estatístico mais divulgado. Contudo, a média é um indicador muito sensível a valores aberrantes. Por esse motivo, sempre que se detectem esses casos, é aconselhável trabalhar com a média aparada a 5%, da qual se excluem os valores superiores e inferiores, trabalhando-se exclusivamente os restantes. É importante perceber que a média, tal como a mediana, é uma medida de tendência central, sendo essa a razão pela qual se reduz a distorção introduzida pelos valores extremos no cálculo da média recorrendo à média aparada.
Por seu lado, a mediana é o valor da sucessão que tem tantas observações à sua esquerda como à sua direita. A mediana ignora, de facto, o peso dos valores aberrantes e pode servir como uma medida de tendência central mais rigorosa do que a média.
Mas, se em termos estatísticos isto é verdade, em termos políticos, técnicos e humanos existe uma outra vertente a ser considerada. Não nos podemos esquecer que estamos a falar de tempos de espera no acesso a um cuidado de saúde. Os valores aberrantes, que podem ser tempos de espera muito longos ou muito curtos, são, nesta óptica, muito relevantes. Neste caso, o tempo de espera muito curto deveria ser o objectivo do sistema, pelo que são os tempos de espera muito longos que assumem maior importância, pois correspondem a casos clínicos concretos, a utentes do SNS, pessoas com um nome, uma família e um problema de saúde por resolver.
A estatística não devia ser uma arma de arremesso em guerras políticas, nem um meio de tornar mais opaca a realidade – ao arrepio da sua primordial função que é dá-la a conhecer da forma mais transparente possível. Num mundo ideal, existiria uma ética na divulgação deste tipo de dados, fornecendo a maior informação possível e deixando que a discussão pública decorra a partir de bases firmes. E o governo sempre se poupava às acusações de andar a escolher os indicadores que lhe são mais convenientes.
Publicado por Miguel Silva às 13:47 |
...ou Grandes momentos da imprensa nacional
Na edição de hoje do DN:
Pág 4 e 5 – PJ aperta o cerco à Praia da Luz e reforça buscas
Pág. 12 – “El Solitario” queixa-se de abusos sexuais na cadeia; Rapazes eram assediados sexualmente pela Net e SMS; Minstério Púlico de Lisboa está a receber menos crimes
Pág. 13 – Acidente mata família de emigrantes em França
Pág 18 – Assaltadas duas agências bancárias em Cerveira e Vizela; Bombeiro morreu em estrada de alto risco; Carro incendeia-se na A4; Homem colhido por comboio; Incêndio destrói armazém; Trio armado assalta loja; Assaltou bomba de gasolina
Pág. 19 – PJ atenta aos assaltos a McDonald’s do Norte; Centenas de amigos na despedida de Joel
Pág. 20 – GNR desconfia de organização nos assaltos a autarquias locais; Tinha plantação de droga num anexo da casa da mãe; Detido homem que “fabricava” armas ilegais; Discussão leva polícia a disparar sobre condutor
Pág. 21 – Atiram carro contra porta do Almada Forum; Cinco encapuzados assaltam posto dos CTT; Detido por violar prisão domiciliária; Homem preso com quase 200 munições; Bombeiro ferido em combate a fogo
Publicado por Miguel Silva às 19:54 |
O presidente é o antigo primeiro-ministro. O primeiro-ministro é o antigo presidente - com o pormenor de não ter ganho as eleições. A estabilidade é muito bonita. O respeito pela vontade dos eleitores pode ficar para mais tarde.
Publicado por Miguel Silva às 11:09 |
Na sequência dos posts que o Lutz Bruckelmann dedicou ao Museu de Berlim, ao lado dos comentadores mais habituais no Quase em Português surgiram uma série de outros comentários que se afastam radicalmente do nível habitual para aqueles lados. Esses comentários oscilavam entre o proselitismo e o ressentimento, tendo em comum a recusa dos números geralmente avançados na sinistra contabilidade dos mortos no Holocausto.
