Wednesday, January 31, 2007

Tem razão naquilo que pergunta

Há que reconhecer o sentido de cena de Marcelo Rebelo de Sousa. Neste vídeo, não só não se desmancha, como ainda consegue afirmar que a sua interlocutora “tem razão naquilo que pergunta”. Pergunta que, registe-se para a posteridade, consistiu no seguinte:
“As nossas conversas têm tido um impacto muito grande… de todos os lados. Por um lado, o “sim”… o “sim” diz que nunca assim, não é, e o não também parece dizer que assim não”.

(via Glória Fácil)

O brilhantismo

Ribeiro e Castro merece-me alguma simpatia por representar aquele CDS/PP que não é o dos Paulos Portas, Telmos Correias e Nunos Melos. Apesar disso, não deixa de representar o CDS/PP e, como tal, não se pode dizer que seja uma pessoa com a qual eu me encontre em sintonia, ideologicamente falando. O líder do CDS é contra o aborto e afirma que para esta sua tomada de posição contribui a vontade de aumentar a população portuguesa. Assim sendo, parece que Ribeiro e Castro defende que as políticas de incentivo ao aumento da taxa de natalidade devem passar pelo Código Penal. Não sei se é por aí que devemos avançar.
Além disto, ficamos ainda sem perceber a relação directa entre aumento da população e, presume-se, os eventuais benefícios que daí advêm para o país. Sem grande esforço, é possível relembrar uma mão cheia de indicadores, tais como a taxa de mortalidade infantil, a taxa de alfabetização, as estatísticas do trabalho infantil e os salários mínimo e médio praticados, para se compreender que a questão é muito mais complexa do que surge aos olhos de Ribeiro e Castro.
No fim das contas, o que fica por saber é se os líderes políticos têm estas brilhantes ideias sozinhos ou se recorrem à prestimosa ajuda dos seus batalhões de assessores e das comissões políticas dos seus partidos.

Tuesday, January 30, 2007

O filósofo Sócrates ficou célebre, não só pela sua condenação à morte, mas também por recrutar pessoas sonsas a quem fazia perguntas, assim demonstrando o enorme saber que aquelas possuíam. Marcelo Rebelo de Sousa, por seu lado, é célebre por recrutar pessoas sonsas para lhe fazerem perguntas, assim demonstrando o enorme saber que ele mesmo possui.
Por estes dias, Marcelo celebrizou-se também por uma das mais ambíguas e pouco coerentes posições sobre o referendo do aborto. Mas, por trás de toda esta ambiguidade, ressalta uma desconsideração pelo dilema da mulher grávida que pondera abortar e pela validade racional e afectiva da sua decisão. Quando MRS, tal como César das Neves ou Mário Pinto, avança com uma teoria da vulgarização do aborto sem motivo justo está a colocar em causa a competência e legitimidade do livre arbítrio da mulher grávida.
Em última instância, nenhuma pessoa se encontra a salvo de tomar decisões menos avisadas ou de não equacionar todas as alternativas que se apresentam. O erro, já os romanos o sabiam, é inerente à condição humana. Contudo, a crítica, que é uma actividade eticamente legítima, deve incidir sobre casos particulares e não sobre generalizações. É a diferença entre avaliar uma decisão concreta e avaliar, em abstracto, a capacidade das pessoas para tomarem decisões.

Monday, January 29, 2007

Saturação

A duas semanas da realização do referendo sobre a despenalização da IVG, confesso-me cansado da troca de acusações, dos juízos de valor e das muitas certezas apresentadas pelas duas campanhas. Imagino que não seja o único a ter atingido este estado de saturação. Parece haver um excesso de propaganda de parte a parte, sendo a blogosfera um bom exemplo disso.

O excesso de propaganda e o tom das campanhas, sejam elas a propósito da despenalização da IVG ou de qualquer eleição para cargos políticos, atinge um nível que se deve considerar preocupante em diferentes aspectos. Nomeadamente, porque facilitam a acção aos estrategas da demagogia e do populismo, apenas beneficiando o arrivismo político, porque abrem o flanco à argumentação dos extremistas, que vêem na democracia e na livre expressão sobretudo desregramento e vícios, e, finalmente, porque tendem a afastar das discussões públicas todos os que não se revêem nestes modelos exacerbados, contribuindo para enfraquecer a participação cívica dos indivíduos.

