Friday, December 30, 2005

Nas cartas à mulher, Lobo Antunes vai repetindo (pelo menos nas primeiras cartas, mas acredito que o tom seja igual no livro todo) uma expressão curiosa. "Gosto tudo de ti", escreve ele, às vezes no término das missivas, às vezes pelo meio, como quem não quer perder nenhuma oportunidade de confessar o seu amor.
Lobo Antunes não escreveu "Gosto de tudo em ti" e, portanto, não é assim que eu o leio. O que ele escreve é um absoluto, uma plenitude. Gosta tudo o que se pode gostar de uma pessoa. Mero recurso de estilo ou algo mais? Está Lobo Antunes realmente convencido que atingiu o estado máximo do amor, e, portanto, também a sua finitude?

Thursday, December 29, 2005

O casal discute à porta do prédio. Ele, notoriamente preocupado, explica-se; ela vai ripostando enquanto a desilusão lhe cresce nos olhos. Falam uma língua estranha e é impossível decifrar uma única palavra do que dizem. O que, de resto, é perfeitamente desnecessário para compreender o que se passa.

Wednesday, December 28, 2005

Na sequência da comparação estatística entre Portugal e Espanha, gostaria que ficasse claro que, apesar de ter mudado de blogue, mantenho a mesma opinião.

Tuesday, December 27, 2005

Um dos noticiários de fim-de-semana revelou que este Natal se venderam muito bem televisores que custam milhares de euros. Ou é a retoma que aí vem, ou o país cansou-se de esperar e decidiu abrir os braços, e os bolsos, à alienação.


Paul Gauguin, A Natividade, 1896

Monday, December 26, 2005


Domenico Ghirlandaio, Natividade, 1485

Friday, December 23, 2005

"Telefonei só para lhe desejar um Bom Natal", disse o mediador imobiliário.


Sandro Botticelli, Adoração dos Reis Magos, 1475

Thursday, December 22, 2005

O post sobre as preocupações de Cavaco com o desemprego tem gerado uma troca de comentários interessante, com actualização das estatísticas apresentadas.

- Estou?
- Estou... Não era para ti que eu queria ligar.
- Ainda bem porque agora também não posso atender.
- Até logo.
- Até logo.


Isto é o que se pode chamar, com toda a exactidão, sintonia no desencontro.


Fra Angelico, Natividade, 1440-1441

Wednesday, December 21, 2005

Gostei de ouvir Cavaco preocupado com o desemprego. Gostei tanto que fui procurar umas estatísticas ao INE. Em 1992, um ano depois de Cavaco alcançar a sua segunda maioria absoluta, havia quase 187 mil desempregados. Em 1995, o ano em que o PSD deixou o poder, o número de desempregados já correspondia a mais de 325 mil pessoas. Se não me falharam as contas, é um aumento superior a 70%.
Pelos vistos, foram precisos mais dez anos para que o ex-primeiro-ministro se começasse a preocupar com o desemprego. Mais vale tarde do que nunca. É pena que se preocupe tanto quando se está a candidatar à Presidência, onde pouco pode fazer pelos desempregados. Teria sido bastante melhor que demonstrasse essa preocupação toda quando teve meios para impedir a escalada do desemprego.


Giotto di Bondone, Natividade, ca. 1310

Tuesday, December 20, 2005

Uma pessoa consegue perfeitamente imaginar o tipo de velhice que vai ter quando, ainda antes dos trinta, de forma resignada, se recusa a levantar do sofá para não incomodar a gata que descansa pachorrentamente no seu colo.

Monday, December 19, 2005

O procurador dos Maias, quando João da Ega lhe revela que a mulher com quem Carlos da Maia tem mantido uma relação é, afinal, sua irmã, só consegue pensar na fortuna da família. "Que bolada!", vai repetindo o procurador Vilaça, preocupado com as partilhas.
Vilaça é o exemplo acabado daquele tipo de pessoas que, mesmo com os factos à frente dos olhos, por muito bem intencionadas que sejam, não vêem para além do acessório. Encontrando sempre quem não veja mais que eles, podem chegar muito longe.

O João Tunes mudou de poiso novamente.

(Post propositadamente minimalista, de forma a poder ser aproveitado sempre que, como é mais que previsível, o João decida mudar o endereço ao blogue.)

A dominação masculina na sociedade vê-se, por exemplo, na discussão sobre a legalização da prostituição. A esmagadora maioria das opiniões dão como garantido que quem se prostitui são as mulheres e ponto final.