A questão dos números, embora não seja, de todo, a mais importante, não pode ser simplesmente ignorada. Costuma dizer-se que um morto é uma tragédia, cem mil mortos são uma estatística. A substância contida nesta sentença é a de que uma vida pode ser sempre reconduzida à sua história, aos que lhe são próximos, ao que deixa para trás. Mas um exercício desta natureza é virtualmente impossível quando o número de vítimas aumenta exponencialmente. Existe, de facto, uma dupla impossibilidade. Em primeiro lugar, porque é absolutamente impossível reter na memória a história de vida de cem mil pessoas. Em segundo lugar, porque, se o fosse, o sofrimento associado à memória das vítimas, das suas vidas destruídas, das suas famílias desfeitas, da sua obliterada dignidade, seria humanamente insuportável.
A mecanização das fábricas de morte que caracteriza os campos de extermínio surge não tanto pelo apego nazi à ordem – apego, já de si, bastante sobrevalorizado – mas antes pela ameaça que os fuzilamentos dos esquadrões de morte representavam para o moral dos homens neles envolvidos. Ao encarar de frente os olhos das vítimas sobressai a vida, a individualidade, eclipsando-se o número e a abstracção.
Focar a atenção, quando se fala nas mortes associadas ao nazismo, nos números e na confiança que eles merecem é falhar o que é mais importante nesse período negro da história mundial. Apurar os números correctos é tarefa para historiadores sérios e empenhados. Mas existe uma visão mais abrangente do que os números, que ultrapassa a disciplina da história e pertence, acima de tudo, aos domínios da filosofia e da moral. Os números assumem uma importância secundária quando comparados com o aspecto que constitui a essência do terror nazi: o processo.
O processo de actuação nazi, fundamentado na sua fantasiosa ideologia racial, caracterizou-se sempre pela exclusão. Foram excluídos os judeus, os ciganos, os eslavos, os comunistas, os homossexuais, os deficientes e os doentes mentais. Se o resultado da guerra tivesse sido favorável aos nazis, a seguir preparavam-se para excluir todas as pessoas com insuficiências cardíacas e pulmonares. A essência do totalitarismo é o perpétuo movimento. É necessário que o processo de exclusão nunca esteja concluído, que exista sempre um novo alvo, definido ao sabor das necessidades do momento.
Em conclusão, saber se morreram exactamente seis milhões de judeus nos campos de concentração nazis não é tão importante quanto é a noção de que todos estamos incluídos no rol de potenciais vítimas de um regime desta natureza. É o processo que é fundamental – a necessidade de matar, de excluir social e biologicamente, para continuar a afirmação do regime.
Publicado por Miguel Silva às 11:15 |
Às 8:30 da manhã, a TSF abriu o seu noticiário com uma reportagem sobre a previsão do tempo para hoje.
Publicado por Miguel Silva às 18:38 |
Um líder com medo de perder e uma oposição interna com medo de ganhar.
Publicado por Miguel Silva às 18:37 |
No Brasil, cuja população ascende a quase 200 milhões de habitantes, 130 mil pessoas representam mais de metade do PIB do país. Às vezes convém relembrar estas realidades quando se fala de desempenho económico.
Publicado por Miguel Silva às 11:09 |
O PSD e o PP perdem em toda a linha. O PSD perde por ter apoiado um candidato que mais tarde se viu não merecer confiança. Perde por ter tardado em retirar-lhe a confiança política. Perde por ter registado o pior resultado eleitoral de sempre em Lisboa. Perde por ter passado a terceira força política. E perde por ter à sua frente, em segundo lugar, precisamente a lista que de Carmona Rodrigues. Não há milagre que salve Marques Mendes. Mais do que a derrota de Fernando Negrão, esta foi a derrota da liderança social-democrata em Lisboa.