Há uns anos, Phillipe Breton propôs a recuperação da retórica, destituída da conotação depreciativa que entretanto lhe foi associada. A retórica recuperada com a essência que a viu nascer: uma arte de construir uma argumentação lógica, articulada e inteligível, que sirva para comunicar, para partilhar informações e opiniões e não para manipular consciências ou dissimular intenções.

As democracias precisam de inverter esta tendência em que o simplismo, os preconceitos e os extremismos encontram terreno fértil para crescer. Evidentemente, precisam também de personalidades, da política à sociedade civil, passando pela comunicação social, que saibam reconhecer a importância desta viragem e que estejam realmente interessadas nela.

Thursday, January 25, 2007


Paul Klee, Cão Uivando, 1928

Recomendação

Quem gosta de ler blogues com os horizontes abertos, quem gosta de encontrar posts bem pensados e bem escritos, quem acredita que há sempre mais num problema do que a meia dúzia de frases de propaganda do costume, quem não se importa de se deparar com perguntas incómodas, faça o favor de ler o post da Helena Araújo sobre o referendo de 11 de Fevereiro.

Wednesday, January 24, 2007

Carmona Rodrigues diz que deseja "que a cidade de Lisboa seja isenta deste véu de suspeitas". Há aqui uma pequena confusão. É o executivo camarário, e não a cidade, que está sob suspeita. Pode parecer um preciosismo, mas não é.

Saturday, January 20, 2007

south park - blame Canada

Friday, January 19, 2007

O economista João César das Neves voltou a fazer aquilo que o celebriza e que é lançar a confusão generalizada com o que escreve ou com o que diz. Já são vários os blogues que se referem às polémicas declarações de JCN, merecendo estas a atenção também do DN. Afirmou JCN que o aborto, com a vitória do “sim”, passará a ser “tão normal como um telemóvel”. A frase é de uma enormidade tão óbvia que requer poucos comentários. Ainda assim, JCN recorreu a algumas estatísticas que se prestam a uma certa contextualização.

Se o “sim” vencer em Fevereiro, é natural que as estatísticas oficiais do aborto aumentem. Na realidade, é isso que se espera quando se vota “sim”, pois esse aumento corresponderá a uma diminuição dos abortos que agora se praticam ilegalmente, verificando-se um crescendo do número daqueles a ser praticados em estabelecimentos de saúde autorizados e devidamente competentes para o efeito. Este é um primeiro aspecto quanto ao qual se deve ser bastante claro.

Em segundo lugar, se é verdade que se registaram aumentos nas taxas de aborto (o que é muito diferente de aumentos nas taxas de crescimento do aborto), pelo menos em países como os EUA, a Espanha e a Inglaterra (inclui dados relativos ao País de Gales) há sinais de alguma estabilização.

Contudo, as estatísticas são uma ferramenta de conhecimento da realidade social e carecem de interpretação. Os aumentos registados podem resultar da alteração das leis, mas, para uma compreensão mais correcta do fenómeno, outros factores devem igualmente ser considerados. Por exemplo, interessa saber como se comportaram outras variáveis tais como a estrutura demográfica e a estrutura económica das sociedades em questão.

Os fenómenos sociais carecem de um enquadramento contextual o mais completo possível e têm na sua origem uma série de causas, as quais concorrem para lhes dar forma. Reduzi-los a uma expressão forçadamente simples apenas contribui para a sua mistificação. Algo que é tanto mais grave quanto venha de pessoas com obrigação de conhecer estes pressupostos e de os respeitar de acordo com as suas habilitações académicas e profissionais. Mas, neste caso, vindo de quem parece acreditar que as portuguesas hão-de ir a correr fazer abortos como quem compra telemóveis, não surpreende assim tanto.