Sunday, December 18, 2005

Por uma porta aberta passa muita coisa. Por vezes apenas o frio.

Saturday, December 17, 2005

A equívoca libertação de Al Zarqawi pode acarretar dois tipos de leitura. Por um lado, a preparação das forças de segurança no Iraque deixa muito a desejar. Por outro, é um excelente exemplo para ser utilizado pelos adeptos da diminuição dos direitos, liberdades e garantias em favor do sucesso da luta contra o terrorismo.
Mais uma vez, a velha história dos fins e dos meios.

Um blogue, verdade seja dita, não chega para conhecer verdadeiramente a pessoa que o escreve. Mas chega para ficar com uma ideia. Umas vezes mais nítida, outras menos. Vai do que cada um quer dar de si quando escreve e do que se quer reter quando se lê.
Sempre que se volta a dizer que a blogosfera é uma descarga de azedumes de gente sem mais que fazer eu penso que devo andar a ler os blogues errados. Por onde eu passo o tom é sempre de respeito por quem lê e por quem escreve. Nestes dias houve um bom exemplo deste mesmo respeito mútuo (se não linko não é porque não o mereçam; são razões/manias que tenho com estas coisas, tenham paciência). Os que, de forma directa ou indirecta, nisso tomaram parte também por cá costumam passar e vão saber que são para eles estas palavras de apreço. A blogosfera ganha muito com pessoas assim.
E já que estamos nisto, aplicou-se há pouco tempo o adjectivo "cru" a propósito de determinados posts que aparecem, irregulares mas frequentes, num dos melhores blogues que por cá se escrevem (sem link, pelas mesmas razões/manias). Se isso é ser cru, eu confesso que, se algum dia tivesse de recorrer ao tipo de serviço profissional que presta o adjectivado, gostava de ter a sorte de apanhar profissionais tão crus como ele.
Vamos lá começar o fim-de-semana.

Friday, December 16, 2005

A corrida à Presidência da República está, por convenção, artificialmente restringida a cinco candidaturas. As restantes são paulatinamente ignoradas, sobretudo por quem tem por missão fazer o trabalho de informação do público. Não há argumentação que resulte para defender esta discriminação. Trata-se de um défice democrático, independentemente das intenções de voto que se prevêem para cada candidato.
Seria preferível que os debates tivessem a participação de todos os candidatos, por uma questão da mais elementar justiça e porque o confronto de ideias é sempre enriquecedor. Bem moderados, estes debates não só não seriam confusos como teriam a mais valia de deixar de ser meras entrevistas simultâneas, que é o que têm sido os pretensos debates a dois.
Podemos ambicionar uma maturidade democrática em que, na ausência de condições de igualdade para todas as candidaturas, os debates começassem com manifestações de repúdio, por parte dos candidatos escolhidos pelas televisões, contra o tratamento anti-democrático da pré-campanha eleitoral. Sim, porque pedir o boicote puro e simples – o comportamento ético adequado perante esta situação – é uma utopia da qual não vale a pena falar por agora.
As condições assim impostas vão ajudando a formatar a mentalidade do eleitor. O leque de possíveis escolhas é reduzido segundo critérios inaceitáveis do ponto de vista do que deve ser o respeito pelas regras plurais do processo eleitoral. Talvez os debates não sirvam para decidir grande coisa. Se servirem, talvez sirvam mais para se escolher em quem não votar do que o contrário. Mas deixem que sejam os eleitores a tomar essa decisão.

No banco de trás do autocarro discutiam-se as propriedades terapêuticas do copo de água com açúcar. Medicina de horário nobre logo a começar o dia.


Vincent van Gogh, Paisagem com Neve, 1888

Thursday, December 15, 2005

Mais um debate presidencial que vi apenas de forma intermitente. Mas tenho a certeza que foi quando falhou aquela bola vermelha ao canto inferior direito que Steve Davis se ia tramando. De uma vantagem de 8-3, à melhor de 17, permitiu a recuperação a Doherty até aos 8-7, para depois evitar a negra e aceder às meias-finais por 9-7, onde defrontará o sempre temível Stephen Hendry.
Por seu lado, Soares e Alegre pareceram genuinamente aborrecidos um com o outro. O que é bom. Talvez um dia explique melhor porquê, mas adianto já que a palavra “genuinamente” terá alguma relevância para o assunto. O lado negativo é que esse facto fez o debate roçar várias vezes o ataque pessoal. Pareceu-me que o principal responsável por isso terá sido Mário Soares, mas estou disposto a admitir, se mo exemplificarem, que, por uma série de coincidências estranhas, o esforço de recuperação de Ken Doherty me tenha feito perder igual comportamento da parte de Manuel Alegre. De qualquer forma, confirmei a ideia de que se Manuel Alegre merece tanto ataque de Mário Soares é porque, talvez, eventualmente, quem sabe, Alegre seja muito melhor candidato do que Soares e os seus apoiantes estão dispostos a admitir publicamente.