Por seu lado, o PP paga o preço da estratégia de poder partidário de Paulo Portas e dos seus acólitos, assim como o afastamento de Maria José Nogueira Pinto, que, concorde-se ou não com o seu posicionamento político, é tida por pessoa séria e responsável. O PP encontra-se, assim, numa posição muito ingrata. Se os resultados de Lisboa levarem a um novo congresso, é impossível não ver nisso uma derrota claríssima de Portas e um desfasamento muito grande entre o seu estilo e a sensibilidade do eleitorado. Se a direcção optar por se manter em funções, arrisca-se a continuar a registar derrotas inéditas e a depauperar a sua base eleitoral, tanto ao nível local, como ao nível nacional.
Mas se a história política recente nos ensina alguma coisa em relação ao PP de Portas é que não existe cenário que o populismo e a sede de protagonismo desta liderança não consigam distorcer à sua medida. Se nada em Marques Mendes pode mantê-lo na liderança do PSD por muito mais tempo, Portas já mostrou que a sua criatividade e desrespeito pelo bom senso e inteligência do eleitorado conhecem outros limites.
Publicado por Miguel Silva às 10:39 |
“A culpa não é minha”, disse a senhora da caixa registadora quanto pediu 9,30€ por duas meias de leite e duas sandes mistas.
Publicado por Miguel Silva às 11:14 |
Eu sabia que comprar aquela guitarra eléctrica havia de mudar a minha vida.
Publicado por Miguel Silva às 17:37 |
Intolerantes são os outros. Nós somos muito abertos a brincadeiras com os nossos símbolos religiosos.
Publicado por Miguel Silva às 13:49 |
"António Costa foi ontem forçado, pela primeira vez na campanha eleitoral para a Câmara de Lisboa, a "descer" ao terreno do combate político puro e duro, dedicando o essencial de um discurso, feito perante idosos no Mercado da Ribeira, a responder a ataques dos adversários a personalidades da sua candidatura."
O combate político puro e duro não é, nem nunca foi, responder a ataques pessoais, tal como não passa por ser responsável por esses mesmos ataques. Isso, quanto muito, é a politiquice. A política pura e dura são os assuntos do Estado, antigamente a cidade-estado, hoje mais o Estado-Nação. As raízes da política encontram-se no poder e no seu exercício, na governação afinal de contas, assim como no discurso, nos argumentos usados com vista a alcançar o exercício do poder ou a justificar as opções defendidas.
O ataque pessoal, baseado em suposições ao invés de se apoiar em factos, não tem como finalidade convencer mas criar dúvidas. Que num jornal de referência se julgue que a política pura e dura é a dos ataques pessoais e respectivas respostas revela muito sobre a nossa imprensa e sobre o que podemos esperar dela.
Publicado por Miguel Silva às 13:23 |
No Estado Civil, um testemunho de Maria Emília Correia sobre a difícil relação entre o envelhecimento e as dificuldades acrescidas no mercado de trabalho. Maria Emília Correia fala da profissão de actor, mas as suas palavras não se esgotam neste meio. Depois dos 40, arranjar emprego em qualquer área é uma tarefa dura e ingrata.
O problema da nossa sociedade não é um problema de obsessão com os novos, e sim um problema de obsessão com o novo. Vivemos um tempo que está sempre disposto a glorificar a next big thing, mas que tende a prestar infinitamente menos atenção às actuais big things. Isto acontece nas artes, no desporto, no mundo empresarial e até na política. A expectativa e a promessa futura têm um peso social muito maior do que o valor seguro e confirmado.
Eventualmente, nos campos com pretensões de retratar a realidade, como é o caso (embora, claro, nem sempre) do teatro e do cinema, existe a tendência de reproduzir os vícios da sociedade. Assim, se a sociedade é machista e hipervaloriza o novo, uma representação fiel há-de reproduzir estas estruturas sociais. Se os actores e actrizes encontram dificuldades acrescidas de empregabilidade em função da idade, isso não reflecte uma particularidade do seu meio profissional, mas uma característica generalizada das sociedades actuais.
