Thursday, June 21, 2007

A condição do regime

Os regimes apodrecem por dentro. São minados e atacados a partir do seu interior. Minados pelas más práticas e atacados pelos sempre atentos populismos, em busca da sua oportunidade mediática. Contudo, é preciso não confundir o regime com os seus actores. Da mesma forma, é preciso não tomar o todo pelas partes. Não se pode esperar, excepto se se partilhar um conjunto de valores que não são os de um Estado de Direito, que se erradique definitivamente o erro – involuntário ou deliberado. As anomalias são uma característica intrínseca do funcionamento social e a economia, a política e o direito são instituições sociais. As sociedades devem preparar-se para minimizar essas anomalias e para responsabilizar os seus agentes, mas não podem querer tornar real uma utopia que encerra o princípio perigosíssimo de serem os seus membros tão iguais entre si ou tão receosos do Estado que ninguém arrisque quebrar regras.

O JPT, num comentário a um post no Quase em Português, faz uma análise à situação do regime. Para ele, o regime e as suas instituições não existem para além das suas condições de exercício. Mais ainda, os desvios existentes são regra e não excepção, produto de “condições sociológicas”, de “condições práticas do exercício do poder e da reprodução de grupos particulares e particularísticos nas redes do estado e do estado-economia”.

A visão que o JPT lança sobre este tema merece reflexão. Mas só pode ser aceite se se concordar com os termos em que é colocada. Se é certo que há exemplos claros de apropriação do aparelho do Estado por interesses particulares, a coberto, ou não, de capas partidárias, é preciso dar atenção a outros aspectos, tão ou mais relevantes. Desde logo, perceber que essas condições sociológicas são condições disseminadas na sociedade de uma forma geral, no tipo de laços sociais que se geram e nas hierarquias de valores que imperam. Nessa medida, se o problema está na sociedade, nos indivíduos (em rigor: em alguns indivíduos), não se pode esperar que uma simples mudança de regime produza efeitos diferentes com os mesmos actores sociais. Depois, tal como já referi, é preciso não tomar o todo pelas partes. Existem desvios, porém estes não derivam da lei, mas da sua aplicabilidade. O erro é mediático, mas não constitui a regra. Se assim não fosse, esta seria uma sociedade inviável. Apesar dos seus defeitos, ainda se vai aguentando e progredindo. A passos mais lentos do que por vezes gostaríamos, mas progredindo.

O regime e as suas condições de exercício estão intimamente ligados, mas não são uma e a mesma coisa. A diferença pode aferir-se nos produtos de regimes tão opostos como a democracia e o totalitarismo. Apenas o primeiro reúne as condições necessárias para que as populações conheçam e participem activamente, de uma forma responsável e informada, no projecto de gestão do presente e construção do futuro da sua sociedade. Apenas a democracia permite canais de troca de informação e a sua validação. Apenas a democracia permite a responsabilização e a substituição dos dirigentes políticos. Não que isso seja uma realidade factual sem mácula. Não é. Mas a acontecer, num destes regimes, não será com certeza no totalitarismo.

A democracia não é perfeita, não é o fim da História e pode ser pervertida por interesses menos claros. Mas está mais longe de ser o sistema fraco e debilitado que por vezes a fazem parecer. Encerra em si um potencial enorme que não pode ser menosprezado de ânimo leve. Neste campo, um pouco de conservadorismo não é desajustado, antes de se embarcar num aventureirismo a troco de revoluções e de se tomarem pequenos déspotas iluminados por líderes salvadores.

Os regimes são corroídos por dentro e o mal que lhes pode ser infligido não deve ser negligenciado. Mas são tão nefastas as más práticas como a confusão entre o infractor e a instituição de que ele abusou. Os autoritarismos podem pouco enquanto não lhes abrirem as portas da frente. Nisso, o tom acusatório contra o regime cumpre a função bastante bem e é por isso que se aconselha um pouco mais de responsabilidade.

Tuesday, June 19, 2007

Alter blogue

O meu outro blogue chamar-se-ia Tempo dos Assassinos - sobre o amor, a marcha lenta dos dias, o tédio e tudo o que nos mata devagar.

Monday, June 18, 2007

Cada um acende as fogueiras que pode

Graças a Deus, alguém veio desmascarar Harry Potter pela impostura que representa. O facto de se tratar de uma fantasia romanceada para crianças já devia ser um bom sinal, mas as pessoas são muito distraídas. Valham-nos os espíritos atentos e críticos.

Por uma questão de honestidade intelectual, qualidade ausente com demasiada frequência dos escritos de César das Neves quando se trata de religiosidade, o professor poderia esclarecer os seus leitores que não existiu um gnosticismo, mas vários gnosticismos, com diferenças muito significativas entre si. Se é certo que alguns seriam “misóginos, machistas e diabolizavam o sexo”, outros responderam com doutrinas alternativas que reconheceram, dentro do culto, um papel para a mulher muito mais importante do que o catolicismo alguma vez foi capaz de conceder.