O curling, quando bem disputado, é um desporto com uma componente estratégica muito elevada e tecnicamente muito exigente. É um desporto pouco imediato, isto é, com muitos "tempos mortos" nos quais as equipas discutem entre si a jogada seguinte. Do ponto de vista do espectador, a maior parte do tempo é passada a olhar para o jogo tal como ele está e não tal como ele é jogado. Nesse aspecto, acaba a ter muitas semelhanças com uma partida de xadrez: é um jogo para ser pensado. Contudo, enquanto o xadrez é exclusivamente pensado (não requer qualquer técnica apurada para deslocar as peças no tabuleiro), no curling é admirável a capacidade de lançar um bloco de pedra a deslizar pelo gelo, com um movimento rotativo que o obriga a descrever uma curva na sua trajectória, tudo isto a uns quarenta metros de distância dos alvos definidos.
Resumindo, o curling tem muito do que eu penso que nos faz falta: estudo, estratégia, paciência e mestria técnica. Traços culturais que não só não são dominantes neste país, como nem sequer colhem grande reconhecimento.

Wednesday, December 14, 2005

Curiosamente, não conheço muitas pessoas que gostem de curling. E acredito que isto, podendo parecer que não, ajuda a explicar o estado em que se encontra o nosso país.

Para ultrapassar as dificuldades recentes que se têm deparado às visões dicotómicas da humanidade, proponho que se comece a dividir as pessoas em dois grandes grupos: os que gostam de curling e os que não gostam de curling.

Tuesday, December 13, 2005


Claude Monet, Degelo em Vétheuil, 1881

Monday, December 12, 2005

E se alguém, depois de uma primeira experiência a quatro mãos, se lembrasse de escrever um post com múltiplos autores? E se, como quem não quer a coisa, me dessem uma piscadela de olho para participar nisso? Eu, muito francamente, dizia logo que sim. Nem me importava que ainda não estivessem definidos o "como", o "quando" e o "sobre quê". São pormenores. Para mim, o importante nesta ideia é o "com quem". Eu sou menos uma pessoa de projectos do que uma pessoa de pessoas. Muito menos.
Só não pode ser sobre o debate Louça-Cavaco. Não vi. Ou melhor, vi algumas partes, mas mudei de canal sempre que me pareceu que Cavaco estava em sofrimento (o que me pareceu muitas vezes). Não gosto de ver ninguém a sofrer, mesmo que essa pessoa seja Cavaco. Não lhe desejo mal, só não quero que ganhe as próximas eleições. Não precisa de perder por muitos. Por mim, um voto chega. O meu, por exemplo.

Thursday, December 08, 2005

Esta semana surgiu a hipótese de me arranjarem um bilhete para o Benfica-Manchester. Praticamente desde logo surgiu-me a ideia para um post em tom irónico sobre o previsível resultado do jogo, que pretendia ter publicado algures durante o dia que passou. Entretanto, e por ordem cronológica, a possibilidade me arranjarem o bilhete gorou-se, acabei por não ter tempo para publicar o que quer que seja e o Benfica ganhou ao Manchester nas condições que se sabe. Estou sem palavras.

Wednesday, December 07, 2005

O Benfica, com três titulares indiscutíveis lesionados, com um defesa central a jogar a defesa direito, com o defesa direito a jogar a médio ofensivo, com o médio direito a jogar a ponta de lança, com o ponta de lança a jogar a número dez, com o hipotético número dez a jogar a médio esquerdo e, não o esqueçamos, com um Beto a jogar os noventa minutos, ganhou a um Manchester United na sua actual máxima força. Se não estou em erro, esta é uma das trombetas do apocalipse de que se fala na Bíblia.

Tuesday, December 06, 2005

Agora que Condoleezza Rice inicia a sua jornada pela Europa, as notícias indicam que os EUA encerraram as prisões secretas que mantinham na Europa, transferindo os prisioneiros para África. Espera-se que os governantes europeus tenham presente, e assumam isso inequivocamente perante a diplomacia americana, que o ponto essencial não é onde estão localizadas as prisões nem por onde passam os aviões de transporte clandestino de prisioneiros. O ponto essencial, obviamente, é a existência dessas prisões e desses voos, independentemente dos condicionalismos geográficos.