A questão ambiental e a pobreza representam dois dos problemas mais importantes nesta transição de milénio. Mas a par delas, o outro grande desafio dos nossos dias é o lugar que reservamos aos mais velhos. Uma questão que, se não for por outra razão, por motivos demográficos, não pode ser ignorada muito mais tempo.
Publicado por Miguel Silva às 11:28 |
Não sei se compreendo o dever que temos de não contribuir para desfechos nos quais somos vítimas de homicídio.
Publicado por Miguel Silva às 11:48 |
Não vi o debate. Mas o principal aspecto a reter, pelo que se vai lendo, parece ter sido a prestação de Fátima Campos Ferreira. Não tendo visto o debate e não tendo posto os olhos nas moderações de Fátima Campos Ferreira há uns bons tempos, consigo, ainda assim, imaginar perfeitamente o nível da prestação. E isto, pessoalmente, diz-me bastante sobre a marca indelével dos maus desempenhos da moderadora da moda. Na RTP ninguém nota, o que, a médio prazo, é irrelevante. As modas custam enquanto duram, mas todas passam.
Publicado por Miguel Silva às 10:49 |
Afirmar que as pessoas estão fartas de política é um recurso demagógico muito frequente. O ruído da vida política nacional é algo diferente e é razoável acreditar que as pessoas estejam realmente fartas dele. O ruído da vida política é tudo o que não é política, mas que consegue bastante tempo em jornais e televisões, presume-se, porque ajuda a vender.
O ruído é da responsabilidade dos seus autores, nomeadamente dos políticos que vêem no circo que gira em torno da política, mas que não é política, um meio legítimo de divulgação. Acaba por ser um expediente muito eficaz quando se precisa de notoriedade, mas as ideias e as propostas para o futuro, ou o registo do passado, não são definitivamente o melhor caminho para o conseguir.
Contudo, a divulgação do ruído e o destaque que lhe é reservado, em detrimento de outros assuntos bastante mais importantes para o país e para os eleitores, é da responsabilidade dos agentes da comunicação social. Como sempre, no final, os balanços serão críticos e não faltarão vozes com autoridade para mudar o rumo das coberturas a reconhecer os exageros. Como alguns políticos, que esperam que a memória dos eleitores seja suficientemente curta para obliterar os desvios, também essas vozes esperam que o consumidor esqueça o que não foi feito quando era necessário.
Publicado por Miguel Silva às 16:42 |
O vento não cessa. Parece não ter descanso enquanto não conseguir tudo aquilo a que se propôs.
Publicado por Miguel Silva às 14:24 |
Entre o que a Secretária de Estado da Saúde disse e o que andam a dizer que ela disse parecem existir algumas diferenças que não são despiciendas.
Publicado por Miguel Silva às 19:06 |
Como é bonita a democracia em funcionamento. Como é agradável e pedagógica a reunião de interesses para impedir que governe o partido mais votado nas eleições.
Se dúvidas houvesse, isto explica muitas das opções do ex-presidente de Timor-Leste na estranhíssima recente crise governamental.
Publicado por Miguel Silva às 18:20 |
Um destes dias, inadvertidamente, furei o congelador com uma faca, enquanto tentava retirar o gelo acumulado. De imediato, libertou-se um gás, que, ao que me explicaram, terá um papel importante no sistema de refrigeração, o qual, involuntariamente, inalei durante alguns segundos, antes de reagir desviando-me e abrindo a janela. Aguardo impacientemente que os super-poderes, dos quais a visão raio-x e o sopro gelado são os mais desejados, se comecem a manifestar a qualquer momento.