Blame Canada (II)

Times have changed
Our kids are getting worse
They won't obey their parents
They just want to fart and curse!
Should we blame the government?
Or blame society?
Or should we blame the images on TV?
No, blame Canada
Blame Canada
With all their beady little eyes
And flapping heads so full of lies
Blame Canada
Blame Canada
We need to form a full assault
It's Canada's fault!
Don't blame me
For my son Stan
He saw the damn cartoon
And now he's off to join the Klan!
And my boy Eric once
Had my picture on his shelf
But now when I see him he tells me to fuck myself!
Well, blame Canada
Blame Canada
It seems that everything's gone wrong
Since Canada came along
Blame Canada
Blame Canada
They're not even a real country anyway
My son could've been a doctor or a lawyer rich and true,
Instead he burned up like a piggy on a barbecue
Should we blame the matches?
Should we blame the fire?
Or the doctors who allowed him to expire?
Heck no!
Blame Canada
Blame Canada
With all their hockey hullabaloo
And that bitch Anne Murray too
Blame Canada
Shame on Canada
For...
The smut we must stop
The trash we must bash
The Laughter and fun
Must all be undone
We must blame them and cause a fuss
Before someone thinks of blaming us!

Thursday, January 18, 2007

Blame Canada

O tema Blame Canada faz parte do filme de animação baseado na série South Park, conhecida pelo seu humor corrosivo e impiedoso. O ponto fulcral que lhe subjaz é paralelo ao que se pode encontrar no documentário Bowling for Columbine, da autoria de Michael Moore, no qual se questiona a importância de tornar os jogos de computador ou a música que se ouve em arguidos principais de um massacre escolar, isto numa sociedade que enfrenta profundas divisões sócio-económicas, vive uma realidade de medo contínuo e recorre à posse e uso de armas como resposta para os seus problemas. Moore conclui que se pretendemos atribuir o grosso da fatia de responsabilidades aos jogos e à música, mais vale incluirmos também o salão de bowling frequentado pelos dois adolescentes que levaram a cabo o tiroteio.

A SIC noticia hoje um caso de agressões entre adolescentes que está a chocar os EUA. Os contornos das agressões podem não ser os mais originais, mas as imagens acabaram difundidas na Internet e esse facto colocou o episódio sob uma nova perspectiva. Tanto quanto parece, está relançado “o debate sobre os efeitos perversos da Internet, sobretudo a facilidade com que se coloca em linha o mais variado tipo de material”, não faltando especialistas que “alertam para o efeito multiplicador que daqui pode resultar”.

Não se pode recusar a pertinência da discussão sobre os abusos que se podem cometer na Internet. O potencial deste meio, de resto, como a maior parte das liberdades, tem como custo associado os eventuais excessos cometidos. A Internet, em si mesma, não é um meio perigoso. Como em tantas outras coisas, tem a fama que o bom e o mau uso lhe impõem. Focar a atenção no putativo excesso de liberdade da Internet acaba a ser uma versão simplista para um problema complexo e uma forma mais ou menos torpe de impedir que se procurem relações causais mais profundas. Como no caso de Blame Canada, trata-se de encontrar um alvo fácil para bode expiatório, fugindo assim ao desconfortável exercício de fazer uma autocrítica severa ao sistema social como um todo e às responsabilidades particulares de cada um. Pensar o lugar que a tolerância perante os actos de violência e perante o sofrimento alheio ocupa no seio das nossas sociedades dá muito mais trabalho e pode produzir respostas, essas sim, que constituem um perigo para as nossas auto-imagens.

A TV Cabo enviou-me um SMS no qual me informa que existirá uma interrupção no fornecimento de serviço de Internet num destes próximos dias. Esta atenção demonstrada pelo aviso é ainda mais apreciável devido ao facto de eu não ser cliente da Netcabo há mais de meio ano. E ainda dizem que esta é uma das empresas que mais reclamações recebe. Má vontade das pessoas, é o que é.

Wednesday, January 17, 2007

Grande em quê?