Raoul Dufy, Janela em Nice, 1927

(Com um abraço especial para o simpático e atento Evaristo)

Monday, December 05, 2005

Nunca fui bom aluno a trabalhos manuais nem a desenho. Aliás, não andarei longe da verdade se disser que se nunca chumbei à disciplina de educação visual foi sobretudo devido às autoavaliações no fim do ano lectivo, misturas refinadas de rigor objectivo das minhas limitações e de apelos à compreensão pela diversidade vocacional.
Lembro-me que uma das tarefas a realizar nas aulas de trabalhos manuais era dobrar folhas para formar caixas de papel de diferentes tamanhos. Nessas aulas, sentava-se ao meu lado uma rapariga muito simpática chamada Filipa. Não é que fôssemos grandes amigos. Nem sequer pertencíamos ao mesmo grupo. Ela tinha as amizades dela e eu as minhas. Mas a Filipa, que aliava a simpatia ao jeito para os trabalhos manuais, por alguma razão decidiu contribuir para minimizar a minha falta de talento. Como as caixinhas dela ficavam prontas num piscar de olhos, sobrava-lhe mais que tempo para tratar também das minhas. E isto, ainda por cima, sem que eu lho pedisse. Era ela que tomava a iniciativa e, de facto, parecia mesmo gostar de o fazer. Nunca a vi tirar-me as folhas das mãos ou entregar-mas na forma de graciosas caixinhas de papel sem ser com um sorriso na cara.
Hoje, olhando para trás e pensando um bocado nisso, desconfio que talvez – talvez – me tenha escapado qualquer coisa por esses dias.

E para quando uns óculos destes com aplicação nos escritórios?

Mais um exemplo da pobreza intelectual de Cavaco Silva, devidamente comentado pelo João Tunes. Está lá tudo.

Adenda: Para outras interpretações das palavras de Cavaco que deram origem a este post, vale a pena ler os comentários a este post no Quase em Português.

Sunday, December 04, 2005

Do outro lado da estrada vê-se uma Igreja pequena e modesta. De outro tempo, nota-se bem. Quando descer à rua hei-de confirmar o ano da construção e o da recuperação. Alguém não quis que esses conhecimentos pertencessem só aos historiadores e colocou uma placa na fachada, para que todos os que queiram o possam saber. Há algo de nobre nos que partilham o seu conhecimento. Enfim, há algo de nobre nos que partilham.

É claro que, agora, vivemos na era da informação, que esta é poder e daí os esforços pelo seu controle. Julgo que isto tende a tornar-nos egoístas e, pior do que isso, julgo que esse é um efeito desejado pelos apologistas do darwinismo social que tomaram conta do leme. Mas a chave da questão não está apenas no que se sabe, mas também, ou até sobretudo, no que se pode fazer com o que se sabe. Eu, que também pouco sei de economia, dou por mim a perguntar de que me valeria saber mais se não tenho as oportunidades de colocar em prática o que sei, ou se, colocando, sou imediatamente boicotado caso não corresponda à ortodoxia do momento?

Também me interrogo que raio de mundo vão ter os meus filhos para usufruir? E, numa perspectiva mais individualista, que raio de velhice me estará reservada? Seja qual for o futuro, continuo com vontade de os educar de forma a que não sintam como legítima a desigualdade que se constrói a cada dia de "triunfo" do modelo económico em que vivemos. Se fizer um trabalho bem feito, como os meus pais souberam fazer, mesmo não sabendo nada de economia hão-de sentir-se desconfortáveis perante a miséria de tantos para a prosperidade de tão poucos. Hão-de desabafar que se é para isto que serve a economia, então não serve para grande coisa. E hão-de saber, ainda que apenas visceralmente, que por mais que nos repitam que é importante que o PIB cresça, o fundamental é que as pessoas tenham oportunidades reais para levarem uma existência digna.

Mais do que tudo, hão-de acreditar com toda a força que há outra forma de fazer as coisas, mesmo que não saibam indicar qual. Talvez digam, como o outro, que também era poeta, que, não sabendo por onde vão, sabem que não vão por aí.

Saturday, December 03, 2005

Se eu tivesse paciência para isso, republicava todos os textos em que disse que Sócrates não traria nada de bom ao PS e muito menos ao país.

Thursday, December 01, 2005

Desde há uns anos que deixei de perceber o que se celebra neste dia.