Publicado por Miguel Silva às 12:26 |
Os regimes apodrecem por dentro. São minados e atacados a partir do seu interior. Minados pelas más práticas e atacados pelos sempre atentos populismos, em busca da sua oportunidade mediática. Contudo, é preciso não confundir o regime com os seus actores. Da mesma forma, é preciso não tomar o todo pelas partes. Não se pode esperar, excepto se se partilhar um conjunto de valores que não são os de um Estado de Direito, que se erradique definitivamente o erro – involuntário ou deliberado. As anomalias são uma característica intrínseca do funcionamento social e a economia, a política e o direito são instituições sociais. As sociedades devem preparar-se para minimizar essas anomalias e para responsabilizar os seus agentes, mas não podem querer tornar real uma utopia que encerra o princípio perigosíssimo de serem os seus membros tão iguais entre si ou tão receosos do Estado que ninguém arrisque quebrar regras.
O JPT, num comentário a um post no Quase em Português, faz uma análise à situação do regime. Para ele, o regime e as suas instituições não existem para além das suas condições de exercício. Mais ainda, os desvios existentes são regra e não excepção, produto de “condições sociológicas”, de “condições práticas do exercício do poder e da reprodução de grupos particulares e particularísticos nas redes do estado e do estado-economia”.
A visão que o JPT lança sobre este tema merece reflexão. Mas só pode ser aceite se se concordar com os termos em que é colocada. Se é certo que há exemplos claros de apropriação do aparelho do Estado por interesses particulares, a coberto, ou não, de capas partidárias, é preciso dar atenção a outros aspectos, tão ou mais relevantes. Desde logo, perceber que essas condições sociológicas são condições disseminadas na sociedade de uma forma geral, no tipo de laços sociais que se geram e nas hierarquias de valores que imperam. Nessa medida, se o problema está na sociedade, nos indivíduos (em rigor: em alguns indivíduos), não se pode esperar que uma simples mudança de regime produza efeitos diferentes com os mesmos actores sociais. Depois, tal como já referi, é preciso não tomar o todo pelas partes. Existem desvios, porém estes não derivam da lei, mas da sua aplicabilidade. O erro é mediático, mas não constitui a regra. Se assim não fosse, esta seria uma sociedade inviável. Apesar dos seus defeitos, ainda se vai aguentando e progredindo. A passos mais lentos do que por vezes gostaríamos, mas progredindo.
O regime e as suas condições de exercício estão intimamente ligados, mas não são uma e a mesma coisa. A diferença pode aferir-se nos produtos de regimes tão opostos como a democracia e o totalitarismo. Apenas o primeiro reúne as condições necessárias para que as populações conheçam e participem activamente, de uma forma responsável e informada, no projecto de gestão do presente e construção do futuro da sua sociedade. Apenas a democracia permite canais de troca de informação e a sua validação. Apenas a democracia permite a responsabilização e a substituição dos dirigentes políticos. Não que isso seja uma realidade factual sem mácula. Não é. Mas a acontecer, num destes regimes, não será com certeza no totalitarismo.
A democracia não é perfeita, não é o fim da História e pode ser pervertida por interesses menos claros. Mas está mais longe de ser o sistema fraco e debilitado que por vezes a fazem parecer. Encerra em si um potencial enorme que não pode ser menosprezado de ânimo leve. Neste campo, um pouco de conservadorismo não é desajustado, antes de se embarcar num aventureirismo a troco de revoluções e de se tomarem pequenos déspotas iluminados por líderes salvadores.
Os regimes são corroídos por dentro e o mal que lhes pode ser infligido não deve ser negligenciado. Mas são tão nefastas as más práticas como a confusão entre o infractor e a instituição de que ele abusou. Os autoritarismos podem pouco enquanto não lhes abrirem as portas da frente. Nisso, o tom acusatório contra o regime cumpre a função bastante bem e é por isso que se aconselha um pouco mais de responsabilidade.
Publicado por Miguel Silva às 11:24 |
O meu outro blogue chamar-se-ia Tempo dos Assassinos - sobre o amor, a marcha lenta dos dias, o tédio e tudo o que nos mata devagar.
