A troca de argumentos entre o Paulo Gorjão e o João Pedro Henriques, a propósito das inexactidões de uma peça da autoria do segundo no DN, está a desenrolar-se em termos que, perdoe-se a sobranceria, me poupo de comentar por me parecerem incaracteristicamente inflamados. Porém, o substantivo da questão retém um interesse claro.
A comunicação social, hoje, é o meio por excelência de mediação da informação. É através dela que os cidadãos acedem aos acontecimentos da actualidade e elaboram as suas próprias leituras. Por esse motivo, e isto está longe de ser uma novidade, a comunicação social detém um poder e uma responsabilidade acrescidos pelo papel que desempenha. Os jornalistas devem ser os primeiros a reconhecê-lo, e costumam ser. Mas entre a teoria e a prática, neste caso, existem diferenças significativas.
O comportamento da comunicação social, obviamente, encontra-se limitado por diversas circunstâncias. Entre elas, a necessidade de actuar em tempo útil, o espaço e o tempo de relato reduzidos e a concorrência dos outros órgãos. Os trinta segundos de televisão ou meia página nos jornais não são suficientes para equacionar convenientemente as complexidades dos temas actuais, muito menos são espaço adequado para os explicar capazmente. O jornalismo vive muito da captação de atenção e do poder de síntese e de simplificação, o que, por vezes, resvala para sensacionalismo e simplismo. Existem, portanto, condições estruturais que colocam em risco a qualidade da prática jornalística, mas que não se esgotam apenas no que ficou dito anteriormente.
Uma análise mais incisiva deve levar-nos a perguntar em que condições se faz jornalismo em Portugal nos dias de hoje. Mais concretamente, quais as consequências do excesso de procura de emprego nesta área? Quais os vínculos laborais que se estabelecem? Quais são as políticas de contratação e de salários dos órgãos de comunicação social? Qual é a preparação que os futuros jornalistas recebem nos estabelecimentos de ensino superior que frequentam? Qual o nível de exigência? Qual é a cultura organizacional que lhes é incutida nas redacções?
Estas perguntas, já de si inconvenientes, têm por trás de si outras igualmente pertinentes que seria interessante ver esclarecidas. As faculdades estão minimamente preocupadas e pretendem adoptar alguma estratégia para debelar a fraca preparação dos novos candidatos a emprego nesta área? As políticas de salário baixo que se praticam aliadas ao excesso de oferta de mão-de-obra não têm como consequência uma perda de qualidade do trabalho jornalístico? Não existe uma preocupação excessiva de antecipação dos acontecimentos que coloca em risco a verificação dos factos e o cruzamento de informações? Os crescentes condicionalismos de tempo e de espaço não têm como principal consequência inviabilizar uma reflexão e um tratamento mais profundos?
Por tudo isto, é perfeitamente legítimo desconfiar das capacidades das redacções para monitorizarem convenientemente a qualidade do jornalismo que lá se pratica, assim como se pode desconfiar das capacidades de interpretação, de resistência à manipulação e de distanciamento das suas fontes de muitos jornalistas.
Isto são, enfim, problemas estruturais, interdependentes e que não se resolvem facilmente. Mas ao nível individual, ao nível das boas práticas, da ética, do zelo profissional, talvez seja possível fazer algo que assegure ou devolva a confiança dos leitores. Como, por exemplo, mesmo sem revelar nomes, dar a conhecer ao público a posição do jornalista perante uma fonte que se mostrou pouco fiável. Pelo menos, para que os leitores saibam se devem esperar deparar-se com muito mais notícias que tenham por origem a mesma fonte. Do que se pode pedir, parece ser o mínimo.