Da mesma forma, César das Neves poderia esclarecer os seus leitores sobre a forma como o gnosticismo foi erradicado pelo proto-ortodoxismo cristão, o qual constituiu a base para a origem da Igreja Católica como a conhecemos. Nomeadamente, através da quantidade de escritos gnósticos que foram deliberadamente destruídos durante os primeiros anos do cristianismo e nos séculos vindouros, tal como a quantidade de escritos proto-ortodoxos, hoje incluídos no cânone, cujos especialistas não hesitam em apontar como obras claramente falsificadas com o intuito de melhor se adaptarem ao combate ideológico em curso. Aliás, se hoje é tão difícil conhecer os gnosticismos do início do cristianismo é devido ao sucesso desses esforços para aniquilar não só os cultos alternativos, mas também os vestígios históricos desses cultos.

Assim, não surpreende que César das Neves omita o anti-semitismo presente em quase toda a história da ICAR, desde os textos doutrinários dos primeiros séculos da era cristã ao silêncio cúmplice durante o Holocausto, passando pelas fogueiras da Inquisição. Mas como o fundamentalismo religioso não conhece limites para os seus artifícios de manipulação, o leitor é ainda presenteado com uma comparação entre a propaganda nazi contra os judeus e as críticas actuais à ICAR. Se era para falar de propaganda anti-semita, César das Neves podia ter-se mantido num domínio que lhe é conhecido. Os Evangelhos estão cheios de bons exemplos que o professor poderia ter citado.

Friday, June 08, 2007

Explicação

Vou ali a um sítio, fazer uma coisa com umas pessoas.

Tuesday, June 05, 2007

Ameaças antigas

Existe, nalguns meios, uma presunção, artificial e enganadora, de se estar acima dos partidos e do Estado, ou, como alguns preferem, acima do regime. Trata-se de uma linha de pensamento que também esteve muito em voga no seio de certos movimentos há sensivelmente cem anos. É pura demagogia, populismo construído para desacreditar as instituições e lançar o clima adequado para a instauração de uma “nova era” messiânica. Na realidade, ao invés do programa regenerador anunciado, tem como principal efeito atrair o que de pior existe na sociedade e potenciá-lo a níveis desumanos. As grandes tragédias do século XX encontraram aqui um fiel gatilho para iniciarem o seu trajecto.

Um novo equilíbrio

A Fundação Calouste Gulbenkian, presente na 77ª Feira do Livro, parece estar a praticar, por sistema, os maiores descontos sobre o preço de capa dos livros que edita, descontos que, em muitos casos, rondam ou excedem a barreira dos 50%. Talvez a realidade financeira e económica das edições da FCG possa representar uma diferença significativa quando comparada com as outras editoras. Mas, a título de exemplo, há editoras cujos livros do dia recebem apenas um incremento de 10% no desconto a efectuar ao preço de Feira. Num livro de 30 euros, e não são poucos, a diferença entre comprá-lo como livro do dia ou em qualquer outro dia de Feira são três euros. Estes três euros que se poupam no preço de livro do dia não chegam para pagar os bilhetes de comboio e metro para quem não queira levar o carro para o meio de Lisboa, e mal chegam para cobrir dois módulos da Carris, caso não se tenha passe. Uma deslocação de propósito ao Parque Eduardo VII torna-se difícil de justificar nestas condições.

No sábado, Pacheco Pereira escrevia que a afluência aos alfarrabistas na Feira do Livro traduzia o lixo que se publica actualmente e enche os escaparates. Não se duvide que seja um aspecto relevante, mas mais importante parece algo que o autor do Abrupto refere apenas de passagem e que é a diferença de preços praticados. Os alfarrabistas na Feira anunciam preços muito baixos quando comparados com as editoras que os ladeiam. Certamente, os títulos e os autores são diferentes e traduzem, em grande parte, outros interesses. Mas que não sobrem dúvidas de que as escolhas se fazem equacionando o peso que as compras vão representar nos orçamentos domésticos de um país de baixo salários.

Pôr os portugueses a ler, seja lixo ou sejam clássicos, passa muito pelos preços que se praticam. O mercado é pequeno e será com certeza complicado assegurar a rentabilidade financeira das edições. Mas as leis da oferta e da procura postulam claramente que a segunda aumenta quando os preços baixam. Talvez esteja na altura de encontrar um novo ponto de equilíbrio, conveniente a todas as partes interessadas.

Friday, June 01, 2007

Peter Pan

Faço 31 anos daqui a dois meses e continuo a sentir que o 1 de Junho tem a ver comigo.