Publicado por Miguel Silva às 13:34 |
Graças a Deus, alguém veio desmascarar Harry Potter pela impostura que representa. O facto de se tratar de uma fantasia romanceada para crianças já devia ser um bom sinal, mas as pessoas são muito distraídas. Valham-nos os espíritos atentos e críticos.
Por uma questão de honestidade intelectual, qualidade ausente com demasiada frequência dos escritos de César das Neves quando se trata de religiosidade, o professor poderia esclarecer os seus leitores que não existiu um gnosticismo, mas vários gnosticismos, com diferenças muito significativas entre si. Se é certo que alguns seriam “misóginos, machistas e diabolizavam o sexo”, outros responderam com doutrinas alternativas que reconheceram, dentro do culto, um papel para a mulher muito mais importante do que o catolicismo alguma vez foi capaz de conceder.
Da mesma forma, César das Neves poderia esclarecer os seus leitores sobre a forma como o gnosticismo foi erradicado pelo proto-ortodoxismo cristão, o qual constituiu a base para a origem da Igreja Católica como a conhecemos. Nomeadamente, através da quantidade de escritos gnósticos que foram deliberadamente destruídos durante os primeiros anos do cristianismo e nos séculos vindouros, tal como a quantidade de escritos proto-ortodoxos, hoje incluídos no cânone, cujos especialistas não hesitam em apontar como obras claramente falsificadas com o intuito de melhor se adaptarem ao combate ideológico em curso. Aliás, se hoje é tão difícil conhecer os gnosticismos do início do cristianismo é devido ao sucesso desses esforços para aniquilar não só os cultos alternativos, mas também os vestígios históricos desses cultos.
Assim, não surpreende que César das Neves omita o anti-semitismo presente em quase toda a história da ICAR, desde os textos doutrinários dos primeiros séculos da era cristã ao silêncio cúmplice durante o Holocausto, passando pelas fogueiras da Inquisição. Mas como o fundamentalismo religioso não conhece limites para os seus artifícios de manipulação, o leitor é ainda presenteado com uma comparação entre a propaganda nazi contra os judeus e as críticas actuais à ICAR. Se era para falar de propaganda anti-semita, César das Neves podia ter-se mantido num domínio que lhe é conhecido. Os Evangelhos estão cheios de bons exemplos que o professor poderia ter citado.
Publicado por Miguel Silva às 11:16 |
Vou ali a um sítio, fazer uma coisa com umas pessoas.
Publicado por Miguel Silva às 14:47 |
Existe, nalguns meios, uma presunção, artificial e enganadora, de se estar acima dos partidos e do Estado, ou, como alguns preferem, acima do regime. Trata-se de uma linha de pensamento que também esteve muito em voga no seio de certos movimentos há sensivelmente cem anos. É pura demagogia, populismo construído para desacreditar as instituições e lançar o clima adequado para a instauração de uma “nova era” messiânica. Na realidade, ao invés do programa regenerador anunciado, tem como principal efeito atrair o que de pior existe na sociedade e potenciá-lo a níveis desumanos. As grandes tragédias do século XX encontraram aqui um fiel gatilho para iniciarem o seu trajecto.
Publicado por Miguel Silva às 16:04 |
A Fundação Calouste Gulbenkian, presente na 77ª Feira do Livro, parece estar a praticar, por sistema, os maiores descontos sobre o preço de capa dos livros que edita, descontos que, em muitos casos, rondam ou excedem a barreira dos 50%. Talvez a realidade financeira e económica das edições da FCG possa representar uma diferença significativa quando comparada com as outras editoras. Mas, a título de exemplo, há editoras cujos livros do dia recebem apenas um incremento de 10% no desconto a efectuar ao preço de Feira. Num livro de 30 euros, e não são poucos, a diferença entre comprá-lo como livro do dia ou em qualquer outro dia de Feira são três euros. Estes três euros que se poupam no preço de livro do dia não chegam para pagar os bilhetes de comboio e metro para quem não queira levar o carro para o meio de Lisboa, e mal chegam para cobrir dois módulos da Carris, caso não se tenha passe. Uma deslocação de propósito ao Parque Eduardo VII torna-se difícil de justificar nestas condições.
