Monday, June 18, 2007

Cada um acende as fogueiras que pode

Graças a Deus, alguém veio desmascarar Harry Potter pela impostura que representa. O facto de se tratar de uma fantasia romanceada para crianças já devia ser um bom sinal, mas as pessoas são muito distraídas. Valham-nos os espíritos atentos e críticos.

Por uma questão de honestidade intelectual, qualidade ausente com demasiada frequência dos escritos de César das Neves quando se trata de religiosidade, o professor poderia esclarecer os seus leitores que não existiu um gnosticismo, mas vários gnosticismos, com diferenças muito significativas entre si. Se é certo que alguns seriam “misóginos, machistas e diabolizavam o sexo”, outros responderam com doutrinas alternativas que reconheceram, dentro do culto, um papel para a mulher muito mais importante do que o catolicismo alguma vez foi capaz de conceder.

Da mesma forma, César das Neves poderia esclarecer os seus leitores sobre a forma como o gnosticismo foi erradicado pelo proto-ortodoxismo cristão, o qual constituiu a base para a origem da Igreja Católica como a conhecemos. Nomeadamente, através da quantidade de escritos gnósticos que foram deliberadamente destruídos durante os primeiros anos do cristianismo e nos séculos vindouros, tal como a quantidade de escritos proto-ortodoxos, hoje incluídos no cânone, cujos especialistas não hesitam em apontar como obras claramente falsificadas com o intuito de melhor se adaptarem ao combate ideológico em curso. Aliás, se hoje é tão difícil conhecer os gnosticismos do início do cristianismo é devido ao sucesso desses esforços para aniquilar não só os cultos alternativos, mas também os vestígios históricos desses cultos.

Assim, não surpreende que César das Neves omita o anti-semitismo presente em quase toda a história da ICAR, desde os textos doutrinários dos primeiros séculos da era cristã ao silêncio cúmplice durante o Holocausto, passando pelas fogueiras da Inquisição. Mas como o fundamentalismo religioso não conhece limites para os seus artifícios de manipulação, o leitor é ainda presenteado com uma comparação entre a propaganda nazi contra os judeus e as críticas actuais à ICAR. Se era para falar de propaganda anti-semita, César das Neves podia ter-se mantido num domínio que lhe é conhecido. Os Evangelhos estão cheios de bons exemplos que o professor poderia ter citado.