O concurso do momento, promovido pela RTP, é inconsequente por várias razões, não sendo a total ausência de critérios de escolha a menor delas. Outra é a ambiguidade do que representa ser um “Grande Português”. Grande no sentido de importante ou grande no sentido de reconhecido? Grande no sentido de melhor representar o espírito de uma nação ou grande no sentido de mais se afastar dele? E, neste caso, é indiferente a direcção em que se afasta? Podem coexistir pacificamente na mesma lista nomes como Aristides de Sousa Mendes, que se destacou por ter salvo a vida a milhares de judeus perseguidos pelo nazismo, e António de Oliveira Salazar, que mergulhou o país numa ditadura obscurantista e proibiu e puniu os esforços realizados em França pelo diplomata?
O DN, por exemplo, na iniciativa que promoveu junto dos seus colunistas, pareceu ter optado por entender grande num sentido de importante. Aí podemos mesmo ler Vasco Graça Moura defender que “Salazar teve uma compreensão do País muito mais sensata e realista” do que Mário Soares. Pode aceitar-se que Salazar compreendeu bem o país que governou durante 40 anos, mas quanto à sensatez de excluir Portugal da modernidade e do progresso e de o envolver em várias frentes de uma guerra colonial absurda, talvez tenhamos um dia destes a oportunidade de conhecer, pela pena do ex-governante do PSD, a bondade dessa opção. Porém, se Salazar é importante e se manifestou um entendimento dos condicionalismos sociais do seu país, o mesmo se pode dizer, seguramente, de Adolf Hitler e de Estaline. Não só compreenderam e exploraram em benefício dos seus próprios interesses as realidades sociais da Alemanha e da URSS, como é mesmo impossível passar ao lado dos seus nomes e compreender os acontecimentos do século XX.
Assim sendo, será muito demagógico perguntar quanta desta bem intencionada gente que corre a votar em Salazar estaria disposta, segundo os mesmos critérios, a incluir Hitler e Estaline no seu Top 10 de Grandes Europeus de todos os tempos?

Tuesday, January 16, 2007


Giacomo Balla, Dinamismo de um Cão com Trela, 1912

Monday, January 15, 2007

Passei o fim-de-semana a reflectir nos meus defeitos. Melhor dito, nem tanto a pensar nos defeitos, mas antes a discernir a parte do todo que lhes cabe, para concluir que não é pequena.
Até que esta manhã, por mero acaso, numas linhas que escrevia, não interessa a propósito de quê, me surgiu uma das obnubiladas qualidades. Tenho como projecto, até ao fim do dia, recordar-me de mais umas quantas.

Isto é um post.

Thursday, January 11, 2007

Há dias em que os blogues – escrever no meu, ler os outros – me provocam um sentimento de satisfação. Há dias em que não posso com eles. E há dias, como hoje, em que as duas coisas se embrenham estranhamente uma na outra. Não sei explicar. É simplesmente assim.

Isto é prestígio

Rui Cerdeira Branco, agora a adufar em http://adufe.net/

Brincar à política (III)

Entretanto, o país aguarda impacientemente o livro que Manuel Maria Carrilho irá lançar explicando como tinha um grande projecto para Lisboa, como as circunstâncias eram adversas, como foi injustamente atacado, como a culpa, afinal, é da comunicação social, dos inimigos políticos e de quem mais for necessário para que não tenha de reconhecer os erros próprios.

Brincar à política (II)

Não é realmente necessário perguntarmo-nos sobre as dificuldades de compatibilizar os mandatos de deputado e de vereador, ou melhor, sobre as dificuldades de perspectivar esse cenário no momento da aceitação em pertencer a essas duas listas como candidato. A resposta surge demasiado óbvia. Depois de uma campanha desastrada e da pouca expressão da oposição ao executivo de Carmona Rodrigues, não se pode dizer que Lisboa vá sentir a falta de Carrilho. Porém, continua a ser sofrível ver como os compromissos que se assumem nos momentos eleitorais são descartados na primeira oportunidade. Compreende-se que o parlamento seja uma plataforma simultaneamente mais confortável e mais mediática, bastante mais ao gosto do ex-ministro. O que não se compreende é como os lugares políticos podem ser impunemente instrumentalizados pelos seus ocupantes ao sabor dos seus interesses pessoais.

Brincar à política

A política continua a ser vista, entre os seus principais agentes, muito mais como a gestão de estratégias pessoais ou partidárias, tantas vezes mais das primeiras do que das segundas, do que como a gestão dos interesses da sociedade e a prossecução do bem público.