No sábado, Pacheco Pereira escrevia que a afluência aos alfarrabistas na Feira do Livro traduzia o lixo que se publica actualmente e enche os escaparates. Não se duvide que seja um aspecto relevante, mas mais importante parece algo que o autor do Abrupto refere apenas de passagem e que é a diferença de preços praticados. Os alfarrabistas na Feira anunciam preços muito baixos quando comparados com as editoras que os ladeiam. Certamente, os títulos e os autores são diferentes e traduzem, em grande parte, outros interesses. Mas que não sobrem dúvidas de que as escolhas se fazem equacionando o peso que as compras vão representar nos orçamentos domésticos de um país de baixo salários.
Pôr os portugueses a ler, seja lixo ou sejam clássicos, passa muito pelos preços que se praticam. O mercado é pequeno e será com certeza complicado assegurar a rentabilidade financeira das edições. Mas as leis da oferta e da procura postulam claramente que a segunda aumenta quando os preços baixam. Talvez esteja na altura de encontrar um novo ponto de equilíbrio, conveniente a todas as partes interessadas.
Publicado por Miguel Silva às 11:24 |
Portugal é o nono país mais seguro do mundo. São muito más notícias para Paulo Portas e para o CDS/PP, que vêem assim esvaziar-se sem apelo um dos balões de demagogia a que mais costumam recorrer.
Mas há esperança. Os idosos e os feirantes não devem ser propriamente o leitor tipo do The Economist e muitos não têm internet e computador para aceder a este tipo de informação. Alguns não terão sequer saneamento básico e competências de leitura, mas isso é secundário. A chama do populismo vive.
Publicado por Miguel Silva às 09:55 |
Está na moda, embora já não seja de agora, clamar a podridão do regime. A política e a justiça, algumas vezes merecidamente, são os principais alvos de reprovação. Mas, nesta óptica de decadência e de mau desempenho, podia começar-se a discutir seriamente o papel da comunicação social. A má qualidade da comunicação social é extremamente prejudicial para o funcionamento de uma sociedade e de uma democracia. O nivelamento por baixo, o recurso continuado ao lixo, a demissão do rigor, da objectividade e do profissionalismo, tudo em nome do facilitismo e das vendas, inquina o contexto social que a rodeia. A ideia de que a comunicação se limita a retratar a realidade é apenas uma ilusão. Ela pertence-lhe, para o bem e para o mal.
Publicado por Miguel Silva às 12:17 |
O caso do momento é o acórdão do STJ que reduz a pena a um homem condenado por abuso sexual de menores. A micro-notícia do Público é parca em explicações e pelo menos tão farta em opiniões como o que é imputado ao colectivo de juízes responsáveis pela apreciação. Nestas coisas, havendo paciência para isso, nada como ir à fonte. O que se retira do texto do acórdão não são necessariamente as conclusões que se podem retirar ao ler o texto do Público. O Público, embora refira o enquadramento social do acusado, opta por conferir maior atenção à questão da medida da pena em função da idade dos menores e a uma suposta “crítica à primeira instância por valorizar em demasia os crimes sexuais”. Contudo, não só não parece existir tal crítica, mas um reparo às distorções introduzidas pelo tratamento mediático, como o acórdão reconhece a relevância do impacto social deste tipo de crimes. Mais, argumenta com a entretanto consumada desacreditação da identidade social do acusado e com o desajustamento da pena à luz da experiência e dos condicionalismos específicos do caso. E refere aquilo que parece ser algo que o senso-comum suporta sem dificuldades: que o abuso de crianças com menor idade será potencialmente mais chocante e mais atentatório para o seu saudável desenvolvimento.
O acórdão é extenso, mas, aos olhos de um leigo, esta parece ser a parte relevante para confrontar com o que foi noticiado:
“Neste condicionalismo, considerando que o dolo, sendo directo, não apresenta especificidades em relação ao dolo requerido pelo tipo, e que a ilicitude é mediana, para usar a expressão usada na decisão da 1.ª instância, corroborada pelo acórdão da Relação, considerando ainda as circunstâncias relativas à personalidade do arguido e que foram destacadas na decisão recorrida a partir do relatório social, reproduzido na sua essência na factualidade provada, a sua primariedade, a sua integração familiar e, de acordo com a própria decisão condenatória, a sua estigmatização no meio em face deste processo, apesar de anteriormente se poder considerar que o arguido estava plenamente integrado socialmente , a pena aplicada mostra-se claramente excessiva e desproporcionada, justificando, assim, a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.
Na verdade, o STJ tem poderes para rever a medida da pena, não relativamente ao quantum exacto, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado (...), mas já quando tiverem sido violadas as regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada ( FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 197).
No caso, como dissemos, o quantum fixado é de todo desproporcionado, atendendo não só às regras da experiência, como a todo o condicionalismo acima exposto com relevância legal para a determinação concreta da pena.
O tribunal da 1.ª instância, com o aval da Relação, sobrevalorizou a componente da prevenção geral positiva, filtrada através da sua relevância mediática, com as distorções que uma tal abordagem do problema ocasiona, sabido que a culpa se impõe como limite intransponível das exigências de prevenção geral. Essa sobrevalorização está bem patente em certos passos da decisão da 1.ª instância, que a Relação acolheu, ao menos confirmando essa decisão. A título de exemplo, mencione-se esta passagem: "Por outro lado, no que concerne às necessidades de prevenção geral positiva, há que ponderar o facto de que a natureza deste tipo de crime é susceptível de causar alarme social, sobretudo numa época em que os processos de pedofilia têm relevância mediática e a sociedade está mais desperta para esse flagelo. Por conseguinte, as necessidades de prevenção geral positiva são relevantes, pois que (...) a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas e a efectiva tutela dos bens jurídicos cuja protecção se visa assegurar pela incriminação deste tipo de condutas assim o impõe".
Ora, concedendo embora em que as necessidades de prevenção geral positiva são relevantes, não se pode concordar, todavia, com a relevância que acabaram por adquirir.
Deste modo, estando a pena abstractamente aplicável balizada pelo mínimo de 3 anos de prisão e pelo máximo de 10 anos, entende-se que a pena mais adequada ao caso, conciliando as referidas exigências de prevenção geral com a culpa e tendo em atenção o estigma social já provocado no arguido, é de 4 anos de prisão.
8.4. Há, pois, que refazer o cúmulo jurídico à luz da pena agora aplicada, por sinal constituindo a parcela mais alta.
E, nesta sede, considerando o critério específico estatuído pelo art. 77.º, n.º 1 do CP, ou seja encarando os factos em globo em conjugação com a personalidade unitária do recorrente, somos levados a concluir que o recorrente revela tendência para a prática deste tipo de crimes, o que, de resto, ressalta da própria factualidade provada. Todavia, há que ver que os crimes considerados, exceptuado o relativo ao menor FF aqui analisado, não passaram de tentativa ou, então, como no caso do crime de abuso cometido através de conversa obscena, não têm uma relevância muito significativa. Assim, a actuação mais marcante no conjunto dos factos é mesmo a que se refere ao menor FF.
Nesta perspectiva, entre o mínimo aplicável de 4 anos de prisão e o máximo de 7 anos e 3 meses (art. 77.º, n.º 2 do CP), não se justifica uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão.”
(versão integral do acórdão - via GLQL)
Publicado por Miguel Silva às 11:46 |