Tuesday, January 09, 2007

A TSF passou a manhã de ontem a afirmar que os maus-tratos a idosos aumentaram 60%, segundo a GNR, no último ano, algo que o JN repete hoje na sua edição. Com mais rigor, o que se pode afirmar é que a GNR registou mais 60% de casos, sendo muito difícil extrapolar daí um aumento de maus-tratos na população. Os aumentos das estatísticas provenientes das forças da autoridade são passíveis de diversas leituras, uma das quais, nada despicienda, é uma maior proximidade com as vítimas. Ou seja, factores como uma maior facilidade de acesso às forças da PSP e da GNR traduzem-se, logicamente, em aumentos de participações, sem que isso queira dizer que a criminalidade, em si mesma, tenha aumentado. Por outro lado, como a violência doméstica é um fenómeno cujos contornos o tornam muito propenso a estar sub-representado nas estatísticas oficiais, as dificuldades de interpretar esses números num sentido ou noutro é virtualmente impossível.

A velhice, contudo, é um tema que suscita menos debates do que aqueles que deveria gerar. Suscita muitos incómodos e silêncios envergonhados. Um estudo da Universidade do Minho concluiu que quase 75% dos idosos afirmam terem sido vítimas de alguma forma de abuso, sendo a negligencia o principal. Esta estatística surpreendeu os investigadores e surpreende quem quer que lhe dê atenção por ser extraordinariamente alta. A nossa sociedade manifesta, justamente, a sua indignação sempre que conhece casos de abusos e negligência sobre crianças. Talvez esteja na altura de começar a pensar da mesma forma sobre o lugar e a atenção que dispensamos aos idosos. Até porque, tudo aponta, o seu número está em franco crescimento. De vez em quando seria bom que se equacionasse o envelhecimento da população noutros termos que não apenas nas consequências para os cofres da Segurança Social.

A anorexia nervosa não é uma doença que se possa simplesmente caracterizar por um “emagrecimento excessivo acompanhado por alterações repentinas de comportamento”. Trata-se de uma perturbação alimentar que se caracteriza, entre outros sintomas, por uma recusa em manter um peso normal para a idade e altura (situando-se aquele 15% abaixo do valor esperado), uma alteração da percepção da própria imagem corporal e influência desta na auto-avaliação, negação da seriedade do estado de emagrecimento, um medo intenso de ganhar peso e, nas mulheres, amenorreia (ausência de menstruação pelo menos 3 meses seguidos). Outros aspectos comuns costumam ser uma preocupação obsessiva com as quantidades calóricas dos alimentos e intensa actividade física. As mulheres constituem o principal grupo de vítimas desta perturbação. Aproximadamente, apenas um em cada dez pacientes é homem, embora já se tenham registado percentagens ligeiramente superiores.

Um valor de 18 na escala do Índice de Massa Corporal não é o valor recomendável, mas sim, quanto muito, o limiar mínimo do intervalo de valores considerado normal. Não é invulgar considerar o valor 20 como o limite mínimo normal aceitável. O IMC obtém-se dividindo o peso (em quilos) pelo quadrado da altura (em metros) e, por exemplo, um valor acima de 25 já representa excesso de peso. De qualquer forma, o IMC deve ser sempre ponderado com outras informações, como o historial de peso do indivíduo e a sua constituição física.

A palavra anorexia designa uma falta de apetite, o que não corresponde exactamente à situação que se verifica na AN. Nesta, existe um acto voluntário de privação de alimentos, no caso restritivo, ou a aplicação frequente de meios purgativos após ingestão de alimentos, a qual pode conhecer episódios de natureza compulsiva.

Analisar a AN apenas do ponto de vista da preocupação com a imagem corporal é um erro grosseiro e mistificador da doença. A AN é um problema de saúde sério e de difícil resolução. Qualquer pessoa com esta doença precisa de ajuda profissional qualificada para ultrapassar o seu problema. A percepção da imagem corporal surge distorcida como sintoma da doença e não como ideal de beleza, como muitas vezes se ouve dizer a este propósito. Muito embora as vertentes psiquiátrica e de endocrinologia sejam de extrema importância, os níveis psicológico e social são igualmente relevantes. Nessa medida, a AN relaciona-se com problemas de auto-estima e de insegurança. A fome voluntária e o emagrecimento prendem-se, sobretudo, com a necessidade obsessiva de controlo de uma área da vida.

A este respeito, proibir a participação em desfiles de modelos excessivamente magras, como se fez em Espanha, talvez seja uma medida eticamente correcta, mas que pouco pode fazer pelo estado de saúde das doentes e que, provavelmente, pouca influência terá no surgimento de novos casos. O enfoque mais acertado não é nos exemplos que se dá, mas nas pressões do meio envolvente e na capacidade do indivíduo para as gerir.

Friday, January 05, 2007

Estranho meio, este, em que nos inquietamos com pessoas que nunca vimos mas que queremos bem.

Tuesday, January 02, 2007

O Sindicato dos Jogadores está a ver mal o recurso à greve. Esta tem efeitos negociais quando a eventual diminuição ou supressão de produtos e serviços prejudica gravemente o quotidiano económico e social. Se o futebol parar uma semana, ou duas, ou três, o país perde exactamente o quê?

A troca de argumentos entre o Paulo Gorjão e o João Pedro Henriques, a propósito das inexactidões de uma peça da autoria do segundo no DN, está a desenrolar-se em termos que, perdoe-se a sobranceria, me poupo de comentar por me parecerem incaracteristicamente inflamados. Porém, o substantivo da questão retém um interesse claro.

A comunicação social, hoje, é o meio por excelência de mediação da informação. É através dela que os cidadãos acedem aos acontecimentos da actualidade e elaboram as suas próprias leituras. Por esse motivo, e isto está longe de ser uma novidade, a comunicação social detém um poder e uma responsabilidade acrescidos pelo papel que desempenha. Os jornalistas devem ser os primeiros a reconhecê-lo, e costumam ser. Mas entre a teoria e a prática, neste caso, existem diferenças significativas.

O comportamento da comunicação social, obviamente, encontra-se limitado por diversas circunstâncias. Entre elas, a necessidade de actuar em tempo útil, o espaço e o tempo de relato reduzidos e a concorrência dos outros órgãos. Os trinta segundos de televisão ou meia página nos jornais não são suficientes para equacionar convenientemente as complexidades dos temas actuais, muito menos são espaço adequado para os explicar capazmente. O jornalismo vive muito da captação de atenção e do poder de síntese e de simplificação, o que, por vezes, resvala para sensacionalismo e simplismo. Existem, portanto, condições estruturais que colocam em risco a qualidade da prática jornalística, mas que não se esgotam apenas no que ficou dito anteriormente.

Uma análise mais incisiva deve levar-nos a perguntar em que condições se faz jornalismo em Portugal nos dias de hoje. Mais concretamente, quais as consequências do excesso de procura de emprego nesta área? Quais os vínculos laborais que se estabelecem? Quais são as políticas de contratação e de salários dos órgãos de comunicação social? Qual é a preparação que os futuros jornalistas recebem nos estabelecimentos de ensino superior que frequentam? Qual o nível de exigência? Qual é a cultura organizacional que lhes é incutida nas redacções?

Estas perguntas, já de si inconvenientes, têm por trás de si outras igualmente pertinentes que seria interessante ver esclarecidas. As faculdades estão minimamente preocupadas e pretendem adoptar alguma estratégia para debelar a fraca preparação dos novos candidatos a emprego nesta área? As políticas de salário baixo que se praticam aliadas ao excesso de oferta de mão-de-obra não têm como consequência uma perda de qualidade do trabalho jornalístico? Não existe uma preocupação excessiva de antecipação dos acontecimentos que coloca em risco a verificação dos factos e o cruzamento de informações? Os crescentes condicionalismos de tempo e de espaço não têm como principal consequência inviabilizar uma reflexão e um tratamento mais profundos?

Por tudo isto, é perfeitamente legítimo desconfiar das capacidades das redacções para monitorizarem convenientemente a qualidade do jornalismo que lá se pratica, assim como se pode desconfiar das capacidades de interpretação, de resistência à manipulação e de distanciamento das suas fontes de muitos jornalistas.

Isto são, enfim, problemas estruturais, interdependentes e que não se resolvem facilmente. Mas ao nível individual, ao nível das boas práticas, da ética, do zelo profissional, talvez seja possível fazer algo que assegure ou devolva a confiança dos leitores. Como, por exemplo, mesmo sem revelar nomes, dar a conhecer ao público a posição do jornalista perante uma fonte que se mostrou pouco fiável. Pelo menos, para que os leitores saibam se devem esperar deparar-se com muito mais notícias que tenham por origem a mesma fonte. Do que se pode pedir, parece ser o mínimo.